quarta-feira, abril 23, 2014

25 de Abril, 40 anos depois




Expresso das ilhas, edição 647 de 23 de Abril de 2014
Editorial

Posto numa certa perspectiva e parafraseando Saddam Hussein pode-se considerar que o golpe de Estado do 25 de Abril de 1974 foi “a mãe de todas as mudanças”. É o que o politólogo americano Samuel Huntington também constatou quando em retrospectiva apontou a Revolução dos Cravos como ponto de origem da terceira vaga de democracia que nas duas décadas seguintes fez da liberdade e do primado da lei valores universais. Por onde passou a onda só ficou a má lembrança das ditaduras militares e dos regimes autoritários e totalitários. Mas a esperança que alguns puseram na vitória incondicional da democracia e num “fim da história” veio a se revelar prematura. Os recentes acontecimentos na Ucrânia mostram como ainda forças antidemocráticas e iliberais ameaçam a liberdade e o pluralismo.
Com o derrube do regime de Salazar/Caetano, Portugal iniciou um processo político que o iria conduzir à construção de uma democracia parlamentar e à sua integração na União Europeia. Contribuiu grandemente para o sucesso desse empreendimento a capacidade das lideranças nos partidos emergentes após a revolução em criar uma base forte de suporte à Constituição, em pôr fim à tutela militar e em libertar o potencial do país com a liberalização da economia e dinamização do sector privado. Mesmo actualmente sofrendo os efeitos da crise financeira e obrigado a fazer reformas profundas e dolorosas para enfrentar os desafios da economia mundial, ninguém duvida das vantagens que a democracia representa na busca das vias para o sucesso. Definitivamente para trás ficaram os anos de ditadura, de censura e de recusa do pluralismo.
Portugal para fazer essa caminhada teve primeiro de efectivar o desmembramento do seu império colonial. A retirada, em menos de dois anos, de três frentes de guerra em África e dos outros territórios sob a sua administração, não foi tarefa fácil. Ainda para mais todo o processo verificou-se a partir de uma posição de fraqueza. As consequências para Portugal não foram demasiado traumáticas. Os chamados retornados das colónias rapidamente se integraram na sociedade portuguesa. Quem mais suportou os custos da descolonização foram os novos estados independentes. Guerras civis duraram décadas em Angola e Moçambique. Na Guiné-Bissau reinou a instabilidade na sequência de sucessivos golpes militares. Timor-Leste viu-se invadido pela Indonésia e alvo durantes anos seguidos de massacres e crueldades extremas. Cabo Verde deixou-se levar pela ilusão de uma unidade com a Guiné-Bissau e suportou quinze de ditadura do partido único.
Só a partir de 1989-1990, com o fim da Guerra Fria, com o desmembramento do império soviético e com a perda completa de credibilidade das ideologias comunistas e afins é que nas ex-colónias portuguesas se veio a reacender a chama da liberdade que por breves momentos no após 25 de Abril também tinha animado os respectivos povos. Em Cabo Verde rapidamente se pôs fim ao partido único, se adoptou uma Constituição democrática e se realizaram reformas económicas que fizeram o país ganhar uma nova dinâmica com resultados evidente no nível e na qualidade de vida das pessoas. Mas os quinze anos de economia estatizada, de supressão da iniciativa individual e de aversão a investimento estrangeiro deixaram a sua marca. O atraso que ainda Cabo Verde apresenta quanto comparado com outras economias insulares designadamente as Maurícias - menos de um terço do PIB per capita (PPP) - deve-se em grande parte às políticas erradas seguidas por tantos anos.
Felizmente que após 23 anos de construção da democracia não existem muitas vozes que claramente põem em causa os valores da democracia e liberdade. Pedro Pires no seu octogésimo aniversário vai publicar os seus discursos enquanto presidente da república em tempo de democracia e não os que proferiu como primeiro-ministro nos anos da ditadura do partido único. Com essa decisão implicitamente reconhece a superioridade do regime democrático e constitucional actual sobre o regime anterior. O mesmo devia fazer todos aqueles que persistem em encontrar razões para glorificar o partido único.
Para comparar momentos históricos, é preciso conhece-los bem e sem quaisquer reservas. Hiatos no conhecimento não devem ser promovidos com omissões, tabus ou distorções deliberadas dos factos particularmente por quem detém o poder ou controla meios de comunicação pública e dirige instituições públicas de educação. Preservar a memória é fundamental para evitar que o debate político se desvie dos problemas actuais e futuros do país e caía na esterilidade dos discursos do passado.
Como a experiência de outros países demonstra, viver na democracia coloca sempre desafios designadamente de representação e de participação dos cidadãos, de exercício de direitos e de qualidade das instituições. Isso não dever ser razão para cepticismo ou mesmo cinismo. Um estado de alerta permanente deve evitar que à medida que passam os anos haja retrocesso nos direitos fundamentais e desvirtuamento da democracia e das suas regras procedimentais. Democracia é ainda o melhor regime para se criar prosperidade na liberdade.


Sem comentários: