domingo, janeiro 15, 2017

50 anos das Forças Armadas – o ridículo não tem limites

As forças armadas de Cabo Verde comemoram 50 anos de existência no dia 15 de Janeiro. Todos os órgãos de soberania juntam-se à comemoração como aliás têm feito nos anos anteriores. Com isso insiste-se em manter e em alimentar uma ficção acerca das forças armadas que nada de positivo contribui para a relação que deve existir entre o poder civil e o militar estabelecida pela Constituição da República. É como já se vivêssemos num mundo da pós- verdade e do pós-facto em que o Estado se comporta como seu principal promotor. Realmente é de se perguntar quem quer acreditar que as Forças Armadas de Cabo Verde da II República foram criadas por um grupo de aspirantes a guerrilheiros que terminaram o seu treino de meses em Cuba, em 1967? A quem interessa que nas forças armadas se nutre a ideia de que a instituição é anterior ao Estado (oito  anos) e, pior, que está na origem do Estado? Será apropriado e vantajoso para a democracia deixar as forças armadas reverem-se numa cultura institucional ligada às antigas FARP que eram efectivamente uma “milícia” enquanto “braço armado do partido único” e, de acordo com a Constituição de 1980, uma instituição da «Unidade Guiné-Cabo Verde». Com tal desnorte não estranha que ao longo de todos esses anos de regime democrático não se tenha, de facto, conseguido realizar as reformas que todos os governos dizem ser necessárias e colocado as FA à altura dos desafios que o país enfrenta, designadamente no que respeita à segurança nos nossos mares e costas. Aspectos particularmente preocupantes manifestaram-se na sequência dos acontecimentos de Monte Tchota. Primeiro, o que ali aconteceu veio revelar o estado das FA em termos de comando, controlo e comunicações quando um destacamento de tropas num ponto estratégico do país é massacrado e o ocorrido só é conhecido mais de 24 horas depois. Segundo, a reacção da instituição militar foi de se excluir de qualquer escrutínio externo. Fez o seu inquérito, dirigiu com o seu pessoal as investigações e no fim declarou que basicamente não há problemas na tropa: “o moral e o nível de disciplina dos efectivos destacados para Monte Tchota são aceitáveis”. Também que em relação a “alegados maus tratos” existe uma preocupação em cumprir as normas existentes. E quanto ao “uso de álcool e outros estupefacientes” são casos esporádicos. O Ministério Público e a Polícia Judiciária não tiveram qualquer papel significativo no processo e, feito o julgamento do soldado e algumas mudanças no comando, tudo parece ter voltado à normalidade enquanto na mente de toda a gente e em particular dos familiares dos civis e militares mortos muita coisa ficou por esclarecer. É como se as FA vivessem num mundo à parte e isso não é bom para nenhuma democracia. Assim como já tinha acontecido com os governos anteriores muito dificilmente o novo governo vai ser capaz de fazer as reformas que se impõem se nem com a tragédia sem precedentes do Monte Tchota dá sinais de agir. Entretanto as FA, como se ainda fossem as “gloriosas” Forças Armadas Revolucionárias do Povo vão comemorar os 50 anos da sua existência e relembrar o momento em que se fez o juramento perante Amilcar Cabral. Patético.

 Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 789 de 11 de Janeiro de 2016.

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