O Governo, em matéria de emprego, parece ter deixado cair a toalha ao chão. Solicitou
um debate parlamentar sobre emprego e formação profissional. Já praticamente a
fim do seu mandato e sem ter cumprido o objectivo da legislatura de baixar o
desemprego a níveis inferiores a 10%, o convite à Oposição só pode significar
que se esgotou em termos de soluções próprias.
E isso não se esconde com o frenesim habitual de membros do
Governo a se espalharem pelas ilhas a falar de formação profissional e
empreendedorismo e a prometer a construção de centros de formação. Formação profissional
é útil para responder ás necessidades do mercado em trabalhadores qualificados.
Por si mesmo não cria emprego. Pode tornar as pessoas empregáveis. Mas isso, se
houver procura, ou seja, se houver crescimento da economia, se os mercados
estiverem organizados e se o exercício da profissão for regulado de modo a
evitar informalidade no acesso ao trabalho.
Crescimento económico não aconteceu nas taxas que podiam
contribuir para debelar significativamente o desemprego. Com a crise, o investimento
público, focalizado em infraestruturas, não se tem revelado capaz de arrastar o
resto da economia e manter o ritmo de crescimento. Consequências disso são
visíveis ao nível do emprego e do rendimento das pessoas mas também das
receitas do Estado, como bem disse a Sra. Ministra das Finanças.
A unificação do mercado nacional que, num país arquipélago e
de pequena população, poderia trazer um factor de escala para alguma produção
nacional não atingiu níveis desejados. S. Antão continua cortada do resto do
país por causa dos milpés, Brava e Maio estão praticamente isoladas e as
comunicações entre as outras ilhas sofrem os efeitos da precariedade das
ligações, inadequação dos barcos e constrangimentos vários ao nível dos portos
e serviços neles prestados. O Governo insistiu na construção de rede de estradas
nas ilhas e descurou as “auto-estradas” entre as ilhas, as linhas marítimas. Sem
movimento garantido inter ilhas fica-se muito aquém de retirar os benefícios
possíveis da construção das estradas. A estrada Porto Novo Janela, por exemplo,
compreende-se em grande parte se houver um
esforço redobrado de unificação económica de S.Vicente e S Antão que gere mais circulação
de pessoas e bens.
A organização do mercado pressupõe que se reconheça,
designadamente, onde é capaz de funcionar em pleno, onde é imperfeito, onde se
deve condicionar a entrada de operadores e onde não é possível substituir a
presença do Estado. E, também, que se aja em consequência.
As ligações marítimas inter ilhas são claramente um sector
que não pode ser deixado unicamente nas mãos do sector privado. A exemplos de
outros espaços arquipelágicos como os Açores onde se subsidia o transporte
marítimo, o Governo de Cabo Verde deve ter respostas à altura. Subsídio,
concessões, licenças ou intervenção directa, devem ser considerados com vista à
unificação do mercado interno como forma de potenciar a produção nacional .
Subsídios têm sido estigmatizados, muitas vezes sob pressão
do FMI, devido a preocupações legítimas
com o possível impacto orçamental no presente e no futuro. Não se tem, talvez,
em devida conta os ganhos derivados do efeito multiplicador na economia que, a
verificarem-se, diminuem o risco orçamental.
O resultado é que ligações como as que ligam Praia ao Maio e
Brava ao Fogo não gozam de um contrato próprio incluindo subsídios. Contrato
esse que ao estabelecer frequência certa do barco, ou seja criar
previsibilidade na ligação, abre o caminho para o crescimento progressivo do
movimento de carga e passageiros nos dois sentidos e consequente aumento do
emprego e produção na ilha. O subsídio inicial para cobrir a diferença entre o
custos e as receitas derivadas de carga e passageiros, tende a diminuir com o
crescimento do tráfico. E, a prazo, a terminar mesmo, com a viabilização da
rota. Mais arriscado parece é a insistência do Governo em soluções que
comprometem o Estado com subsídios sem serviço imediato, Cartas de Conforto na
emissão de obrigações, sem o aparente suporte de activos, e presença problemática
do Primeiro Ministro em OPOs (Oferta Pública de Obrigações) de empresas
privadas.
