quarta-feira, setembro 03, 2014

A bandeira é só uma



Expresso das ilhas, edição 666 de 03 de Setembro de 2014

A ausência da bandeira nacional nas honras fúnebres prestadas pelas Forças Armadas ao coronel Pedro dos Reis Brito deixou perplexo muita gente. Nunca antes tinha acontecido, vai contra o regulamento de continências e honras militares e abre um precedente extremamente preocupante na forma como as Forças Armadas lidam com os símbolos nacionais. O facto de passado mais de uma semana a chefia das FA não se dignar em prestar explicações públicas sobre a questão torna o incidente ainda mais grave. Nenhuma dúvida deve existir quanto à fidelidade de todos os seus membros à Constituição na defesa da unidade e integridade da República.
Os únicos símbolos nacionais, bandeira, hino e armas são os consagrados na Constituição. Ninguém pode passar por cima da Lei quanto ao tratamento a ser-lhes dispensado decidindo o se, o quando e o como do seu uso. Muito menos das FA, uma instituição da qual se espera subordinação ao poder civil e se exige apartidarismo, imparcialidade e neutralidade política. Como bem dizem os estudiosos, os símbolos são valores de referência, de comunhão cultural e ideológica, de identificação e distinção não só do Estado como de toda a colectividade política. Às FA compete a defesa de tudo isso. Daí que os símbolos não podem estar ausentes em nenhum acto das FA como demonstração do seu comprometimento com tudo o que representam.
Cabo Verde é ainda uma jovem democracia com apenas 23 anos de experiência na institucionalização das suas forças armadas como organização militar imbuída de espírito republicano. Antes as forças armadas eram tidas como “braço armado do partido” no poder e usadas na segurança interna e na defesa do regime como foi no tristemente célebre acontecimento do 31 de Agosto de 1981 em Santo Antão. Juravam uma outra bandeira e declaravam-se fiéis às tradições militares de um partido político. Hoje não é assim mas é claro e notório que o lastro historicamente criado ainda não foi alijado completamente.
Assiste-se todos os anos com perplexidade as FA da República a comemorar anos de existência que ultrapassam em oito os anos de independência de Cabo Verde. Recentemente aprovou-se uma lei que ressuscita uma categoria de oficiais comandantes a quem são “devidas honras e continências previstas para o mais alto posto da hierarquia”. São os mesmos comandantes e principais dignatários dos tempos de partido único que na vigência do regime situavam-se no topo da hierarquia do então “braço armado do partido”. A realidade de hoje é diferente, mas há-de se convir que a persistência em referências outras na instituição militar não é salutar. Não pode haver fidelidades divididas nas forças armadas.
Um dos elementos-chave das democracias é a subordinação do poder militar ao poder civil. Vinca-se claramente esse princípio conferindo ao presidente da república a função de comandante supremo das forças armadas. Enquanto representante da colectividade nacional e garante da unidade do Estado espera-se que tenha um papel central em evitar qualquer instrumentalização das forças armadas e em assegurar que em todas as situações a actuação das FA será em conformidade e em defesa da ordem constitucional democraticamente estabelecida.
A Constituição prevê um Conselho Superior de Defesa Nacional presidido pelo presidente da república e composto por representantes do governo e do parlamento. Através desse órgão o PR pode intervir na definição e condução das políticas de defesa e fazer o seguimento das FA. Essa atenção do PR é fundamental para se manter as forças armadas subordinadas aos interesses do povo cabo-verdiano. O problema que se coloca é a raridade com que as reuniões do Conselho de Defesa Nacional se verificam.
Decorridos três anos no mandato do actual PR ainda não se realizou uma única reunião. Entretanto já foram demitidos e nomeados chefes de estado-maior e aprovadas várias leis importantes sobre a organização militar entre as quais o estatuto dos militares. Urge pôr a funcionar todos os mecanismos constitucionais que permitam ao PR assegurar que as FA estão a cumprir a sua missão central de defesa nacional sem lealdades divididas e sempre fiéis à bandeira que simboliza a unidade e a integridade da nação e os princípios e valores consagrados na Constituição da República. 

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