Nações ganham
em carácter quando, confrontadas com situações determinantes da sua
existência futura, reagem com maturidade e firmeza: Não escondem nem
suavizam os factos; avaliam corajosamente em como acções passadas
contribuíram para a realidade actual, sem cair na armadilha da vitimização;
e movem-se decididamente para um outro patamar de resolução dos seus
problemas.
As crises,
vindas de fora ou originadas de dentro, podem ser momentos definidores.
São oportunidades de mudança se a consciência nacional, sem subterfúgios,
absorve o impacto total dos seus efeitos e encara as consequências
de não alteração de rumo.
O mundo vive
uma crise profunda. Felizmente, evitou-se que a crise financeira não
resultasse numa reedição da Grande Depressão dos anos trinta do século
passado. Não se conseguiu, porém, evitar o desemprego de milhões
de pessoas, a travagem no crescimento económico, a brusca contracção
do comércio internacional e os efeitos da escassez de crédito.
A crise tem
um culpado identificado, o sector financeiro. Um sector que insistiu
em auto regular-se, seguindo os ditames do mercado, mas que veio a revelar-se
oportunista e ganancioso. Sorvia percentagens cada vez maiores dos ganhos
da economia ao mesmo tempo que, sem transparência, submetia tudo e
todos a riscos excessivos, camuflados nos seus instrumentos financeiros
complexos. O resgate do sector implicou extraordinários recursos que
vão pesar nos bolsos dos contribuintes e na economia por vários anos.
O mundo pós-crise
que emerge reclama respostas novas e firmes. Nesse sentido vão as medidas
postas em práticas em vários países e absorvidas na última reunião
do G-20, designadamente, um plafond para os vencimentos dos executivos
bancários e regulação do crédito de certos produtos financeiros
como os “derivatives”. Em vários países a economia está-se adaptar
ao novo ambiente de menos exuberância financeira, maiores constrangimentos
em energia e expectativa de alterações climáticas. O processo de
globalização reajusta-se ao menor fluxo internacional de capitais,
à crescente influência da China, Brasil e Índia, e ao fim da divisão
entre países exportadores com enormes reservas externas e países importadores
com crédito barato, disponibilizado pelos outros, e défices fiscais
excessivos.
São os novos
tempos. E por todo o lado surgem novas respostas. Na América luta-se
por uma nova estrutura de cuidados de saúde, pela eficiência energética
e pela qualidade do ensino a todos os níveis. Em Portugal a preocupação
incide sobre a necessidade de inovar e exportar. Na China expande-se
o mercado interno para compensar a diminuição de exportações, etc.,
etc.
Aqui em Cabo
Verde finalmente constata-se que se vive novos tempos. Mas não os novos
tempos do resto do mundo. Aqui proclama-se que os novos tempos resultam
do governo ter cumprido grande parte do seu compromisso. A auto-satisfação
não deixa ver a crise no mundo e no País. Por isso as novas respostas
anunciadas mais parecem medidas de gestão de expectativas em ano pré-eleitoral
do que actos de governação responsável. O 13º mês para os funcionários
do Estado e outras despesas surgem sem que se explicite como e quanto
irá crescer a economia de modo a gerar receitas para as cobrir.
O discurso
de sedução do Governo parece colocar o País sempre fora deste mundo.
Primeiro, a crise não o atingia. Depois, quando os capitais escassearam
e o fluxo turístico diminuiu o Governo apressou-se a declarar que o
País estava protegido dos efeitos da crise, não obstante o aumento
do desemprego e a quebra de receitas públicas. O optimismo dos
governantes mantém-se alto à custa de empréstimos externos e das
obras onde os aplica, sem muita preocupação com a relação custos
e benefícios.
A realidade
nua e crua é passada ao lado. Não foram atingidas as duas grandes
metas do Governo constantes do seu Programa (página 8):
atingir taxa de crescimento económico a dois dígitos; reduzir a taxa
de desemprego a níveis inferiores a dois dígitos.
Esta falha grave não é assumida. O governo desculpa-se dizendo que
o desemprego é estrutural. Esquece que, para a nação caboverdiana,
o acto de apresentação do Programa ao Parlamento significa que o governo
ponderou devidamente as suas propostas e que as deve ter considerado
absolutamente realistas. O voto de confiança que solicitou e recebeu
do Parlamento suporta-se nessa assunção básica. Não pode, anos depois,
simplesmente varrer para debaixo do tapete o compromisso central de
governação.
Porque é
que não explica aos caboverdianos as razões do insucesso da luta
contra o desemprego, mesmo em tempo de vacas gordas? Como é que da
expectativa, gerada em 2006, de baixa de desemprego para menos de 10%,
se chegou, três anos depois, em 2009, à situação actual de 22% de
desemprego? Não se concretizaram os investimentos externos previstos?
