quarta-feira, abril 30, 2014

Flexibilização não é tudo




Expresso das ilhas, edição 648 de 30 de Abril de 2014

Editorial

A greve geral marcada para as vésperas do 1º de Maio, Dia do Trabalhador, não se realizou. A confederação sindical CCSL que a tinha convocado desde Dezembro deixou de contar nos fins de Março com o apoio da outra central sindical UNTC-CS. Esta justificou-se com a criação pelos parceiros sociais e o Governo de uma comissão com um prazo “conveniente”, 6 de Maio, para chegar a acordo em várias questões laborais pendentes. Mas certamente que os vários pronunciamentos do Governo e de entidades patronais considerando a greve desnecessária e inoportuna tiveram o seu impacto. Até se falou em lock-out dos empregadores, acção proibida pela Constituição (artigo 67º), para contrapor ao direito da greve.
Questões laborais existem obviamente no país, sendo o mais grave deles todos o desemprego persistente nos dois dígitos. Na legislatura anterior o Governo não cumpriu com a promessa de baixar o desemprego para um dígito. No novo mandato absteve-se de definir metas no crescimento económico e no emprego e prosseguiu, no essencial, com as mesmas políticas que tinham falhado na criação de postos de trabalho em número suficiente para debelar o desemprego. A dinâmica do sector turístico não conseguiu contrariar essa falha por razões múltiplas em que se destacam a incapacidade em unificar o mercado nacional, os custos de factores, os custos de contexto e a inadequação da mão-de-obra às necessidades do mercado.
Confrontados com a complexidade desses problemas, e provavelmente não tendo respostas para eles a curto prazo, os governantes resolveram centrar-se na questão da flexibilidade do mercado de trabalho. Seguir essa via tinha a vantagem de ser algo factível na medida em que se tratava simplesmente de legislar e tinham maioria parlamentar necessária para passar qualquer alteração. Em acréscimo, a flexibilização das leis laborais melhoraria a baixa classificação que o país até então vem obtendo nos índices mundiais de competitividade (119 em 147 países). Mas continha a desvantagem de pôr os sindicatos em pé de guerra perante a hipótese de perda de direitos adquiridos dos trabalhadores. 
As razões do crescimento anémico, posto pelo FMI em 0,5% em 2013, e do elevado desemprego de 16,4%, segundo o INE, ficam por ser identificadas e resolvidas quando o que parece estar em jogo é a velha disputa - direitos adquiridos versus flexibilidade. Em tal ambiente não se questiona porque jovens escolarizados nos níveis secundário e universitário não conseguem se empregar. Nem tão pouco quer-se saber porque, depois de rios de dinheiro gastos em formação profissional, é notória a inadequação da mão-de-obra às necessidades do mercado. Só recentemente é que a preocupação com a qualidade do ensino e da formação passou a constar dos discursos oficiais. E mesmo assim não se sabe se é para valer.
