No Boletim Oficial de 28 de Dezembro último, foram publicadas duas Resoluções do Governo, concernentes à problemática da energia, que autorizam a Ministra da Economia a negociar e a contratualizar com empresas portuguesas, dispensando concursos, público e limitado, e a adjudicar obras, em ajustes directos A primeira, a Resolução nº 43/2009, justifica a autorização com a necessidade urgente de elaborar e concretizar um plano energético renovável para o arquipélago de Cabo Verde, um Plano de Investimentos em infra-estruturas que viabilize as metas desse plano, um Atlas das fontes de energia renováveis, um quadro legal que viabilize e apoie esse plano. A segunda, a Resolução nº 44/2009, reage à possibilidade de uma situação de emergência energética nas ilhas do Sal e de Santiago a partir do verão de 2010. Dois dias depois da publicação das resoluções, a Ministra assinou com a empresa Tecnologia, Representações e Comércio (TRC) a instalação imediata de dois grupos térmicos de produção de energia como futuro back up de duas centrais de aproveitamento da energia solar, ainda por construir. Uma semana depois, no dia 5 de Janeiro, contratualizou com a empresa GeSto Energia, S.A do Grupo Martifer a feitura do plano para as energias renováveis e com a Martifer Solar a instalação de duas centrais fotovoltaicas. As múltiplas incongruências no processo, designadamente o facto de se optar primeiro e fazer o plano depois, ou então autorizar a negociação hoje e assinar contratos amanhã, justificam-se, na óptica do Governo. O dinheiro existe. Está disponível uma linha de crédito de 100 milhões de euros, avalizada por Portugal num quadro de apoio às suas exportações de bens e serviços. E se, de acordo com o preâmbulo da segunda resolução, só há uma única empresa portuguesa no sector “escolhido”, então, a “negociação” só pode ser instantânea. A dúvida é se Cabo Verde ganha com tais processos. Porque o País aumenta a sua dívida pública e obriga-se a soluções sem estudos prévios e fora de um quadro de políticas públicas adequadamente definidas. Por outro lado, dificilmente fica melhor preparado para construir o seu próprio sector exportador, quando está demasiado preocupado em ir ao encontro das necessidades dos outros em exportar. 2010 é um ano pré-eleitoral. O Governo, certamente, não olhará a meios para evitar que se retire todas as ilações de uma década de políticas desastrosas no sector de energia. Não quer que se lembre como manipulou as tarifas para a sua vantagem política, descapitalizando a Electra e quebrando a confiança de parceiros estratégicos. Ou como, por muito tempo, esquivou-se a assumir a responsabilidade pelo que se passava na empresa, não obstante ter negociado e assinado o contrato de concessão com Electra, acompanhado do plano de investimentos e do acordo tarifário. Para depois, em sucessivos actos, simultaneamente arrogantes e ingénuos, forçar a saída dos parceiros e deixá-los ir, ilibados de quaisquer responsabilidades na mobilização de 250 milhões de dólares previstos para o financiamento da Electra em 15 anos. Os parceiros ficaram livres até da responsabilidade pela amortização dos primeiros investimentos no valor de 70 milhões feitos sob a sua direcção. A emissão de obrigações pela Electra, em 2007, avalizada pelo Estado, não trouxe dinheiro fresco para o investimento na empresa. Serviu para o pagamento dos parceiros. Contraía-se uma dívida para pagar outra. As dificuldades conhecidas da empresa fazem do pagamento dos juros das obrigações um pesadelo e da restituição, em 2012, do capital da primeira série de obrigações, no valor de 1 milhão e 142 mil contos, uma missão quase impossível. Cabe ao Estado, enquanto avalista, assumir, em caso de não cumprimento. O problema é como reflectir isso no Orçamento, precisamente quando o défice orçamental se aprofunda, a dívida externa aumenta e as receitas tendem a decrescer. O episódio recente de entrada do INPS no capital da Electra dá indícios de como o Governo, provavelmente, vem contornando o problema. O INPS acode a ELECTRA em mais de 500 mil contos para fazer face a necessidades urgentes. No momento seguinte, perante a impossibilidade da empresa em pagar e do Estado em entrar com esse montante para não agravar o défice, o empréstimo é transformado em acções. O instituto de segurança social vê-se assim, constrangido a ser accionista, mesmo que o não confesse e recorra à possibilidade de rentabilidade futura da Electra para se justificar, quando tal depende de investimentos vultuosos por fazer e de garantias seguras, que não tem, da não manipulação política das tarifas. Entretanto, torna-se co-responsável por uma empresa que cada vez se atola em dívidas múltiplas à medida que, de expediente em expediente, o Governo procura driblar os problemas sérios da falta de investimento e de uma política energética global para o país. Há um mês atrás decidiu-se pelo break up da Electra em várias empresas. Segundo o comunicado do Conselho de Ministros de 26 de Novembro as novas empresas continuarão nas áreas de produção, transporte, distribuição e comercialização de electricidade e como