A 20 de Janeiro Barack Obama torna-se no 44º Presidente dos
Estados Unidos da América.
Há um ano atrás poucos acreditavam que isso seria possível.
Depois da vitória nas primárias de Iowa, os americanos e o mundo começaram a
prestar atenção. Após duas dezenas de debates com Hillary Clinton, audiências
em todo o planeta estavam fascinadas. Depois vieram as convenções dos partidos
democrático e republicano, o fenómeno Sarah Palin e finalmente a crise
financeira com a falência dos Lehman Brothers. Obama, o mais cool de entre os políticos, manteve-se sempre
à altura dos desafios da campanha e atento e sintonizado com a conjuntura
económica emergente a partir da segunda quinzena de Setembro.
A revista Economist, em editorial, manifestou o seu apoio à
eleição de Obama. Reconhecia nele qualidades para ser o próximo presidente da
América, não obstante o currículo político limitado. Qualidades reveladas no
estrondoso sucesso obtido, em termos de pensamento estratégico, de capacidade organizativa
e de energia combativa, sobre as duas maiores máquinas político-partidárias da
América: a máquina dos Clinton e máquina
da direita conservadora.
O triunfo de Obama tem vários componentes. É primeiro de
tudo o triunfo de uma ideia da
América. A América é um país originariamente de imigrantes que se construiu
como nação à volta da ideia da Igualdade, da Liberdade, da Democracia, do
império da Lei (rule of law), do
poder judicial independente e da Constituição. Como tal é uma fonte inspiradora
da Humanidade, não obstante as profundas contradições ainda existentes. A
escravatura e o racismo institucionalizado de séculos deixaram marcas profundas.
Sempre que América fica aquém dos seus ideais é fortemente
fustigado por todos. Guantanamo é um caso gritante. Mas, quando se confirmam as
oportunidades de afirmação e de realização individual, que a Liberdade e o
primado da Lei propiciam, o seu simbolismo é reforçado e uma onda de esperança
varre o mundo. È o que está a passar com o Obama.
Todos esperam a liderança americana para evitar que crise
financeira desemboque numa recessão global, ou mesmo depressão. E também para encontrar
soluções energéticas, para além do petróleo, e coordenar a acção planetária de
contenção de mudanças climáticas, potencialmente catastróficas.
Diz-se que Obama é pós
racial. A realidade é que pôde vencer porque nunca se deixou apanhar nas
redes de vitimação pessoal, racial, étnica ou religiosa. Vitimação cria paixões,
polariza a sociedade e bloqueia o debate social e político. É uma óptima via para
se perpetuar a dependência do opressor de ontem e erigir a desresponsabilização
como modo de vida. Obama caminhou sobre o campo minado de política identitária
hasteando sempre a bandeira da responsabilidade: responsabilidade pessoal,
familiar, social, cívica e patriótica.
Diz-se ainda que Obama é um político pós partidário. Não se deixa apanhar por interesses fechados sobre
si próprios no interior do partido, nem se resume ao uso de tácticas de conquista
ou de manutenção de poder, a todo o custo. Obama provou que é possível fazer
política sem que o stock nacional de cinismo cresça e sem inibir os que se
aproximam da política por idealismo, por vontade de participação cívica ou por
sentido de urgência que é preciso algo, já e agora, para mudar as coisas. Por
isso, pôde atrair jovens e fazer muitos acreditar na política, suportada por
princípios e guiada por uma visão compartilhada.
A eleição de Barack Obama emocionou o mundo. Cabo Verde não
foi excepção. Impõe-se porém que se vá para além do entusiasmo inicial e se
retire ilações desse feito realmente extraordinário. Uma dessas ilações é que
política não tem que ser sinónimo de cinismo e de hipocrisia.
De facto, Obama vem demonstrar que se pode vencer com
verdade, assumindo a responsabilidade de apresentar à sociedade factos
fidedignos e propostas de políticas e rejeitando demagogia e populismo. Que se
pode vencer sem ir pela via da mobilização de paixões primárias, geradas pela
vitimação pessoal ou do grupo, a diabolização do outro e a exploração de temas fracturantes, que mais se aproximam da
esfera moral e pessoal de indivíduos do que do espaço da lei e de políticas
públicas.
