Expresso das ilhas, edição 665 de 27 de Agosto de 2014
Editorial
Thomas Friedman na sua coluna
no New York Times de 24 de Agosto avançou a tese segundo a qual muito da
desordem que se vê no mundo actualmente deve-se à falta de liberdade. Muita
gente por todo o mundo, na sequência dos desabamentos dos impérios coloniais e
há vinte e cinco anos atrás do império comunista, diz-se livre. Para Friedman
podem estar livres dos antigos dominadores e opressores mas ainda não são
realmente livres designadamente “para viverem a sua vida, para se exprimirem
sem reservas, para formarem o seu próprio partido político, para construirem um
negócio, para votarem em qualquer candidato e para procurarem a sua
felicidade”. Segundo ele, a ausência desta “liberdade
para” mesmo na presença da “liberdade
de”, faz toda a diferença. É que para a assegurar exigem-se leis e normas,
confiança mútua e instituições que só são possíveis num quadro de princípios e
valores compartilhados por pessoas que acreditam que estão juntos numa
caminhada de progresso e prosperidade.
Hoje como ontem, muitos
regimes políticos procuraram legitimar-se e manter a sua autoridade,
socorrendo-se do nacionalismo. Dizem às pessoas que deviam sentir-se felizes
por estarem livres do domínio do estrangeiro. Sistematicamente repetem que a
soberania é o valor supremo, para que qualquer outra ideia de liberdade não
leve as pessoas a reconhecer que no seu quotidiano são de facto cidadãos de
segunda, privados dos direitos básicos para se realizarem na plenitude. A
desordem que com o tempo acaba por se instalar, provem do facto de, como diz
Friedman, o sistema a prazo não é sustentável.
Durante anos o regime pode
sobreviver com base na exploração de recursos naturais ou na utilização de
ajudas externas generosas para manter as pessoas na ordem, devidamente
anestesiadas ou conformadas. Inevitavelmente mudanças acabam por minar o
sistema que lhes dá sustentabilidade. Primeiro, nota-se na quebra do
crescimento e no aumento do emprego, depois cai-se na estagnação económica e
social com milhões a verem-se sem futuro. Finalmente torna-se difícil ignorar os
sinais da perda de coesão social com impacto nas famílias, nas comunidades e na
criminalidade em geral. Todos os dias os jornais, as rádios e as televisões dão
conta desse processo degenerativo preocupante que acontece um pouco por todo o
mundo. A violência extrema que actualmente se assiste no Médio Oriente com
guerras religiosas, o desfazer das fronteiras dos estados, a destruição de
patrimónios milenares e o genocídio dirigido contra minorias étnicas e
religiosas é testemunha das consequências graves e muitas vezes catastróficas
de se insistir em dominar as pessoas e em não permitir a liberdade.
Cabo Verde também pagou caro
a falta de liberdade das suas gentes em oportunidades perdidas, em prosperidade
não criada e em opressão sofrida. A aproximação de mais um 31 de Agosto faz
relembrar o que acontece quando as pessoas não têm liberdade para falar, para
se reunirem, para se manifestarem e para escolherem os seus próprios
governantes. Podem ser mortas pela tropa e podem ser presas, torturadas e
julgadas em tribunais militares com aconteceu em 1981 em Santo Antão. O medo
impera, a dependência das pessoas é agressivamente alimentada pelo estado e a
verdade é substituída pela propaganda. Outrossim, sem capital social, segurança
jurídica e espaço para a imaginação não há produtividade que aumente ou riqueza
suficiente que se crie. Em 1990, num ambiente internacional favorável aos
ideais de liberdade e democracia, o regime de partido único caiu.
O surto em crescimento
económico e prosperidade geral que se seguiu confirma o valor da liberdade, da
democracia e do estado de direito. Mas o facto de mesmo assim se mostrar
insuficiente o crescimento económico, do emprego não crescer em quantidade e
qualidade desejáveis e soluções e não terem sido encontradas para os milhares
que labutam nos campos do país e lutam pela sobrevivência na periferia dos
centros urbanos deve fazer-nos pausar e procurar ver o que está a faltar. No
mesmo sentido vão os cada vez mais preocupantes índices de criminalidade e os
sinais da perda de coesão social a todos os níveis. O crescimento médio dos
últimos cinco anos em 1,5 % e do último ano em 0,5% lembraram os anos de
estagnação e tornam urgente uma revisão da situação e obrigatória uma mudança
de rumo.
A via todos já a conhecem: é
a via da liberdade. A via que dá segurança à iniciativa individual, acaba com
favoritismos, arbitrariedade e partidarismos. A via que não aprofunda a
dependência das pessoas e, pelo contrário, incentiva autonomia pessoal,
comunitária e regional. A via que efectivamente dá às pessoas perspectivas de
saírem do “desenrascanço” e do informal para uma via realmente produtiva e
gratificante. A via que investe nas pessoas emprestando-lhes os meios para se
realizarem neste mundo cada mais complexo e exigente. Finalmente a via que
deixe de utilizar a ajuda externa para promover o conformismo e ajude as
pessoas a acreditar que é possível, num quadro de princípios e valores
livremente estabelecidos e compartilhados, construir a felicidade e a
prosperidade.