Quer-se desenvolver uma economia de serviços e não se vê esforço algum em mudar a atitude das pessoas com vista a criar uma cultura de serviço. Não é evidente que se interiorizou a importância central do capital humano para o desenvolvimento de Cabo Verde. O país não tem outros recursos e é um arquipélago com uma pequena população e um mercado exíguo. Só com exportações de bens e serviços se poderá garantir crescimento sustentável e criação de emprego. Para isso exige-se mão-de-obra altamente qualificada e não simplesmente flexível ou com baixos salários. Infelizmente esse esforço de qualificação não tem sido assumido de forma consequente nem pelo Estado nem pela sociedade.
A situação crítica de desemprego não tem encontrado da parte do Governo a melhor resposta, não obstante já apresentar sinais preocupantes de estar a causar tensões sociais. Às vezes, o Governo dá sinais de alguma desresponsabilização ao passar a culpa aos outros. Diz que já fez a sua parte e que cabe ao sector privado criar postos de trabalho. Chega mesmo a sugerir que em certos casos seriam os próprios desempregados a não estar interessados em trabalhar. Na falta de uma dinâmica de criação de empregos, apela ao auto emprego e aponta como soluções caminhos designadamente os da pequena agricultura a que chama “agronegócios”. 
A realidade já demostrada em vários países nas últimas décadas é que, para se combater a pobreza, para se aumentar os rendimentos das famílias e criar riqueza, os países têm que ser competitivos e aumentar a sua produtividade. Não se é competitivo deixando que ineficiências múltiplas na administração pública, nos transportes, na produção de energia persistam e aumentem extraordinariamente os custos das empresas no país. Não se pode aumentar a produtividade se, por um lado, não se faz aposta séria no capital humano e não se consegue atrair capital estrangeiro e, por outro, se incentiva as pessoas a auto-emprego ou a se empregarem em actividades de baixo valor acrescentado.
Com tais políticas, compreende-se por que, ano após anos, e mesmo em tempos de vacas gordas, o país não consegue dar o salto definitivo para um nível de crescimento forte e sustentável. E certamente que não é simplesmente ficando pela flexibilização de mão-de-obra que se vai compensar a falta de reformas em outros sectores e no melhoramento do capital humano indispensáveis a uma real e rápida criação de emprego de que tanto o país precisa. Diálogo entre os parceiros é importante, mas para que seja frutífero tem que existir confiança. Uns não podem ganhar à partida enquanto outros ficam com o ónus de só ver resultados a médio e longo prazo, se os houver. 

