A questão dos efeitos de renúncia de mandato nos órgãos municipais aparece de forma recorrente nos debates políticos nacionais, particularmente em tempo de eleições autárquicas. De facto, o artigo 59 dos Estatutos dos Municípios determina que os que renunciarem ao mandato não podem concorrer às eleições subsequentes que se destinam a completar o mandato dos anteriores eleitos nem nas eleições que iniciem o novo mandato. O problema é que a restrição de direitos políticos, do direito fundamental de ser eleito, como consequência do exercício do direito de renúncia só é prevista na Constituição para o presidente da república. É o que diz o nº 2 do artigo 133º: se o Presidente da República renunciar ao cargo não poderá, a partir da data da renúncia, candidatar-se para um novo mandato nos dez anos seguinte. Compreende-se que assim seja considerando que o presidente da república é um órgão singular e a renúncia ao cargo leva necessariamente à convocatória de eleições no prazo de noventa dias. Esse artigo evita que tensões ou conflitos resultantes do papel moderador do presidente da república na sua relação com os outros órgãos de soberania, Assembleia Nacional e Governo, desemboquem numa inesperada eleição presidencial com características de um autêntico plebiscito aos actos do presidente. Deixar a possibilidade ao PR de renunciar e voltar a candidatar-se constituiria uma tentação muito grande em situações de crise política, quando o que se pretende é que relações entre órgãos de soberania sejam marcadas pela serenidade na tomada de posições. Problema similar não existe ao nível municipal. Os órgãos municipais, a Câmara e s Assembleia Municipal, são órgãos colegiais. A renúncia de um dos titulares não acarreta novas eleições. É substituído imediatamente por um dos suplentes. Por isso o impacto político desestabilizador é mínimo se não nulo. Não se vê, portanto, razões ponderosas para penalizar a renúncia ou constranger o seu uso. Aos Deputados da Nação, por exemplo, a Lei não põe quaisquer impedimentos ao exercício do direito de renúncia ou define efeitos do acto em termos de restrições no acesso a órgãos de poder político. A dissonância representada pelo artigo 59 dos Estatutos dos Municípios compreende-se, porém, se se tiver em conta que a norma muito provavelmente é uma norma reactiva. Nos fins de 1994, princípio de 1995 o país assistiu à cena da renúncia colectiva da Câmara Municipal de S.Vicente, orquestrada pelo seu então presidente Onésimo Silveira. Apesar de se desconhecer na Lei essa figura de renúncia colectiva, o Governo de então permitiu que a manobra política fosse levada até às suas últimas consequências. Ou seja, aceitou a ideia de que com a renúncia colectiva a Câmara Municipal de S.Vicente tinha perdido o quórum de funcionamento. E permitiu que os que renunciaram continuassem tranquilamente a administrar o município e que se apresentassem como candidatos para terminar o mandato que tinham deliberadamente interrompido. Posteriormente, via legislação, o Governo procurou evitar a repetição de situações análogas. Só que a norma criada é excessiva em termos de restrição de direitos e procura responder a situações improváveis e que só aconteceram uma vez devido à complacência das autoridades que detêm a tutela da legalidade da actividade municipal. Porque restringe direitos fundamentais sem se justificar pela necessidade de equilíbrio e funcionamento do sistema político, a norma 59 do estatuto dos municípios revela-se de duvidosa constitucionalidade. Urge, pois, que seja revista em sede do poder legislativo ou de fiscalização da constitucionalidade para que deixe der ser um obstáculo irrazoável a candidaturas às eleições autárquicas.
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