Finalmente foram publicadas números sobre o emprego em Cabo Verde. Mudou-se a metodologia do estudo, mas 3,5% continua a ser o aumento em desemprego registado ao nível nacional. S.Vicente ficou em primeiro lugar com 26,7% de desemprego.
Os dados do emprego vieram confirmar o que tem sido o maior falhanço do Governo actual. A incapacidade em acertar com numa política económica que propiciasse crescimento sustentável e emprego em número suficiente para debelar o desemprego e satisfazer as expectativas de quem anda à procura de trabalho ou entra pela primeira vez no mercado de trabalho. Já trocou cinco vezes de titular de Economia, mas não muda políticas nem a atitude em relação á economia e ao sector privado nacional. Actualmente é o próprio Primeiro-Ministro a assumir a pasta, coadjuvado por um Secretário de Estado Adjunto, e tudo continua essencialmente na mesma.
O Governo tem invocado a Crise internacional como razão pelo não cumprimento das promessas de crescimento e de emprego. Mas muito claros eram os sinais de quebra de ritmo antes da crise. Via-se que as oportunidades criadas pelo boom no crédito e a expansão do comércio internacional, esfumavam-se por entre os dedos dos caboverdianos. Intenções de investimento perdiam-se com demonstrações de ganância, com obsessão de controlo e com a luta politiqueira entre o Governo e as câmaras municipais.
S.Vicente foi especialmente atingida pela falta de visão, pela falta de vontade e pela cultura política de prepotência do Governo central. Nos primeiros anos de governação assistiu perplexo à retirada do Promex, o centro de promoção de investimentos. Subsequentemente foram destruídos milhares de postos de trabalho na indústria. A promessa que o programa americano do AGOA podia significar para a expansão industrial e mais emprego esvaneceu-se perante a indiferença do Governo. Ficou claro que os governantes só se deixam excitar com programas como o MCA, que é essencialmente de doações.
As facilidades de exportação do AGOA foram aproveitadas, por exemplo, pelo Lesotho, um pequeno país encravado entre vários outros no sul da Africa e a muitas horas de voo dos Estados Unidos. Segundo a publicação do Banco Mundial “Yes, Africa Can” Lesotho criou mais de 35 mil postos de trabalho entre 2000 e 2008 na indústria de vestuário e calçado. E, a jusante e a montante da actividade de exportações, conseguiu erguer um cluster de indústrias e serviços conexos que, para além de criar mais emprego, lhe garantiu sustentabilidade e competitividade acrescidas.
O Governo não parece interiorizar a ideia que Cabo Verde, com um mercado interno minúsculo, tem que desenvolver um sector exportador de bens e serviços para garantir a sustentabilidade da economia. Já foi colocado no grupo dos países de rendimento médio e sabe que doações e empréstimos concessionais, paulatinamente, irão desaparecer. E as remessas dos emigrantes, que ainda constituem uma boa almofada para as populações, principalmente em tempo de dificuldades, inevitavelmente terão peso menor no cômputo global da economia nacional.
A publicação dos dados sobre o mercado de trabalho é acompanhada, mais uma vez, da desculpa de que o desemprego é estrutural, para justificar a incapacidade de criar postos de trabalho a taxas aceitáveis. Mais do que nunca essa desculpa não deve ser aceite. A actual crise europeia alerta contra o uso do rótulo “estrutural” como pretexto para não se agir decisiva e tempestivamente. Procrastinação paga-se caro.
Países como Grécia e Portugal encontram-se na actual situação, a braços com uma nova crise, porque ignoraram por muito tempo os problemas estruturais. Não reagiram consequentemente à queda progressiva da competitividade externa dos seus bens e serviços e às dificuldades em criar novos sectores de actividades onde as vantagens comparativas poderiam ser potenciadas. Beneficiaram das vantagens da moeda única, designadamente ao nível do crédito, mas acumularam dívidas que hoje, sem um sector exportador dinâmico, se mostram incapazes de pagar.
Os tempos de bonança dos fundos de integração na União Europeia não foram aproveitados para modernizar e diversificar a economia, qualificar a mão-de-obra e ultrapassar ineficiências cruciais para a competitividade futura. Pelo contrário. Serviram de pano de fundo sobre o qual alguns puderam enriquecer em actividades protegidas da concorrência. Salários e preços aumentaram, sem correspondente crescimento da produtividade nacional. E desequilíbrios macroeconómicos se acentuaram, sob o peso da dívida pública e privada.
