sexta-feira, outubro 02, 2009

Seriedade nas respostas

Nações ganham em carácter quando, confrontadas com situações determinantes da sua existência futura, reagem com maturidade e firmeza: Não escondem nem suavizam os factos; avaliam corajosamente em como acções passadas contribuíram para a realidade actual, sem cair na armadilha da vitimização; e movem-se decididamente para um outro patamar de resolução dos seus problemas. 
As crises, vindas de fora ou originadas de dentro, podem ser momentos definidores. São oportunidades de mudança se a consciência nacional, sem subterfúgios, absorve o impacto total dos seus efeitos e encara as consequências de não alteração de rumo.  
O mundo vive uma crise profunda. Felizmente, evitou-se que a crise financeira não resultasse numa reedição da Grande Depressão dos anos trinta do século passado. Não se conseguiu, porém, evitar o desemprego de milhões de pessoas, a travagem no crescimento económico, a brusca contracção do comércio internacional e os efeitos da escassez de crédito.
A crise tem um culpado identificado, o sector financeiro. Um sector que insistiu em auto regular-se, seguindo os ditames do mercado, mas que veio a revelar-se oportunista e ganancioso. Sorvia percentagens cada vez maiores dos ganhos da economia ao mesmo tempo que, sem transparência, submetia tudo e todos a riscos excessivos, camuflados nos seus instrumentos financeiros complexos. O resgate do sector implicou extraordinários recursos que vão pesar nos bolsos dos contribuintes e na economia por vários anos.
O mundo pós-crise que emerge reclama respostas novas e firmes. Nesse sentido vão as medidas postas em práticas em vários países e absorvidas na última reunião do G-20, designadamente, um plafond para os vencimentos dos executivos bancários e regulação do crédito de certos produtos financeiros como os “derivatives”. Em vários países a economia está-se adaptar ao novo ambiente de menos exuberância financeira, maiores constrangimentos em energia e expectativa de alterações climáticas. O processo de globalização reajusta-se ao menor fluxo internacional de capitais, à crescente influência da China, Brasil e Índia, e ao fim da divisão entre países exportadores com enormes reservas externas e países importadores com crédito barato, disponibilizado pelos outros, e défices fiscais excessivos.  
São os novos tempos. E por todo o lado surgem novas respostas. Na América luta-se por uma nova estrutura de cuidados de saúde, pela eficiência energética e pela qualidade do ensino a todos os níveis. Em Portugal a preocupação incide sobre a necessidade de inovar e exportar. Na China expande-se o mercado interno para compensar a diminuição de exportações, etc., etc.  
Aqui em Cabo Verde finalmente constata-se que se vive novos tempos. Mas não os novos tempos do resto do mundo. Aqui proclama-se que os novos tempos resultam do governo ter cumprido grande parte do seu compromisso. A auto-satisfação não deixa ver a crise no mundo e no País. Por isso as novas respostas anunciadas mais parecem medidas de gestão de expectativas em ano pré-eleitoral do que actos de governação responsável. O 13º mês para os funcionários do Estado e outras despesas surgem sem que se explicite como e quanto irá crescer a economia de modo a gerar receitas para as cobrir.
O discurso de sedução do Governo parece colocar o País sempre fora deste mundo. Primeiro, a crise não o atingia. Depois, quando os capitais escassearam e o fluxo turístico diminuiu o Governo apressou-se a declarar que o País estava protegido dos  efeitos da crise, não obstante o aumento do desemprego e a quebra de receitas públicas.  O optimismo dos governantes mantém-se alto à custa de empréstimos externos e das obras onde os aplica, sem muita preocupação com a relação custos e benefícios. 
A realidade nua e crua é passada ao lado. Não foram atingidas as duas grandes metas do Governo constantes do seu Programa (página 8): atingir taxa de crescimento económico a dois dígitos; reduzir a taxa de desemprego a níveis inferiores a dois dígitos. Esta falha grave não é assumida. O governo desculpa-se dizendo que o desemprego é estrutural. Esquece que, para a nação caboverdiana, o acto de apresentação do Programa ao Parlamento significa que o governo ponderou devidamente as suas propostas e que as deve ter considerado absolutamente realistas. O voto de confiança que solicitou e recebeu do Parlamento suporta-se nessa assunção básica. Não pode, anos depois, simplesmente varrer para debaixo do tapete o compromisso central de governação.  