Muita política feita em Cabo Verde explora e
potencia resquícios de culturas políticas, salazarista e de partido único, do passado
recente que, em comum, têm o escarnecer do pluralismo e o fascínio pelo
consenso. O exercício do contraditório é visto como perda de tempo e não servindo
o interesse público. Em consequência, o interesse público não deve ser matéria
de discussão. Alguém, Salazar ou o PARTIDO, superiormente já o incarna
O resultado é que muitos movimentos tácticos de sujeitos
políticos concentram-se no furtar ao debate, em nome de consensos, e na fuga a
negociações, para forçar os outros á capitulação. Para isso recorre-se à mobilização
de apoios em grupos de interesses específicos. Se se trata de políticas públicas,
são muitas vezes grupos profissionais que são chamados à liça. Se são disputas
municipais, opõe-se naturais contra residentes ou o município é apresentado
como vítima. Se é disputa entre partidos, alguém reivindica estar a defender o
interesse público, enquanto o outro é denunciado como antipatriótico. Se é
matéria intra-partidária apela-se á unidade para calar vozes discordantes ou lança-se
a disputa por lugares, actuais e futuros, para manter complacentes os mais
ambiciosos e conter ou isolar os inovadores. Chega-se mesmo a reivindicar, à
socapa, ou às vezes nem tanto, o direito de uns vetar outros para cargos
centrais da república, com base na demografia das ilhas.
Paradigmático de uma certa forma de fazer política foram as
últimas reacções do Governo e partidos à situação da Justiça em Cabo Verde.
As notícias da soltura de arguidos, condenados em primeira
instância, mas à espera de recursos interposto junto ao Supremo Tribunal de
Justiça, por excesso de prisão preventiva, foram muito mal recebidas pelo
público. As pessoas pensaram que os assassinos das italianas no Sal tinham ido
em liberdade, ou seja tinham ficado ilibados da condenação e da pena. O
sentimento público de choque, em grande medida resultante dessa má percepção
dos acontecimentos, foi prontamente explorado por interesses políticos.
Em vez de contribuir para desvanecer o engano do público, a
preocupação do Governo foi aproveitar-se dos equívocos criados e retomar o
discurso de que a reforma de Justiça falhou por culpa da oposição. Deixa passar
a ideia que a falha do STJ seria por falta de juízes, ou dito de outra forma,
por excesso de trabalho dos actuais juízes. Não é o que diz o Conselho Superior
de Magistratura, em comunicado de 6 de Janeiro. Na origem dos “habeas corpus” estão duas correntes ou sensibilidades
jurisprudenciais, que se formaram no interior do Supremo Tribunal Justiça, com
interpretações diferentes quanto a questão dos prazos da prisão preventiva
O Governo insiste e diz que é preciso alargar o STJ. Mas
alargar já, ou seja no modelo que já só existe nas disposições transitórias da
Constituição, no modelo de nomeação política dos juízes. À revelia de todos,
designadamente do comunicado referido do CSM que explicitamente se refere a
necessidade de reestruturação do STJ num novo figurino, com um número de juízes
suficiente.
Para conseguir os intentos do Governo de retirar dividendos
políticos da situação, o Primeiro Ministro lança-se numa operação “duvidosa” de
audição de ex-presidentes da república, ex-primeiro ministro, e outros antigos
governantes. Procura projectar imagem de procura de consensos nacionais, onde
não devia, para não ter que trabalhar entendimentos necessários com a oposição.
Votos do MpD e do PAICV somam os dois terços necessários à revisão da
Constituição, revisão hoje por todos reconhecida, como essencial à reforma de
Justiça, e também à eleição dos juízes do Tribunal Constitucional e do Provedor
de Justiça.
Prefere fazer capitular
o MpD na onda de indignação, artificialmente sustentada com meias verdades e
desinformação, encontrando-se com o presidente desse partido a meio da leva de personalidades que escolheu
receber. Em Outubro último, tinha recusado terminantemente ao encontro de
líderes partidários. Encontro que a outra parte via como essencial à criação da
vontade política parlamentar indispensável à reforma da justiça.
A celebração de 13 de Janeiro deve lembrar a Opção feita pela
Liberdade e o pluripartidarismo, pela instituição de uma democracia liberal e
constitucional. Deve reforçar em todos os caboverdianos a determinação de pôr
fim a resquícios de culturas políticas, que ainda assombram o presente.
Hoje a América tem a sorte de enfrentar a maior crise desde
da Grande Depressão dos anos trinta com uma nova liderança. A liderança de um
presidente que soube trazer de volta para a participação na esfera pública
muitos que a ausência de ideias dos partidos e a degradação dos mesmos num
cinismo e partidarismo asfixiantes tinham afastado.
Vamos fazer votos para que Cabo Verde também realize esse
feito de ganhar uma liderança à altura dos seus desafios. Vamos fazer votos no
dia da Coragem e da Dignidade. No dia 13 de Janeiro.
Publicado no jornal Asemana de 9 de Janeiro de 2009
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