concessionárias da rede de transporte e distribuição de electricidade e água. Com essa medida não se vê qual a alteração profunda de filosofia sobre o que actualmente existe, considerando que o País é um arquipélago e a descontinuidade territorial já faz a empresa funcionar como um aglomerado de entidades autónomas. A par com os custos acrescidos de gestão, a solução encontrada, aparentemente só abre o caminho para entrada de capitais privados nas ilhas de maior rentabilidade, deixando no sufoco, ou a mercê das disponibilidades públicas, as ilhas como menor potencial. Com tal projecto de reestruturação dá-se impressão de movimento quando o mais provável é que se está simplesmente a acomodar soluções já existentes na ilha do Sal e na Boavista e outras previstas no interior de Santiago. Uma abordagem diferente, em sintonia com o que se passa no mundo com a criação dos chamados smart grid, teria a rede eléctrica no seu centro. A rede é do domínio público e constitui um monopólio natural. Separando o sector da produção ter-se-ia uma empresa de transporte e distribuição de energia cujo negócio central seria comprar energia o mais barato possível, garantir acesso a produtores com base em energia eólica e solar, eliminar as ineficiências, perdas e roubos, e chegar ao maior número de consumidores. Tal empresa desenvolveria uma outra cultural empresarial, virada para a satisfação dos clientes e a contenção dos custos de electricidade, distinta da actual da Electra que é preponderantemente uma cultura de produtora de energia. O Governo, porém, parece preferir saltar de expediente em expediente e seguir o caminho de maior facilidade. Por isso é que governantes no sector já deram voz a toda espécie de soluções para a energia. Até a energia nuclear já teve o seu momento. Para além da energia eólica, que estudos diversos apontam um vasto potencial em Cabo Verde, têm-se referido a energia das ondas do mar, a geotermia. Agora de repente, via as Resoluções do Governo referidas, sabe-se que o interesse imediato vai para a energia solar e que duas centrais fotovoltaicas no total de 5 Megawatts vão ser adquiridos de Portugal. É interessante notar que Portugal neste sector está, relativamente, no início, enquanto que em relação à energia eólica (15,03% da electricidade), segundo o jornal Público de 6 de Janeiro, é o segundo país do mundo, logo atrás da Dinamarca (mais de 20%). Fica-se numa espécie de deriva no sector energético quando não se trabalha no quadro de uma estratégia que consubstancia uma visão compreensiva para o sector, defina as prioridades e estabeleça a sequência de acções num plano de execução. O resultado é que entram a condicionar as decisões, para além das restrições específicas das linhas de crédito, interesses outros designadamente os de apresentação rápida de obras em tempo de eleições. Sem falar de eventuais constrangimentos ainda existentes nas relações com a EDP, empresa que hoje se perfila como a quarta mundial em energia eólica. A leveza como se assume medidas no sector é, ainda, ilustrada pela forma como se procurou sensibilizar no sentido de poupança de energia. As acções centraram-se na iluminação e reduziram-se essencialmente a esses exercícios públicos de entrega de lâmpadas de baixo consumo às populações, presididos por ministros e outros putativos doadores. Um esforço no sentido de criação de incentivos para, nomeadamente promover a utilização de electrodomésticos de maior eficiência energética e substituir as soluções actuais de aquecimento de água por soluções solares passivas, criando vários postos de trabalho no processo e aumentando a renda familiar disponível, ficam em banho-maria. O resultado é que, em vez de políticas públicas claras, tem-se um manto de retalhos, cosidos ad hoc, onde reina a falta de transparência e interesses diversos se entrincheiram, elevando os custos e pondo em questão os objectivos pretendidos. Prejudicada fica também a própria forma como a população vê a actuação dos governantes e dos políticos em geral, quando, recorrentemente, soluções apresentadas como definitivas para os problemas rapidamente se revelam insuficientes ou insustentáveis a prazo. O cinismo quanto à actuação dos poderes públicos agrava-se ainda mais quando há omissões no discurso oficial como aconteceu recentemente em relação ao aeroporto de S.Vicente. Só depois da inauguração da capacidade do aeroporto em receber voos internacionais é que se veio a revelar que afinal tais operações só podem ser diurnas. A reacção quase de resignação perante mais uma expectativa frustrada - mesmo que se diga que não foi alimentada, mas também não foi contrariada - não deixa de ser debilitante para o espírito da combate, de perseverança e de crença num futuro melhor que se quer permanente nas pessoas. É o preço que se paga quando as autoridades insistem no “expedientismo”. Leva inevitavelmente a uma relação entre governantes e governados menos do que a honesta, prejudica a transparência e, em termos de resultados, os custos, muitas vezes, acabam por ser maiores do que os benefícios.
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