Períodos eleitorais são normalmente extraordinariamente elucidativos acerca das formas de actuação dos diferentes actores políticos. Deixam, particularmente, a claro as tentativas de instrumentalização do Estado em benefício dos interesses partidários da força política que suporta o Governo. Revelam, para além de toda a retórica e a propaganda oficial, as ainda frágeis bases de governança ou governabilidade do País. Vem-se se multiplicando, nos últimos tempos, alguns sinais de má governação. Governança, ou como o PAICV prefere, governação, significa respeito pelo primado da Lei, a transparência e prestação de contas na actuação dos governantes e ambiente institucional adequado para a criação, desenvolvimento e implementação de políticas públicas. De facto, há indícios de má governação quando o Governo desdobra-se em reuniões de conselho de ministros descentralizados nos meses que precedem as autárquicas. Pelo menos cincos se realizaram nos últimos três meses. E alguns foram seguidos de apresentação de candidatos do partido no Governo às eleições municipais. Quanto aos efeitos na resolução dos problemas das localidades e das populações, a posição, por exemplo, do presidente da comissão instaladora de S.Salvador é esclarecedora: utopia, nenhuma resposta concreta, as pessoas não têm oportunidade para os esclarecimentos adicionais e terem as informações, …na prática deixa as pessoas mais angustiadas. Ou seja, trata-se basicamente um show off de onde se procura, simplesmente, extrair ganhos partidários. Há indícios de má governação quando membros do Governo, frequentadores assíduos dos seus municípios de origem, em missões de Estado poucas vezes ligadas às suas competências específicas, se apresentam como candidatos às autárquicas. A impressão que fica é que de há muito vêm-se preparando para tal, com óbvios prejuízos para a acção do Estado e para a relação do Estado com o Poder Local. O Estado perde porque a intervenção do membro do Governo submete-se à necessidade de se construir a sua imagem junto às populações como futuro candidato autárquico. E, de passagem, envenena-se a relação com a câmara porque os seus actuais titulares são vistos como rivais directos na corrida eleitoral. Há indícios de má governação quando o partido no Governo, recorrentemente, recruta para os principais cargos autárquicos funcionários públicos, que ganharam proeminência nos concelhos enquanto chefes de serviços desconcentrados do Estado que lidam com as populações. Os agentes do Estado, segundo a Constituição, estão exclusivamente ao serviço do interesse público e estão obrigados a agir com respeito estrito pelos princípios de justiça, isenção e imparcialidade não podendo beneficiar ou prejudicar outrem em virtude das suas opções político-partidárias. Tornar, designadamente, chefes de delegação de Educação, de serviços de Agricultura, do ICASE em instrumentos de actividade partidária não abona para a qualidade, a lealdade e a solidariedade que, em nome dos interesses das populações, devem caracterizar as relações entre os órgãos municipais e os serviços do Estado nos concelhos. Também, decididamente não ajuda muito no estabelecimento de boas relações institucionais Estado/Poder Local a decisão de preparar o director geral de descentralização, do Ministério que tutela os municípios, como candidato a presidente de uma das câmaras. Há indícios de má governação quando todos os presidentes das comissões instaladoras dos novos municípios são apresentados pelo partido no governo como candidatos a presidente da câmara. Ao mesmo tempo que o esforço do Estado e a solidariedade nacional traduzida nos investimentos públicos extraordinários feitos nesses municípios são dados pelo próprio primeiro-ministro, em ambiente de campanha eleitoral, como obra pessoal dos presidentes das comissões instaladoras, transformados em candidatos. A instrumentalização de meios e recursos do Estado para fins partidários é também neste caso por demais evidente. Há indícios de má governação quando na presença do Sr. Primeiro Ministro em Santa Catarina na ilha do Fogo, pela boca do presidentes da comissão instaladora, o País fica definitivamente a saber que o pintar de amarelo as obras do Estado é parte de um esforço de criação da uma onda amarela claramente identificável com o partido no Governo. Que a cor amarela em palácios de justiça, aeroportos, centros de saúde, escolas, centros de juventude etc etc é a manifestação de um partido em permanente campanha, usando recursos do Estado, aproveitando-se das obras do Estado e servindo-se da exposição mediática privilegiada dispensada às cerimónias oficiais para influenciar os eleitores. Há indícios de má governação quando o Gabinete de Assessoria de Imprensa do Primeiro Ministro edita no mês das eleições autárquicas uma revista de propaganda oficial, a revista Ilhas, ricamente financiada pela publicidade de grandes empresas privadas do país. Das muitas questões que tal financiamento suscita, uma é inescapável, pelas suas graves implicações: A decisão comercial dessas empresas privadas em fazer publicidade numa revista do Governo visa o quê!? Certamente que não é para atingir clientes potenciais dos seus produtos e serviços, considerando que a revista pela sua própria natureza não tem uma estratégia comercial. Só pode, então, ser agradar ou ficar nas boas graças do Sr. Primeiro Ministro que é quem assina o editorial da Revista. Se assim é, à impropriedade do aproveitamento de subvenções privadas para propaganda do partido no Governo, em vésperas de eleições, junta-se o potencial de criação de relações promíscuas dos poderes públicos com o sector económico em que todos, o País, os cidadãos e os agentes económicos saem a perder. Em Cabo Verde, avançar no sentido da boa governança obriga a que se dê combate permanente à tentação de se reinstalar o partido/Estado em Cabo Verde. O esforço de construção institucional do Estado de Direito deve ser acompanhado de uma profunda renovação da cultura política. E a relação com os cidadãos terá que deixar de se caracterizar pelo paternalismo, pelo aprofundamento da dependência das populações e pelo recurso à instrumentalização do Estado para influenciar o eleitorado.
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