Ficaram aquém dos resultados esperados a estratégia de desenvolvimento
do hub aeroportuário e do serviço internacional de transbordo?
Não se encontrou um novo rumo para o sector industrial? A agro-pecuária
não se expandiu o suficiente e não evoluiu para produtos de maior
valor acrescentado? Será que já beneficia de um mercado nacional unificado?
A pesca deixou-se ficar essencialmente pela sua condição artesanal?
As promessas de uma economia de conhecimento, suportada numa população
jovem bem formada nas ciências, com competência linguista e qualificada
nas tecnologias de informação e comunicação, não se materializaram?
E a praça financeira, particularmente a offshore, conseguiu
ganhar dimensão e criar postos de trabalho qualificados e bem remunerados?
Em qualquer
país o sucesso na atracção de capitais externos, na execução de
estratégias de desenvolvimento e na criação de condições para competitividade
futura das empresas e para a inovação de produtos e processos depende
muito do ambiente de negócios existente. E nessa matéria Cabo Verde
não está bem. O relatório do Banco Mundial sobre a facilidade de
fazer negócios ainda situa Cabo Verde entre os piores. No Doing Business
2010 é o 146º em 183 países no mundo. Em Africa, ocupa o vigésimo
lugar, atrás do Lesotho, Malawi e Gambia.
Em ambientes
pouco facilitadores de negócios intenções de investimento muito dificilmente
se realizam, novos empreendimentos confrontam-se com demasiados obstáculos,
empresas existentes mostram relutância em crescer e em diversificar
e é excessivo o risco, seja de entrada, de inovação e de desenvolvimento
de novos mercados. Tudo isso ficou demonstrado nos últimos anos. Cabo
Verde teve oportunidades múltiplas de aproveitar o crédito fácil,
o crescimento do comércio internacional e a e forte procura de novos
destinos turísticos para fazer crescer a sua economia e lutar decisivamente
contra o desemprego. Falhou. A crise não provocou o falhanço, como
se vem sugerindo, à laia de desculpas. A crise, ao alterar drasticamente
as condições vantajosas então existentes, só veio revelar o tempo
perdido.
Reformas capazes
de alterar o ambiente de negócios são possíveis se houver visão
e vontade. Ruanda, o país dos tutsi e dos hutus e do genocídio de
triste memória de há 15 anos atrás, um país muito mais difícil
de governar do que Cabo Verde, conseguiu num ano passar do 143º lugar
na facilidade de negócios para o 67º. No almoço oferecido por Obama
a 25 chefes de Estado e de Governo africanos em Setembro, o presidente
do Ruanda, Paul Kagame, foi convidado conjuntamente com os presidentes
da Libéria e da Tanzânia para introduzir um tema de debate, como reconhecimento
pelas reformas realizadas.
Em Cabo Verde,
o foco não está nas reformas. O discurso oficial centra-se na governança.
Good governance é apresentada como recurso estratégico É mesmo
dado como o petróleo de Cabo Verde porque propicia recursos externos
que, actuando como uma renda, permite ao Estado manter uma posição
cimeira e controleira sobre a economia, a sociedade e os indivíduos.
Por isso, as reformas ficam para trás enquanto o
Governo concentra-se
em passar a imagem que mais se adequa às expectativas e à agenda dos
países doadores e de organizações multilaterais. Erguem-se todas
as bandeiras, abraçam-se todas causas e seguem-se todos os modismos
sem muita preocupação com os conteúdos e a sua aplicabilidade ao
País Opta-se pelo que gera fluxos monetários exteriores a curto prazo
e coloca-se em segundo plano a consolidação da economia nacional e
a sua sustentabilidade futura.
O mal não
está em projectar uma imagem boa para o exterior. O mal é
ficar por aí e subordinar tudo a isso. O mal é manter o
Estado num círculo vicioso que o faz incapaz de mudar e de introduzir
reformas na economia. E sem reformas dificilmente o país poderá tornar-se
atractivo ao investimento externo e produzir o ambiente de negócios
propício à criação e expansão de um tecido empresarial moderno,
competitivo e capaz de gerar postos de trabalho que ponham o desemprego
abaixo dos 10%.
A incapacidade
de fazer descer a taxa de desemprego para os níveis do ano 2000 prova
que como estratégia é insuficiente para garantir a sustentabilidade
da economia e propiciar qualidade de vida e níveis de rendimento crescentes
aos caboverdianos. De facto, a par das boas palavras de Hillary Clinton,
Cabo Verde precisa, e urgente, de boas palavras de potenciais investidores,
boas palavras dos empresários e boas palavras dos utentes dos serviços
do Estado. Publicado pelo jornal A Semana de 2 de Outubro de 2009
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