Os resultados das eleições autárquicas de Maio de 2008 induziram alterações marcantes na actuação política do MpD e do PAICV. As expectativas dos partidos e o comportamento dos seus dirigentes mudaram. Euforia da vitória e sentimento de derrota fizeram-se sentir, com todas as consequências no interior dos partidos e na esfera política.
Foram eleições a meio da legislatura. Para o PAICV as autárquicas deviam demonstrar a correcção da sua agenda de transformação e o seu nível de impacto nas populações. A vitória nessas eleições confirmaria a persistência da onda de vitória de 2006 e a possibilidade de conquista de um terceiro mandato. Para o MpD tratava-se de reafirmar a sua condição de grande partido autárquico e de partido alternativo no sistema político. E também de dar forte impulso no processo de se credibilizar para as legislativas de 2011.
Eleições autárquicas são eleições essencialmente locais. Podem e são, em várias circunstâncias, afectadas por eleições nacionais ou conjunturas políticas nacionais. Se se realizam pouco antes ou pouco depois das legislativas, tendem a antecipar ou a espelhar mudanças na configuração das forças políticas nacionais. Se se verificam a meio da legislatura podem actuar como um barómetro, revelando a persistência do ímpeto ganhador do partido no governo, ou deixando transparecer o nível do desencanto. Isso, porém, não é linear.
O pior que se pode fazer é extrapolar os resultados das eleições autárquicas directamente para as legislativas. Particularmente quando não acontecem a meio de situações políticas arrebatadoras da atenção nacional e quando um longo período de tempo as separa. Nesses casos, o aspecto local prevalece. Tudo leva a crer que foi o que aconteceu em Maio.
O MpD veio das autárquicas de 2004 com 11 câmaras municipais, se se incluir a Câmara do Sal. O normal é que mantivesse as câmaras. O que aconteceu em mais de 80%. Geralmente o risco de perder é maior quando os actuais presidentes não se recandidatam. Perdeu no Paul onde tal se verificava. Perdeu também na Ribeira Brava, S. Nicolau, mas aí, factores outros, designadamente a proximidade da acção da Comissão Instaladora no município vizinho e a hostilidade do Estado tiveram o seu papel. Em contrapartida, ganhou em Santa Catarina contra um novo candidato do PAICV e realizou o feito de conquistar Ribeira Grande de Santiago, um dos novos municípios.
O PAICV, à partida, tinha a possibilidade de acrescentar às cinco câmaras os cinco novos municípios. O Governo, há mais de três anos, tinha instalado os candidatos do PAICV como presidentes das comissões instaladoras. Resultado: Capturou 4 das cinco novas câmaras. Mas perdeu a Praia. No balanço total, somando a câmara do Paul e subtraindo a de Santa Catarina, ficou com o controlo de nove municípios.
A mudança de liderança na Praia foi a grande novidade nas autárquicas. Parece que também aí prevaleceram razões locais. A incompetência na gestão da cidade alienou mesmo apoiantes do Paicv, que ou se abstiveram na votação ou, marginalmente, apoiaram uma renovação da equipa camarária. Não é crível que o PAICV tenha perdido a maioria dos eleitores na Praia.
A desorientação e mesmo derrotismo subsequentes nas fileiras do PAICV denotam a surpresa e a frustração com que militantes e dirigentes encararam os resultados eleitorais. Pensaram que obras, acções sociais e permanente propaganda do Governo seriam suficientes para contornar os pressupostos locais das eleições e desalojar presidentes de câmaras. As expectativas de vitória eram grandes, particularmente nas câmaras em que interesses à volta de terrenos têm alimentado um braço de ferro entre o Estado e os Municípios. Compreende-se, assim, que o golpe tenha sido ainda maior na Praia, onde os vultuosos investimentos, realizados pelo Estado, não conseguiram apagar as marcas da falta de competência e da falta de transparência.
Na procura de razões para a derrota fracturas internas manifestaram-se. A entrevista do deputado e ex-ministro, Júlio Correia, é elucidativo a esse respeito. Identifica a gestão dos TACV com um dos pontos de desgaste do governo e ataca o Governo na pessoa do Ministro das Infraestruturas. A tensão interna que se seguiu serviu para relembrar ao Primeiro-Ministro e presidente do partido o desconforto que a sua alegada arrogância provoca em certos sectores. O sinal foi dado que só o aturam enquanto for portador de vitórias.
Não estranha, pois, que José Maria Neves tenha já firmado o compromisso com o partido de concorrer para um terceiro mandato. O súbito reaparecimento de pretensões presidenciais de outras personalidades confirma o pacto. A moção de confiança, por outro lado, culmina um processo, longo de meses, de consolidação da unidade interna à volta do líder. Mudanças na direcção dos TACV, saídas de membros de Governo e o discurso político mais contundente em relação à oposição situam-se no quadro do esforço para superar as diferenças, sanar as fracturas internas e cerrar fileiras. E não há melhor forma de fazer isso do que mobilizar todos contra um “inimigo” externo.
