sexta-feira, abril 04, 2014

Campus Universitário: Praia ou São Vicente?

Há alguns meses circularam notícias dando conta da intenção do governo chinês em construir um campus universitário em Cabo Verde. Em análise estariam duas possíveis localizações para o campus: S. Vicente ou Praia. O Embaixador da China veio depois a público confirmar que a decisão caiu para o lado da Praia. A percepção de que a escolha feita, mas ainda não assumida pelo governo, já causava algum mal-estar, ficou claro na passada terça-feira durante o período dedicado a perguntas ao governo na Assembleia Nacional.
Questionado pelos deputados, o ministro do Ensino Superior explicou que o número de alunos actualmente no secundário na ilha de Santiago, 62 por cento do total, contra 13 por cento em S. Vicente, justificava que a opção fosse Praia. Segundo ele, os custos para alunos e famílias no prosseguimento dos estudos universitários seriam menores. O critério populacional reinou supremo na explanação do ministro. Em perguntas suplementares, a generalidade dos deputados dos partidos com assento parlamentar fizeram o governo saber da sua discordância.
Já em outros momentos, designadamente de localização da Escola de Hotelaria cuja missão principal entendia-se que era formar mão-de-obra para os hotéis ligados ao turismo devia ser a ilha do Sal. Parecia óbvio que assim fosse, considerando que escolas vocacionais devem situar-se na vizinhança das actividades económicas que vão servir. Dessa forma garantem-se sinergias que favorecem a formação e a inovação no sector e o desenvolvimento de uma cultura e de um ethos próprio da profissão nos futuros trabalhadores. A escola ficou na Praia. Aplicou-se o critério da população.
Cabo Verde é um país arquipélago com nove ilhas habitadas. Esta realidade, por um lado, obriga a constrangimentos vários e acarreta custos derivados da multiplicação de investimentos públicos para responder a necessidades similares. Por outro lado, cria uma interface mais rica na relação com o mundo e enriquece a nação com a diversidade de experienciais e as especificidades de cada ilha. Estratégias nos mais variados domínios da vida da nação devem ter em devida conta a necessidade de manter as ilhas com dinâmicas económica, social e cultural de forma a contribuírem efectivamente para fazer o país mais rico. Decisões com base em critérios únicos e simplistas como número de habitantes e capitalidade são de evitar.
O centralismo tende a gerar mais centralismo. Num momento em que se apregoa que pela via da governação electrónica, e-government, tudo pode ficar interconectado não é imediatamente compreensível porque grande parte das estruturas do Estado tem que se localizar na capital. A concentração de recursos que isso inevitavelmente acarreta não deixa de afectar negativamente o interior de Santiago e as outras ilhas. Um sentimento de marginalização e abandono tende a instalar-se particularmente se há quebra na dinâmica económica por enfraquecimento das relações com o exterior, seguida de saída dos jovens e definhamento das elites locais. A convergência de opiniões de todos os sujeitos parlamentares que se verificou na última sessão da Assembleia Nacional quanto à composição do Conselho de Desenvolvimento Regional, dois representantes por cada ilha, foi sintomática. Mostra que prevalece a posição de que as vozes das ilhas devem fazer-se ouvir.
A universidade não é mais uma escola a acrescentar à frequência do ensino básico e do liceu. Historicamente e em todas as sociedades as universidades têm funções outras, mais elevadas, de ser, por excelência, centros de saber, centros de criação científica e artística e espaços privilegiados de expressão da liberdade intelectual. Onde se localiza, a forma como se organiza e a autonomia que reclama não é arbitrária. Procura potenciar no máximo as condições que lhe permitem cumprir as suas múltiplas missões funções em prol do saber e proporcionar aos estudantes e professores experiências e intercâmbios os mais profícuos e variados. Ainda procura valer-se da comunidade circundante para ter impacto o mais abrangente possível na comunidade nacional e exercer influência nos assuntos cruciais que preocupam o país. Quando a cidade e a universidade acertam na sua relação, os efeitos nas duas entidades reforçam-se mutuamente. A vida na cidade fica mais rica com o número e qualidade dos procuram o saber e a experiência académica oferecida e a universidade por sua vez ganha em prestígio e a capacidade de contratar os melhores professores e investigadores e recrutar os melhores alunos.  
Localizar um Campus universitário não é escolha para ser feita com base num único critério. Vários factores devem ser ponderados. Um não menos importante deve ser propiciar ao estudante natural de cada ilha a possibilidade de se relacionar nos anos de universidade com realidades e pessoas de todas as ilhas e de poder se rever na diversidade e riqueza de experiências que enformam a nação cabo-verdiana. O Ministro deixa entender que o assunto da localização do Campus pode não estar fechado. Seria de todo aconselhado que o governo fizesse uma discussão aberta sobre onde melhor localizá-lo e explicar a estratégia nacional que justifica a escolha feita.

   Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de  2 de Abril de 2014

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