A ajuntar-se à falta de visão na organização do mercado
nacional, vêm as omissões na regulação. Um dos exemplos mais gritantes é a
produção e distribuição do grogue. Mesmo os efeitos desastrosos do elevado
alcoolismo em todo o País, particularmente no mundo rural e entre os jovens não
levam as autoridades a ter uma posição forte e corajosa.
O País não tem cana sacarina suficiente para produzir os
muitos hectolitros de grogue consumidos
anualmente. A diferença entre a oferta e a procura é coberta por mistelas
diversas destiladas livremente, sem obviamente qualquer controle de qualidade e
de nível de toxicidade. O resultado é que o “mau” grogue acaba por deslocar o
“bom” grogue de cana, deprimindo os preços, arruinando os proprietários de cana
ou forçando-os a juntarem-se à produção ilegal. A desconfiança generalizada em
relação ao Grogue faz o produto perder mercado tanto no país, entre as classes
mais abastadas e no mercado do turismo, como não consegue atingir o seu
potencial enquanto produto de exportação para o mercado étnico das comunidades
na América e na Europa. Perdem os proprietários, perde o Estado com a produção
ilegal, não tributada, e perdem os exportadores.
A distribuição não regulada, por outro lado, tem
consequências sociais graves pelo impacto directo nas famílias, na
produtividade do trabalho, nos custos das estruturas de saúde e nas demandas
feitas ao sistema de segurança para pôr cobro aos tumultos causados pelo uso
excessivo do álcool. Fica evidente que aceitar-se que se venda, em todo o lado,
cálices de grogue por 10 escudos, ou que se deixe generalizar misturas
adocicadas para disfarçar o mau gosto do grogue e atrair jovens mulheres a
bebidas fortes, não traz quaisquer ganhos ao País. Em vez de criar trabalho e
gerar divisas com exportações, a produção do Grogue destrói pessoas, compromete
a produtividade nacional e onera o Estado. É tempo de se agir inteligentemente,
mas resolutamente, para regular o sector e pôr cobro ao problema.
A intervenção qualificada
do Estado num economia pequena e insular como a caboverdiana pode ser um factor
importante de crescimento. Desde logo pelo facto da própria presença do Estado
através dos salários pagos, serviços prestados, bens e serviços comprados,
fluxo de pessoas induzidos e eventos criados afectar tudo à sua volta. Modular
o impacto do Estado de forma a que, designadamente, favoreça a concorrência
entre empresas, contribua para uma maior qualidade nos produtos e serviços
prestados, e incentive a emergência e desenvolvimento de novos mercados deve
constituir uma parte importante das medidas de política económica do Estado. As
opções de descentralização, o modelo de aprovisionamento de bens e serviços, as
formas adoptadas na prestação dos serviços do Estado e mesmo a organizações de
eventos públicos devem ter em devida consideração o peso e a influência que a
acção do Estado poderá ter nas pequenas economias das ilhas, para melhor as
potenciar.
O sector energético é um sector a pedir uma intervenção
qualificada do Estado. Uma intervenção que vá além da simples procura de
financiamento para formas convencionais de produção de energia e água. Ou fique
por acções, também financiadas do exterior, como é caso das entregas
mediatizadas de lâmpadas de baixo consumo.
Onde estão as outras medidas de promoção da poupança nos
consumidores? Se a tendência do futuro – futuro que já foi o presente poucos
meses atrás no preço de petróleo a 145 dólares - é do aumento do preço dos
combustíveis fósseis sob o impulso da procura, como ficar pela actual política
de preços de combustível? O objectivo parece ser, tão somente, proteger o
orçamento do Estado de choques futuros. Quando o que importa, agora e no futuro,
é modelar comportamentos dos consumidores, consentâneos com a inevitabilidade
do aumento dos combustíveis, logo que a economia mundial saia da recessão actual.