quarta-feira, abril 23, 2014

25 de Abril, 40 anos depois




Expresso das ilhas, edição 647 de 23 de Abril de 2014
Editorial

Posto numa certa perspectiva e parafraseando Saddam Hussein pode-se considerar que o golpe de Estado do 25 de Abril de 1974 foi “a mãe de todas as mudanças”. É o que o politólogo americano Samuel Huntington também constatou quando em retrospectiva apontou a Revolução dos Cravos como ponto de origem da terceira vaga de democracia que nas duas décadas seguintes fez da liberdade e do primado da lei valores universais. Por onde passou a onda só ficou a má lembrança das ditaduras militares e dos regimes autoritários e totalitários. Mas a esperança que alguns puseram na vitória incondicional da democracia e num “fim da história” veio a se revelar prematura. Os recentes acontecimentos na Ucrânia mostram como ainda forças antidemocráticas e iliberais ameaçam a liberdade e o pluralismo.
Com o derrube do regime de Salazar/Caetano, Portugal iniciou um processo político que o iria conduzir à construção de uma democracia parlamentar e à sua integração na União Europeia. Contribuiu grandemente para o sucesso desse empreendimento a capacidade das lideranças nos partidos emergentes após a revolução em criar uma base forte de suporte à Constituição, em pôr fim à tutela militar e em libertar o potencial do país com a liberalização da economia e dinamização do sector privado. Mesmo actualmente sofrendo os efeitos da crise financeira e obrigado a fazer reformas profundas e dolorosas para enfrentar os desafios da economia mundial, ninguém duvida das vantagens que a democracia representa na busca das vias para o sucesso. Definitivamente para trás ficaram os anos de ditadura, de censura e de recusa do pluralismo.
Portugal para fazer essa caminhada teve primeiro de efectivar o desmembramento do seu império colonial. A retirada, em menos de dois anos, de três frentes de guerra em África e dos outros territórios sob a sua administração, não foi tarefa fácil. Ainda para mais todo o processo verificou-se a partir de uma posição de fraqueza. As consequências para Portugal não foram demasiado traumáticas. Os chamados retornados das colónias rapidamente se integraram na sociedade portuguesa. Quem mais suportou os custos da descolonização foram os novos estados independentes. Guerras civis duraram décadas em Angola e Moçambique. Na Guiné-Bissau reinou a instabilidade na sequência de sucessivos golpes militares. Timor-Leste viu-se invadido pela Indonésia e alvo durantes anos seguidos de massacres e crueldades extremas. Cabo Verde deixou-se levar pela ilusão de uma unidade com a Guiné-Bissau e suportou quinze de ditadura do partido único.
Só a partir de 1989-1990, com o fim da Guerra Fria, com o desmembramento do império soviético e com a perda completa de credibilidade das ideologias comunistas e afins é que nas ex-colónias portuguesas se veio a reacender a chama da liberdade que por breves momentos no após 25 de Abril também tinha animado os respectivos povos. Em Cabo Verde rapidamente se pôs fim ao partido único, se adoptou uma Constituição democrática e se realizaram reformas económicas que fizeram o país ganhar uma nova dinâmica com resultados evidente no nível e na qualidade de vida das pessoas. Mas os quinze anos de economia estatizada, de supressão da iniciativa individual e de aversão a investimento estrangeiro deixaram a sua marca. O atraso que ainda Cabo Verde apresenta quanto comparado com outras economias insulares designadamente as Maurícias - menos de um terço do PIB per capita (PPP) - deve-se em grande parte às políticas erradas seguidas por tantos anos.
Felizmente que após 23 anos de construção da democracia não existem muitas vozes que claramente põem em causa os valores da democracia e liberdade. Pedro Pires no seu octogésimo aniversário vai publicar os seus discursos enquanto presidente da república em tempo de democracia e não os que proferiu como primeiro-ministro nos anos da ditadura do partido único. Com essa decisão implicitamente reconhece a superioridade do regime democrático e constitucional actual sobre o regime anterior. O mesmo devia fazer todos aqueles que persistem em encontrar razões para glorificar o partido único.
Para comparar momentos históricos, é preciso conhece-los bem e sem quaisquer reservas. Hiatos no conhecimento não devem ser promovidos com omissões, tabus ou distorções deliberadas dos factos particularmente por quem detém o poder ou controla meios de comunicação pública e dirige instituições públicas de educação. Preservar a memória é fundamental para evitar que o debate político se desvie dos problemas actuais e futuros do país e caía na esterilidade dos discursos do passado.
Como a experiência de outros países demonstra, viver na democracia coloca sempre desafios designadamente de representação e de participação dos cidadãos, de exercício de direitos e de qualidade das instituições. Isso não dever ser razão para cepticismo ou mesmo cinismo. Um estado de alerta permanente deve evitar que à medida que passam os anos haja retrocesso nos direitos fundamentais e desvirtuamento da democracia e das suas regras procedimentais. Democracia é ainda o melhor regime para se criar prosperidade na liberdade.