O facto do Presidente do MpD ter assumido a vitória do seu partido nas autárquicas como vitória pessoal, não obstante o carácter marcadamente local dos resultados eleitorais, serviu para dar face, voz e estilo à “ameaça externa”. E nisso, grande ajuda é prestada por sectores de opinião no MpD que acreditam ter visto nas eleições autárquicas a confirmação de uma forma de fazer política, baseada em denúncias permanentes, acusações de corrupção e discursos populistas.
O problema é que o MpD não pode ver-se, nem deve ser visto, como um partido de contra poder ou de protesto. É um partido da área de governação e como tal o seu caminho só pode ser o de se credibilizar como alternativa de Poder no País. A actuação do seu Grupo Parlamentar é central nesse processo. A fiscalização sistemática do Governo e das suas políticas é uma das suas funções principais. Assim como é a apresentação de propostas alternativas de governação em projectos de lei, em debates com o Governo e em outras formas do exercício do contraditório.
A existência de centros activos de poder ou de interesses, que não só não têm expressão no grupo parlamentar mas alimentam hostilidade difusa contra deputados, do tipo base vs. elite, não ajudam a focalizar a actuação do MpD no plano nacional. Por outro lado, a acção do partido nas câmaras ganhas é insuficiente para projectar uma imagem de alternativa de governação. Particularmente, com o Governo sistematicamente usando o Estado e organizações de todo o tipo para cercear a actuação dos órgãos municipais.
No vazio e descontrolo, que tal situação cria, mais atenção e importância é atribuída ao presidente do partido. O problema é que a imagem que vem projectando de quem não ouve, não aprende, improvisa e curto circuita os órgãos do partido no processo de decisão não ajuda. Ajusta-se mais a imagem de “inimigo” que o PAICV cultiva para as suas necessidades de forjar unidade interna e de se mobilizar para as eleições seguintes.
A remodelação ministerial a seguir às eleições de Maio revelou o nível de esgotamento do Governo. Entrou em campo a quinta equipa de governantes na área económica, quando já a crise económica se anunciava e quando ficava claro, para todos, que janelas de oportunidade, abertas a partir de 2005, fechavam-se. Hoje, sabe-se que no turismo e no sector imobiliário nada será como antes. Assim como é cada vez mais evidente que a agenda de transformação do Governo falhou. Não fez crescer a País à taxa proposta de dois dígitos, não reduziu o desemprego e não soube diversificar a economia, nem alargar a base de exportações.
Na encruzilhada em que o Cabo Verde se depara, sentindo os efeitos da ressaca de oportunidades perdidas e encarando uma crise mundial que ninguém sabe a profundidade, escopo e duração, é de se exigir mais da sua classe política. O PAICV ainda tem mais dois anos para governar. Não deve calar as vozes internas e submeter tudo ao objectivo de ganhar eleições, sem consideração pela necessidade urgente de encontrar formas criativas e inovadoras para enfrentar os problemas do país e os desafios extraordinários da conjuntura actual.
O MpD depois de ver reconfirmado a sua condição de grande partido nacional e de partido de alternância tem ainda a possibilidade de, na Convenção do próximo ano, escolher um líder. Seleccionar um candidato a primeiro-ministro, capaz de enfrentar o Cabo Verde, saído do que, já se pode considerar, uma década perdida. Perdida em oportunidades desperdiçadas a meio de conflitos de terreno, tensões institucionais e insegurança. Perdida na energia e água em lutas nacionalistas, desfasadas no tempo e no espaço. Perdida na Educação, não obstante as escolas e liceus construídos. Perdida na Formação Profissional apesar dos investimentos feitos. Perdida no desenvolvimento das potencialidades das tecnologias de informação e comunicação. Perdida na expansão do sector privado e da estrutura produtiva e exportadora do País.
Viveu-se simplesmente a ilusão do desenvolvimento.
Que 2009, com os seus difíceis e imprevisíveis desafios, traga a mensagem que já não é possível mais do mesmo. Que não vale mais “diabolizar” o outro para calar vozes internas e dissuadir a emergência do novo. Que política não é sinónimo de estar à procura permanente da bala mágica que irá derrubar o opositor.
Cabo Verde precisa de uma nova liderança. Uma liderança que insista em servir. Servir a liberdade, o interesse público, o desenvolvimento. Uma liderança que insista na constitucionalidade, legalidade e ética dos meios utilizados e rejeite o princípio de que os fins justificam os meios. Uma liderança moderna, com visão do futuro e capaz de fazer uma aposta, firme e determinada, no Conhecimento e na capacidade de prestar serviços, progressivamente mais sofisticados e de maior valor acrescentado.
Publicado pelo Jornal Asemana de 26 de Dezembro de 2008
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