Educação foi mais uma vez tema de debate no Parlamento. Desta feita foi no âmbito da interpelação ao governo visando confrontá-lo com as suas promessas eleitorais. A opção do governo pelo estudo das línguas, das ciências, das tecnologias e da matemática como via de se chegar a uma economia de conhecimento foi aflorada durante a interpelação, mas rapidamente deixada para trás. Matérias com maior impacto político designadamente carreira e contractos dos professores, bolsas de estudo para os jovens, isenção de propinas e problemas salariais das cozinheiras das cantinas acabaram por monopolizar as atenções e exacerbar as opiniões. Depois disso não ficou muito espaço para se discutir a educação que realmente o país precisa para construir um futuro de desenvolvimento.
É hoje ponto assente a importância central da educação em qualquer estratégia de desenvolvimento, particularmente quando o ponto de partida é o de um país pequeno insular e com uma economia ainda dependente da generosidade internacional. Países pequenos e/ou insulares que se têm distinguido na corrida para o desenvolvimento posicionam-se todos como países de top nos rankings internacionais no domínio da língua, das ciências e da matemática. Nos testes do PISA, Singapura, Macau, Irlanda, Finlândia e Estónia estão entre os que mais brilham. O caso de Singapura, que com somente dez anos mais de independência do que Cabo Verde conseguiu erguer-se para os primeiros lugares, apesar das enormes dificuldades, entre as quais ser uma sociedade constituída por três grupos étnico-linguísticos, devia interpelar a todos.
Em Cabo Verde, ao longo de décadas investimentos importantes foram feitos na educação pelo Estado e pelas famílias, mas os resultados ficaram muito aquém do desejado e do prometido. Quando os lugares no Estado começaram a escassear e a economia não se mostrou capaz de absorver os que das escolas saíam para o mercado de trabalho devia-se ter concluído que o país tinha ido pelo caminho errado. Em vez de focar na educação, como fez a Singapura, para desenvolver a economia e elevar a qualidade de vida e os rendimentos das pessoas, só se viu na educação um meio para mobilidade social via preenchimento de lugares no Estado. O país não ficou mais competitivo, os postos de trabalho que obteve a partir do capital externo são em geral dos mais básicos nos hotéis e nas fábricas e não conseguiu criar nem acumular capacidade intelectual, criativa e empresarial satisfatória. Em consequência, o desemprego manteve-se alto e a mobilidade social diminuiu, aumentando as desigualdades sociais.
Na implementação de políticas de educação a preocupação maior tem sido na massificação do ensino. Nos primeiros 15 anos o foco manteve-se no ensino primário. Nos anos noventa passou para o secundário e proliferaram liceus por todo o país. Na última década o país passou a gabar-se de ter dez universidades. E não se quer ficar por aí. De todas as ilhas vêm revindicações de autarcas e políticos locais para se criar escolas superiores. Aparentemente a democratização do ensino continua a trazer ganhos políticos. A luta pela qualidade do ensino é que nunca conseguiu granjear apoio sustentado.
Intermitentemente há declarações públicas a chamar a atenção para a qualidade mas, em geral, não passa disso. Enquanto noutros países no fim do ano lectivo a sociedade e a comunicação social engajam-se na avaliação dos resultados aqui dificilmente consegue-se acesso aos dados e a apreciação final normalmente deixada para o início do novo ano escolar é quase sempre superficial e sem consequências. Privilegiam-se as inaugurações, entregas de kits e iniciativas controversas como o ensino bilingue e estudos de empreendedorismo. Qualidade como Singapura demonstrou depende muito de se ter um bom e motivado professor. Daí o grande investimento da Cidade-Estado na qualificação dos seus professores e o esforço dirigido para elevar o prestígio e o estatuto social da profissão de forma a atrair os melhores.
Em Cabo Verde discutir a qualidade de ensino pode facilmente levar a acusações de que se está a atacar os professores. Não é por acaso que qualquer debate sobre educação acaba por exclusivamente incidir sobre questões sindicais e de carreira dos professores ficando de lado a questão da qualidade. Ninguém quer perder no jogo de arremesso político que pode surgir da discussão. Todos porém acabam por perder porque nada de substancial se altera, ficando a percepção geral aquela já manifestada pelo presidente da república da “qualidade insatisfatória global do nosso sistema de ensino”.
A par da falta da qualidade no ensino, também se constata a sua inadequação em relação às necessidades do mercado. O número crescente de licenciados desempregados que se juntam aos jovens saídos do secundário e que não encontram ocupação é prova disso. Não poucas vezes criam-se cursos por expedientismo, pelo prestígio ou porque é lucrativo. Envereda-se por exemplo pelo curso caro de medicina quando cursos de enfermagem e em geral de serviços auxiliares de saúde são de grande procura mundial e de possível articulação com uma estratégia de turismo de saúde. Dispersam-se os estudantes por disciplinas de valor prático duvidoso quando menos horas são dispensadas nas ciências e matemática e não se promove o ensino de programação, o “code” que é universalmente reconhecido como base de várias profissões com futuro. Deixam-se perder competências e capacidade em formação designadamente no domínio do mar que depois fazem falta e não potenciam vantagens competitivas que o país angariou ao longo dos tempos e que continuam relevantes hoje.
Articular educação, economia e desenvolvimento revela-se cada dia mais crucial na vida das nações. Também em Cabo Verde devia ser a via privilegiada para um futuro de prosperidade.
Texto originalmente publicado na edição impressa do nº 791 de 25 de Janeiro de 2016.
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