sexta-feira, janeiro 13, 2017

13 de Janeiro, 26 anos depois

Na próxima sexta-feira comemora-se os 26 anos do 13 de Janeiro e, pela primeira vez, o Dia da Liberdade e Democracia será celebrado com uma sessão solene da Assembleia Nacional. Finalmente depois de várias tentativas em fazer o parlamento assumir o feriado nacional, criado por lei 16 anos atrás, vai-se conseguir que todos os órgãos de soberania se reúnam para assinalar o dia que marcou o início da caminhada para a construção da II República.
No dia 13 de Janeiro de 1991 teve lugar um episódio único na história de Cabo Verde e na vida de todas as gerações de caboverdianos. Todos dirigiram-se às urnas e livremente puderam escolher de entre os candidatos apresentados nas listas de partidos diferentes os seus representantes. Com a escolha dos representantes mostraram preferência por um programa de governação e deram indicação de quem deveria formar governo para conduzir o país nos cinco anos seguintes. Esse acto simples de votar fez de todos eles pela primeira vez cidadãos plenos na sua própria terra.
Anteriormente já se tinha votado em Cabo Verde. Votou-se na I República Portuguesa e também no Estado Novo. No processo de descolonização acordado com Portugal votou-se a 30 de Junho de 1975 para criar uma assembleia que além de redigir uma Constituição devia proclamar a Independência Nacional. Depois em 1980 e em 1985 voltou-se às urnas para eleger candidatos da lista do partido único. Em nenhum dos casos descritos o ambiente envolvente fora de liberdade ou de pluralismo. Mas depois do 13 de Janeiro todas as outras votações - 19 de Dezembro de 1995, a 14 de Janeiro de 2001, 5 de Fevereiro de 2006, 6 de Fevereiro de 2011 e 20 de Março 2016 – foram livres e plurais. O 13 de Janeiro marca, de facto, uma nova era, distinta de qualquer outra vivida no passado. Passou-se para uma era de real e completa participação política dos cidadãos, de governo pelo consentimento, de alternância política e de subordinação do Estado ao primado da Lei.
Como bem se pode imaginar, o 13 de Janeiro não caiu do céu. Depois de 15 anos de partido único o regime debatia-se com uma economia em fase de estagnação e sobressaltava-se com as movimentações de fora que culminaram na queda do Muro de Berlim e que pré-anunciavam a derrocada em cadeia de partidos e regimes de inspiração leninista. A direcção do regime ensaiou uma manobra de antecipação com a chamada abertura política de 19 de Fevereiro de 1990. A partir daí a sociedade, já desperta para a actividade política, entrou num crescendo de entusiasmo que nos meses finais do ano lançou um novo partido para uma vitória estrondosa nas eleições marcada para o 13 de Janeiro.
Para que o dia das eleições acontecesse todos os participantes tiveram que aceitar as regras do jogo e conviver com as tensões que o embate político plural sempre provoca. Foi uma caminhada sublime porque nunca dantes percorrida e que também na comemoração do 13 de Janeiro merece ser relembrada e tomada como exemplo. Demostra que é possível, na diversidade de posição e fazendo valer os interesses das partes, chegar a compromissos, negociar e contribuir para o que, num determinado momento, se afigura ser o melhor para o país. Deve-se sempre poder recorrer à memória desse momentos para não se cair na intransigência estéril ou sucumbir à tentação e à arrogância de sozinho já ter a solução perfeita para tudo.
26 anos depois o entusiasmo que acompanhava a “Terceira Vaga” da democracia está a ceder lugar ao cepticismo e ao cinismo. Mais facilmente se tende a acreditar em quem suscita paixões, acusa outros dos males nacionais e pretende oferecer soluções simples para questões complexas do que em quem aposta na livre troca de ideias, vê a importância da política e dos partidos políticos na manutenção do ambiente institucional actual e na construção do futuro e acredita na importância de regras aceites pelas partes como base essencial de confiança e de solidez das instituições. Por isso é que restaurar o parlamento para o centro da vida política do país é essencial para o futuro da democracia. É ali que com calma, lucidez e perseverança deve-se procurar valer todas as posições mas sempre atentos às regras de funcionamento que são a base para a renovação da confiança de todos no trabalho parlamentar.
Levar o parlamento a celebrar com a devida pompa e solenidade o 13 de Janeiro pode ser um passo essencial para se inaugurar uma nova forma de fazer política em Cabo Verde. A diversidade de posições e o embate de pontos de vista que proporciona são os ingredientes necessários para se evitar que se materialize uma deriva em direcção ao populismo e à demagogia - as duas ameaças que a democracia enfrenta nos dias de hoje. Mesmo sendo recente, a democracia pode encontrar em momentos da sua concretização prática a energia e a certeza de que tanto precisa para continuar a consolidar-se e a oferecer ao caboverdiano as possibilidades da cidadania plena e as garantias fundamentais para o exercício da liberdade. Para os políticos, a homenagem que agora se faz a Mário Soares deve-lhes servir de lembrança que apesar do aparente cinismo e hipocrisia que parece dominar as sociedades modernas certos elementos de referência mantêm-se de pé. E com eles que é que se avalia quem na memória colectiva ficará para a posteridade.
Texto originalmente publicado na edição impressa do  nº 789 de 11 de Janeiro de 2016.

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