sexta-feira, janeiro 20, 2017

Despartidarizar

Donald Trump toma hoje posse com 45º presidente dos Estados Unidos. Desde há mais de um mês que se conhecem os mais de 4 mil lugares na administração pública americana ocupados actualmente por gente próxima de Obama e que vão ser substituídos por pessoas próximas de Trump e do partido republicano. A outra parte da administração pública americana é profissional e não é afectada por essas mudanças, mantendo-se os funcionários imperturbáveis no seu posto, governo após governo. Assim acontece nas democracias em que a relação do poder político com a administração pública foi devidamente clarificada. Em Cabo Verde, pelo contrário, as acusações mútuas de partidarização da administração pública foram retomadas pelos partidos logo a seguir às eleições legislativas de Março de 2016.
O aparente consenso quanto à necessidade de despartidarização que existiu antes das eleições desapareceu por completo. Nos últimos anos, o ex-primeiro-ministro em várias ocasiões confirmou o que de há muito vinha dizendo a Oposição sobre o estado da administração pública. Em Junho de 2015, por exemplo, José Maria Neves foi peremptório em dizer na abertura da conferência a propósito dos 40 anos da AP que ela precisava ser, “mais imparcial, mais universal e menos partidarizada”. Quando devido à convergência de posições tudo parecia indicar que finalmente haveria condições para se encarar de forma compreensiva a problemática da relação do poder político com a administração pública vários expedientes políticos voltaram a baralhar as coisas.
Em Julho de 2015, o então governo avançou com uma proposta de lei no parlamento instituindo o concurso público como meio de selecção de dirigentes para cargos da administração pública. A oposição viu a iniciativa como forma de tornar permanente as vantagens já ganhas por alguns funcionários e dirigentes ao longo dos quinze anos de partidarização da função pública e não a aprovou. Já como nova maioria saída das eleições de 2016 revogou-a na primeira oportunidade.A partir daí o PAICV passou a rotular de partidarização qualquer mudança nos cargos públicos e o MpD a defender-se que estaria a despartidarizar o que todos sabiam ter estado partidarizado durantes todos esses anos. No puxa-puxa que se seguiu e a que se assiste actualmente, não muito diferente do já visto no passado, o mais normal é que a AP continue no mesmo registo de antes, sem que se verifique o salto que a faria, parafraseando JMN, mais voltada para o bem comum e mais amiga das empresas, dos cidadãos e do desenvolvimento global de Cabo Verde.
Não melhora a situação a opção do governo por uma comunicação menos política e mais tecnocrática aliada ao facto de mostrar preferência nas nomeações por personalidades que no ambiente bipolarizado de Cabo Verde distinguem-se por “ficar em cima do muro”, em detrimento de militantes e dirigentes. A falta do necessário comprometimento político em posições-chave poderá dificultar a tarefa de mover a AP para o papel que dela se espera em relação aos cidadãos, às empresas, à sociedade e ao poder político legitimado nas urnas. Por outro lado, a relação tensa com o partido que virá de prosseguir a opção de deixar dirigentes de fora ou de os forçar a abandonar posições nos órgãos do partido se forem nomeados para cargos públicos não deixará de ter consequências. Com isso arrisca-se a perder de duas maneiras:1- Não ser eficaz na implementação de políticas; 2- Alienar o partido quando nos sistemas parlamentares o governo precisa do seu suporte para cumprir com sucesso a sua agenda. Cabo Verde também perde se, mais uma vez, deixar escapar a oportunidade de ter uma administração pública moderna e profissional que como se vê nos relatórios do Doing Business  é indispensável para se ter um bom ambiente de negócios.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 790 de 18 de Janeiro de 2016.

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