quarta-feira, abril 16, 2014

O Governo está contente. E o povo?




Expresso das ilhas, edição 646 de  16 de Abril de 2014

EDITORIAL:


Nesta semana os cabo-verdianos constataram que invariavelmente o governo mostra-se contente com os resultados das suas políticas. Contente com descidas no desemprego de 0,4% mesmo que seja à custa do aumento do subemprego e da classificação de muita gente já desesperançada como população inactiva. Contente com os dados das contas nacionais do INE que põem a taxa de crescimento do Produto Interno Bruto de 2012 em 1,2 %. Provavelmente continua satisfeito com a taxa de 0,5 % para o PIB de 2013 calculado pelo FMI no World Economic Outlook do corrente mês de Abril. O Sr. Primeiro-ministro mostrou-se ainda contente com a perspectiva de a ELECTRA começar a ter lucros, embora esses lucros só sejam possíveis com preços de electricidade dos mais altos do mundo.
Passou a ser habitual classificar-se de optimista e de positiva a posição do governo que não muda ou não reconsidera as suas opções face a resultados decepcionantes. Serve bem para contrapor aos críticos das políticas ou aqueles que vêem, nos baixos resultados, sinais comprometedores do futuro. Esses seriam os negativos e os pessimistas. A realidade é que uma atitude dessas constitui, de facto, um convite ao conformismo das populações, uma via para manter as pessoas enredadas numa perspectiva de curto prazo e uma forma de negar qualquer alternativa ao rumo actual seguido pelo país. Faz tábua rasa da experiência recente de vários países que se deixaram levar por euforias diversas, mas que depois foram forçados a acertar o passo de forma drástica. Ninguém pode viver indefinidamente acima das suas posses.
Dani Rodrik, o especialista de Harvard em políticas de desenvolvimento, num recente artigo, notou que a travagem no crescimento de alguns países em desenvolvimento devia-se ao facto de “segmentos de baixa produtividade” dessas economia não estarem a encolher, mas sim a expandir. Em vez da transferência de trabalhadores de sectores tradicionais e de baixa produtividade como a agricultura e os pequenos serviços para o trabalho industrial e para os serviços modernos verificava-se precisamente o contrário. A mudança ia no sentido de actividades transaccionáveis para não transaccionáveis, de sectores organizados para informalidade, de empresas modernas para tradicionais e de empresas de grande e média dimensão para empresas pequenas e não no sentido inverso que é típico nas economias em crescimento rápido. Para Dani Rodrik essa é a via de perda de produtividade, da incapacidade de ganhar competitividade a e da impossibilidade de criação rápida de postos de trabalho.
Os dados sobre o crescimento e emprego de Cabo Verde referidos acima, conjugados com a dívida pública já projectada para 115 % do PIB em 2014 deviam merecer uma outra reacção do governo que não o regozijo público por pretensamente estarmos a enfrentar bem os efeitos da crise financeira. Aliás, quando se reconhece que urge gerir melhor as infraestruturas, ponderar melhor os investimentos públicos, avançar com privatizações e reformas na administração pública é porque algo falhou nos cálculos anteriores. Não se está a crescer como previsto, nem a criar emprego suficiente e nem a mobilizar investimento privado como esperado. O problema é que não se vai à raíz dos problemas e prefere-se persistir no caminho já conhecido de mobilizar mais financiamentos públicos para suprir a falta de retornos nos feitos anteriormente. A projectos antigos sucedem-se projectos novos e a infraestruturas existentes sucedem-se outras sem que se consiga, com uma gestão adequada, extrair o retorno desejável.
Agrava ainda as coisas o facto de nesse mar de ineficiência o impacto dos novos investimentos na economia já seguirem a lógica dos retornos decrescentes. Quando, por exemplo, no caso da ELECTRA, se procura ultrapassar os constrangimentos imensos da empresa com uma tarifa brutal das mais altas no mundo, todos pagam. O custo é suportado pelas famílias, pelas empresas e pela economia do país que com os actuais preços de energia e água não tem como ser competitiva. Falar de lucros da ELECTRA neste contexto é descabido. De facto, está-se literalmente a tirar dinheiro dos bolsos das pessoas para pagar as políticas erradas seguidas durante mais de uma década no sector de energia e água.
A atenção governativa devia orientar-se no sentido apontado por Dani Rodrik de estímulo à produção e ao crescimento da produtividade. Como ele diz, o apoio às pequenas empresas serve objectivos de política social, designadamente de luta contra pobreza, mas não substitui políticas e incentivos direccionados para os sectores modernos e de bens transaccionáveis. A falta de clareza e foco neste aspecto só contribui para que ano após ano se ver os dados reais da economia a ficar sempre muito aquém das previsões e demasiado abaixo das médias regionais africanas e de economias insulares semelhantes. O país precisa de uma dose de realismo e de pragmatismo que não se deixa esvaziar pelo estilo de governação de campanha permanente.