Por outro lado, como não criar possibilidades de emprego com
novos mercados criados pela regulação do sector energético. Uma decisão, por
exemplo, de favorecimento de colectores solares térmicos para a produção de
água quente para hotéis, blocos de apartamentos e outros edifícios em
detrimento de termoacumuladores eléctricos criaria espaço para o surgimento de
empresas de montagem, instalação e manutenção dos colectores. Ganhar-se ia em novos
empregos e na poupança de energia com proveito directo para os consumidores,
para os fornecedores de energia e para a balança de pagamentos do País. No
mesmo sentido ir-se ia com acções de política dirigidas para instituir a
certificação energética dos edifícios.
A grande oportunidade que poderá abrir-se ao País está num comprometimento
forte, sério e abrangente no domínio dos biocombustíveis, particularmente do
biodiesel a partir da purgueira. A purgueira, jatropha curcas, é uma planta decididamente adaptada em Cabo Verde cujo óleo já
fez parte da economia das ilhas como produto de consumo local e de exportação.
Das plantas oleaginosas é a que mais se pode retirar óleo: até 40% da sua
massa. Depois de um processo de refinação que é fundamentalmente de transesterificação, o óleo resulta em
biodiesel e glicerina. O biodiesel pode ser misturado com o diesel num blend a diferentes percentagens. Na Nova
Zelândia, em Fevereio deste ano, fez-se
mesmo a experiência de misturar 50-50 o biodiesel da purgueira com o Jet Fuel
para operar um dos reatores de um Boeing 747-400.
Com uma capacidade de produção por colheita e por hectare de
cerca de 1800 litros
de óleo, a purgueira a pode ser a cash
crop que o mundo rural caboverdiano, há muito tempo, procura. Dá-se muito
bem em zonas semi-áridas e de terrenos marginais e não compete com as plantas
alimentares. Importa neste momento é que se crie um mercado para o óleo da
purgueira.
E isso faz-se definindo
por lei a percentagem do diesel em Cabo Verde que deverá ser biodiesel. A exemplo da
Directiva da União Europeia de 2003 que aponta para uma percentagem de
biodiesel de 5.75 % na Europa até 2010 e de leis noutros países que estipulam percentagens
muito mais elevadas de 20%. Com isso, grandes ganhos podem ser vislumbrados:
ganho para os agricultores e para a população rural; ganho para o país porque haveria
menos importações de combustíveis fósseis; ganho para o ambiente com um
combustível menos poluente. Ganhos futuros em vendas de crédito de carbono.
Acordos público-privado do género do que foi assinado na
semana passada com a GeoCapital denota o
interesse dos poderes públicos. Mas há que agir de forma decidida para criar
espaço para o biodiesel, a partir do
óleo da purgueira, no mercado global do diesel em Cabo Verde, avaliado em
mais de 96 mil toneladas e um total de 11 milhões de contos.
No mundo globalizado de hoje ganhos importantes vão para
quem consegue ver as tendências a emergir e posicionar-se para as explorar. Os
empregos novos assim criados têm maior possibilidade de sustentabilidade a
prazo. Para o País, saber antever o futuro e adaptar-se rapidamente ás suas
exigências pode ser a fórmula ganhadora. Nessa perspectiva, mais do que talvez
a formação profissional , uma grande qualidade no ensino das ciências, da
matemática e das línguas no nível básico e secundário parece mais vantajoso.
Uma base sólida permite que rapidamente as pessoas adquirem novas qualificações
e mudem de profissão, conforme a dinâmica do mercado.
É matéria para se continuar a reflectir.
Publicado pelo jornal A Semana de 8 de Maio de 2009
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