Expresso das ilhas, edição 666 de 03 de Setembro de 2014
A ausência da bandeira
nacional nas honras fúnebres prestadas pelas Forças Armadas ao coronel Pedro dos
Reis Brito deixou perplexo muita gente. Nunca antes tinha acontecido, vai
contra o regulamento de continências e honras militares e abre um precedente extremamente
preocupante na forma como as Forças Armadas lidam com os símbolos nacionais. O
facto de passado mais de uma semana a chefia das FA não se dignar em prestar
explicações públicas sobre a questão torna o incidente ainda mais grave.
Nenhuma dúvida deve existir quanto à fidelidade de todos os seus membros à
Constituição na defesa da unidade e integridade da República.
Os únicos símbolos
nacionais, bandeira, hino e armas são os consagrados na Constituição. Ninguém
pode passar por cima da Lei quanto ao tratamento a ser-lhes dispensado
decidindo o se, o quando e o como do
seu uso. Muito menos das FA, uma instituição da qual se espera subordinação ao
poder civil e se exige apartidarismo, imparcialidade e neutralidade política. Como
bem dizem os estudiosos, os símbolos são valores de referência, de comunhão
cultural e ideológica, de identificação e distinção não só do Estado como de
toda a colectividade política. Às FA compete a defesa de tudo isso. Daí que os
símbolos não podem estar ausentes em nenhum acto das FA como demonstração do
seu comprometimento com tudo o que representam.
Cabo Verde é ainda uma
jovem democracia com apenas 23 anos de experiência na institucionalização das
suas forças armadas como organização militar imbuída de espírito republicano. Antes
as forças armadas eram tidas como “braço armado do partido” no poder e usadas
na segurança interna e na defesa do regime como foi no tristemente célebre acontecimento
do 31 de Agosto de 1981 em Santo Antão. Juravam uma outra bandeira e
declaravam-se fiéis às tradições militares de um partido político. Hoje não é assim
mas é claro e notório que o lastro historicamente criado ainda não foi alijado
completamente.
Assiste-se todos os
anos com perplexidade as FA da República a comemorar anos de existência que
ultrapassam em oito os anos de independência de Cabo Verde. Recentemente
aprovou-se uma lei que ressuscita uma categoria de oficiais comandantes a quem
são “devidas honras e continências previstas para o mais alto posto da
hierarquia”. São os mesmos comandantes e principais dignatários dos tempos de
partido único que na vigência do regime situavam-se no topo da hierarquia do
então “braço armado do partido”. A realidade de hoje é diferente, mas há-de se
convir que a persistência em referências outras na instituição militar não é
salutar. Não pode haver fidelidades divididas nas forças armadas.
Um dos elementos-chave
das democracias é a subordinação do poder militar ao poder civil. Vinca-se
claramente esse princípio conferindo ao presidente da república a função de comandante
supremo das forças armadas. Enquanto representante da colectividade nacional e
garante da unidade do Estado espera-se que tenha um papel central em evitar
qualquer instrumentalização das forças armadas e em assegurar que em todas as
situações a actuação das FA será em conformidade e em defesa da ordem
constitucional democraticamente estabelecida.
A Constituição prevê um
Conselho Superior de Defesa Nacional presidido pelo presidente da república e
composto por representantes do governo e do parlamento. Através desse órgão o
PR pode intervir na definição e condução das políticas de defesa e fazer o
seguimento das FA. Essa atenção do PR é fundamental para se manter as forças
armadas subordinadas aos interesses do povo cabo-verdiano. O problema que se
coloca é a raridade com que as reuniões do Conselho de Defesa Nacional se
verificam.
Decorridos três anos no
mandato do actual PR ainda não se realizou uma única reunião. Entretanto já foram
demitidos e nomeados chefes de estado-maior e aprovadas várias leis importantes
sobre a organização militar entre as quais o estatuto dos militares. Urge pôr a
funcionar todos os mecanismos constitucionais que permitam ao PR assegurar que
as FA estão a cumprir a sua missão central de defesa nacional sem lealdades
divididas e sempre fiéis à bandeira que simboliza a unidade e a integridade da
nação e os princípios e valores consagrados na Constituição da República.