quarta-feira, abril 09, 2014

Governo/câmaras: custos de uma má relação




Expresso das ilhas, edição 645 de 9 de Abril de 2014
Editorial

As relações entre o governo e as câmaras municipais e entre o Estado e os municípios andam numa espécie de montanha russa de subidas íngremes e descidas bruscas. É tudo sorrisos e promessas em momentos como dias do município ou cimeiras entre primeiro-ministro e autarcas. Noutros momentos são problemas à volta de transferências de receitas e participação nos impostos, ou então disputas de terrenos ou ainda tensões entre os órgãos municipais e os serviços desconcentrados do Estado. O último episódio girou à volta dos parquímetros na Cidade da Praia. Na semana passada a ministra da Administração Interna foi chamada ao Parlamento para ser ouvida sobre a actuação da Polícia num caso em que a entidade gestora dos parqueamentos bloqueou carros em alegada transgressão.
Os vários momentos desta aparente interminável “novela” dos parquímetros deixam bem claro a dificuldade das partes envolvidas em encontrar uma plataforma comum onde convergissem os mútuos interesses de regulação do trânsito na Praia, de procura de eficiência na utilização dos espaços públicos, de melhoria da qualidade de vida dos residentes e de afirmação da autoridade pública. Todas as cidades confrontam-se com a necessidade de regular a circulação e estacionamento de veículos nos seus pontos centrais. Fazendo os utentes pagar é via dissuasora normalmente encontrada. Diminui-se o tráfego e a concentração e cria-se mais uma fonte de receitas.
Na Praia, a possibilidade de, por um lado, a Câmara Municipal ter mais receitas e de, por outro, os parquímetros gerarem descontentamento parece que foi vista como terreno fértil para mais um caso de guerrilha política. Sucederam-se designadamente apelos a boicotes dos parquímetros, revelações de omissões na legislação de enquadramento das competências dos municípios quanto à gestão do estacionamento nos centros urbanos e disputas quanto ao papel da Polícia Nacional e da Guarda Municipal na fiscalização das regras de estacionamento. A ministra da Administração Interna ainda apimentou a polémica declarando à imprensa na saída da audição parlamentar que “se ela tiver um carro e ir ao Platô, não paga o parquímetro”.
Tensões entre órgãos de soberania ou entre o poder central e o poder local são normais e esperadas. As fronteiras no que respeita às competências de uns e outros nem sempre são precisas e há situações de sobreposição que podem constituir-se em fonte de conflito. Tensões institucionais são uteis ao sistema político se se situam no quadro dos checks and balances e dos pesos e contrapesos que devem assegurar o seu equilíbrio e regular funcionamento. Quando tensões evoluem para o estádio de guerrilha, de desgaste de partes do sistema e mesmo de bloqueio, a capacidade de realizar o bem comum fica comprometida. A lealdade institucional deixa de existir e ineficiências graves se criam com a má utilização dos sempre escassos recursos públicos. A desautorização mútua de agentes dos vários níveis da autoridade do Estado deixa vazios de poder que todos acabam por pagar no aumento das incivilidades e da própria criminalidade.
Muito já se perdeu nos embates entre os governos e as câmaras nestes anos de democracia. Quantas oportunidades de negócios ficaram para trás por causa de disputas de terrenos? Como se abalou a imagem da Câmara de S. Vicente com o episódio do cerco durante horas das suas instalações pela Polícia. O quanto se tem fragilizado os órgãos municipais eleitos com a perda de receitas como a taxa ecológica e o envolvimento directo do governo nas questões locais através de associações comunitárias pré-seleccionadas. É evidente que, em tal ambiente, dificilmente os órgãos municipais eleitos pelo voto popular poderão administrar e defender os interesses específicos das populações como seria de esperar. 
Os recursos do Estado são desproporcionalmente superiores aos dos municípios. Este facto confere uma responsabilidade maior ao governo em manter relações com o poder local na base do respeito escrupuloso pelas suas atribuições e competências. O pressuposto para a existência dos municípios é que as populações têm interesses específicos que não se esgotam no interesse geral. A Constituição garante-lhes o direito de autonomamente e através de órgãos eleitos fazerem avançar esses direitos cabendo ao governo simplesmente a tutela da legalidade. É óbvio que num quadro desses não cabe qualquer pretensão de uma tutela de mérito ou tentativa de responsabilização política fora dos mecanismos previstos no sistema de governo local.
Comparando com os quinze anos após a independência em que não houve poder local, é evidente que o ressurgimento das câmaras teve um papel essencial na criação de condições e meios para a resolução de muitos dos problemas das pessoas. Cientes disso, as populações legitimamente esperam que o governo aceite e respeite as suas opções na eleição das câmaras. Querem também ter garantias que a relação do Estado com os municípios não é, em nenhum momento, contaminada pela actuação local dos partidos nacionais, estejam eles no governo ou na oposição.