segunda-feira, maio 07, 2007

Duplicidades

O Primeiro Ministro de Cabo Verde no discurso de encerramento do Simpósio sobre o 1º Centenário da Geração do Movimento Claridoso, resolveu, a dado passo, ser claro no que pretendia transmitir: Apelou a que enterremos de vez as rivalidades improdutivas. Manifestou o desejo de um claro distanciamento, particularmente da parte dos jovens, em relação a determinados pseudo-debates datados e estéreis que em nada contribuem para o fortalecimento da ideia de Nação. E exortou a uma certa cidadania cultural reconhecível na capacidade de saber defender e promover a Cultura enquanto espaço privilegiado de consenso. Facilmente se reconhece aí os elementos recorrentes da ofensiva ideológica permanente que mantém o País sob tensão e procura dobrar a sociedade e controlar os indivíduos: O denegrir do pluralismo, a imposição de tabus e o elogio do consenso. São elementos visíveis, por exemplo, no ataque lançado pelo representante da Fundação Amílcar Cabral à tese de doutoramento do Gabriel Fernandes. Elementos de ataque sempre que algo contrarie os cânones da ideologia, outrora legitimadora do regime de partido único. Nessa perspectiva, o centenário de Baltasar Lopes da Silva constituía um problema. Não se podia deixar de referenciar a data mas também não interessava uma atenção excessiva capaz de abranger a totalidade e a complexidade da vida do Grande Homem. E, raciocinando de que não há melhor defesa do que o ataque, o Governo assumiu as comemorações e erigiu a capital como seu centro, relegando para o segundo plano S Nicolau e S. Vicente, onde subsiste com maior fulgor a memória das longas décadas de vivência de Baltasar nas ilhas. De centenário de Baltasar Lopes passou-se a centenário da geração dos claridosos. O foco das atenções foi desviado para o papel que outras personalidades, eventualmente, tiveram no eclodir da Claridade, enquanto movimento literário e cultural. Diluiu-se Baltasar. Curiosamente, uma figura que foi uma preocupação, se não obsessão de muitos, conferencistas, políticos e colunistas, foi o Amílcar Cabral. E não se percebe porquê. Ele não foi claridoso, não pertence à geração que pretensamente está-se a celebrar o centenário, e pelo que diz Dulce Almada, citada por Gabriel Fernandes, Amílcar sempre se apresentava como guineense. Ou percebe-se muito bem. Baltasar Lopes é o caboverdiano que muitos sentem que rivaliza com a figura mítica do Amílcar Cabral, criada pelo PAIGC. Por isso, a nota de quinhentos escudos com a imagem de Baltasar Lopes sempre incomodou. Imagine-se o regozijo com que, em certos quadrantes, foi recebida a iniciativa desconcertante do Banco de Cabo Verde de, no ano do centenário, eliminar a imagem do Baltasar das notas. A duplicidade da actuação do Governo não augura nada de bom para propostas com as do PM de criar bolsas de criatividade. O desejo de controlar a produção cultural é evidente. Como é também o de manter tabu sobre certas matérias. Por outro lado, a disposição em condicionar os criadores com favores ou desfavores, conforme os casos, é por demais manifesta. A protecção da propriedade intelectual, que deveria ser a primeira opção de suporte aos criadores, porque lhes garante independência e sustentabilidade na criação, não parece estar nas preocupações do Governo. A pirataria, particularmente do material audio-visual, impera sem que o Estado afirme a sua autoridade. Ficam prejudicados os artistas nacionais e deixa-se estar a ideia da edificação de uma indústria de cultura no reino da propaganda, sem tradução efectiva para o concreto. O Governo não tem o direito de impor uma agenda cultural ao País. Ao Estado está simplesmente reservado o papel de promover a actividade cultural nas suas múltiplas expressões, deixando de lado tentações de intérprete da história e de juiz de correntes artísticas e culturais. Impõe-se que o Governo se resuma nestas matérias ao papel que lhe é exigível no ambiente de pluralismo e de liberdade de expressão e de informação, que deve caracterizar a nossa democracia.

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