Porque é  que não explica aos caboverdianos as razões do insucesso da luta contra o desemprego, mesmo em tempo de vacas gordas? Como é que da expectativa, gerada em 2006, de baixa de desemprego para menos de 10%, se chegou, três anos depois, em 2009, à situação actual de 22% de desemprego? Não se concretizaram os investimentos externos previstos? Ficaram aquém dos resultados esperados a estratégia de desenvolvimento do hub aeroportuário e do serviço internacional de transbordo? Não se encontrou um novo rumo para o sector industrial? A agro-pecuária não se expandiu o suficiente e não evoluiu para produtos de maior valor acrescentado? Será que já beneficia de um mercado nacional unificado? A pesca deixou-se ficar essencialmente pela sua condição artesanal? As promessas de uma economia de conhecimento, suportada numa população jovem bem formada nas ciências, com competência linguista e qualificada nas tecnologias de informação e comunicação, não se materializaram? E a praça financeira, particularmente a offshore, conseguiu ganhar dimensão e criar postos de trabalho qualificados e bem remunerados?
Em qualquer país o sucesso na atracção de capitais externos, na execução de estratégias de desenvolvimento e na criação de condições para competitividade futura das empresas e para a inovação de produtos e processos depende muito do ambiente de negócios existente. E nessa matéria Cabo Verde não está bem. O relatório do Banco Mundial sobre a facilidade de fazer negócios ainda situa Cabo Verde entre os piores. No Doing Business 2010 é o 146º em 183 países no mundo. Em Africa, ocupa o vigésimo lugar, atrás do Lesotho, Malawi e Gambia.  
Em ambientes pouco facilitadores de negócios intenções de investimento muito dificilmente se realizam, novos empreendimentos confrontam-se com demasiados obstáculos, empresas existentes mostram relutância em crescer e em diversificar e é excessivo o risco, seja de entrada, de inovação e de desenvolvimento de novos mercados. Tudo isso ficou demonstrado nos últimos anos. Cabo Verde teve oportunidades múltiplas de aproveitar o crédito fácil, o crescimento do comércio internacional e a e forte procura de novos destinos turísticos para fazer crescer a sua economia e lutar decisivamente contra o desemprego. Falhou. A crise não provocou o falhanço, como se vem sugerindo, à laia de desculpas. A crise, ao alterar drasticamente as condições vantajosas então existentes, só veio revelar o tempo perdido.  
Reformas capazes de alterar o ambiente de negócios são possíveis se houver visão e vontade. Ruanda, o país dos tutsi e dos hutus e do genocídio de triste memória de há 15 anos atrás, um país muito mais difícil de governar do que Cabo Verde, conseguiu num ano passar do 143º lugar na facilidade de negócios para o 67º. No almoço oferecido por Obama a 25 chefes de Estado e de Governo africanos em Setembro, o presidente do Ruanda, Paul Kagame, foi convidado conjuntamente com os presidentes da Libéria e da Tanzânia para introduzir um tema de debate, como reconhecimento pelas reformas realizadas.  
Em Cabo Verde, o foco não está nas reformas. O discurso oficial centra-se na governança. Good governance é apresentada como recurso estratégico É mesmo dado como o petróleo de Cabo Verde porque propicia recursos externos que, actuando como uma renda, permite ao Estado manter uma posição cimeira e controleira sobre a economia, a sociedade e os indivíduos. Por isso, as reformas ficam para trás enquanto o
Governo concentra-se em passar a imagem que mais se adequa às expectativas e à agenda dos países doadores e de organizações multilaterais. Erguem-se todas as bandeiras, abraçam-se todas causas e seguem-se todos os modismos sem muita preocupação com os conteúdos e a sua aplicabilidade ao País Opta-se pelo que gera fluxos monetários exteriores a curto prazo e coloca-se em segundo plano a consolidação da economia nacional e a sua sustentabilidade futura.  
O mal não está em projectar uma imagem boa para o exterior. O mal é  ficar por aí e subordinar tudo a isso. O mal é manter o Estado num círculo vicioso que o faz incapaz de mudar e de introduzir reformas na economia. E sem reformas dificilmente o país poderá tornar-se atractivo ao investimento externo e produzir o ambiente de negócios propício à criação e expansão de um tecido empresarial moderno, competitivo e capaz de gerar postos de trabalho que ponham o desemprego abaixo dos 10%.  
A incapacidade de fazer descer a taxa de desemprego para os níveis do ano 2000 prova que como estratégia é insuficiente para garantir a sustentabilidade da economia e propiciar qualidade de vida e níveis de rendimento crescentes aos caboverdianos. De facto, a par das boas palavras de Hillary Clinton, Cabo Verde precisa, e urgente, de boas palavras de potenciais investidores, boas palavras dos empresários e boas palavras dos utentes dos serviços do Estado. 

      Publicado pelo jornal A Semana de 2 de Outubro de 2009

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