A crise financeira de 2008 pôs a nu as falhas estruturais de muitos países. Endividaram-se com o intuito de resgatar o sector financeiro, em risco de insolvência, e para estimular a economia com investimentos públicos e outras despesas do Estado. Mas a recuperação tem sido lenta e os défices gargântuos, criados no processo, ameaçam com uma nova crise: a crise da dívida soberana. E é para diminuir o risco dessa crise que medidas severas têm sido tomadas na Grécia, em Portugal e Espanha. Decidiram, entre outras medidas, por cortes e congelamento de salários, alterações na idade de reforma, paralisação de investimentos públicos de prioridade duvidosa e diminuição da cooperação. A Espanha propõe-se fazer um corte de 600 milhões de euros na ajuda ao desenvolvimento.
Não tinham outra escolha. Sem a possibilidade de desvalorizar a moeda para ganhar competitividade em relação aos seus principais parceiros comerciais, também eles da zona euro, a única via que os ficou foi realinhar, por baixo, salários e preços. O problema é que isso pode levar a uma recessão difícil de ser contornada. A falta de confiança na eficácia de todas essas medidas é notória no persistente deslize do euro em relação ao dólar, não obstante as garantias do Banco Central Europeu.
Em Cabo Verde, a reacção às crises sucessivas têm tido um quê de surrealismo. È como se pertencesse a outro planeta. Primeiro, o Governo proclamou que tinha blindado o País contra a crise. Depois, quando se tornou evidente a paragem de todos os projectos nas várias ilhas, mas particularmente em S.Vicente, devido essencialmente à sua atitude “controleira e obstaculizante, içou a bandeira da Crise para se justificar pelas promessas não cumpridas de emprego e crescimento. A seguir, o Governo pretendeu que, com os investimentos em infra-estruturas e aumento geral das despesas públicas, estava a seguir os mesmos caminhos de estímulo à economia nacional, adoptados noutros países.
O resultado disso tudo vê-se no défice orçamental de mais de 9%, no défice da balança de pagamentos de 19% e no nível da dívida pública a aproximar-se dos 100% do PIB. Os indicadores macroeconómicos ultrapassam em muito os limites definidos na Lei de Enquadramento Orçamental com vista à sustentabilidade do Acordo Cambial com o euro. São dificuldades similares de défice orçamental, de défices nas contas externas e de dívida pública que ameaçam precipitar vários países europeus numa situação crítica, pré insolvência.
Como esses países também Cabo Verde, devido ao Acordo Cambial, não tem a opção de desvalorizar a moeda, sob pena de gerar uma crise de confiança de resultados imprevisíveis. Quer isso dizer que a única saída para repor os equilíbrios macroeconómicos poderá passar por medidas fiscais austeras, com consequências severas para as populações. A diminuição nas remessas de emigrantes em 10%, segundo o relatório do Banco Central, é um sinal que deixa adivinhar tempos ainda mais duros à frente. Particularmente porque o grosso dos emigrantes na Europa está precisamente nos países mais atingidos pelas medidas de ajustamento estrutural.
O Governo, já em plena campanha eleitoral, não dá mostras de encarar a situação com a atenção devida. Enquanto na Grécia o 13º e o 14º mês de salários são cortados, em Cabo Verde, o Primeiro-Ministro promete o 13º mês. E no afã de gerir as expectativas, com vista a ganhar mais um mandato, não se coíbe de manter as políticas e a atitude de anos atrás, que pouco contribuíram para criar emprego e aumentar o rendimento das pessoas.
A Afrosondagem publicada há dias mostra a insatisfação geral do eleitorado caboverdiano, em 61%, com o Governo, quanto à criação de emprego, justiça, segurança e a luta contra pobreza. De facto, facilmente se constata que a questão do emprego não é prioridade nos discursos dos governantes. Falam de financiamentos, da credibilidade do país e dos meios disponibilizados mas põem em segundo plano emprego e mercado para os produtos. Emprego, quando referido, é como algo a resultar automaticamente da formação profissional. A realidade porém é outra. Segundo o engenheiro António Canuto, citado pela Inforpress de 16/5/2010, “Aquelas formações que nós preparamos em 10 meses ou um ano, nenhum país já precisa. Temos milhares de jovens formados em culinária, electricidade, canalização, que se diz qualificada, mas desempregada”.
Quanto ao impacto dos investimentos em infra-estruturas, suportados na dívida externa, há que ter, citando o economista do Banco Central Péricles Silva, a devida ponderação na hierarquização e prioridade das nossas necessidade/investimentoss mas sobretudo na sua qualidade, não se criando elefantes brancos tendo em conta os efeitos futuros”(Asemana, 14/5/10). Uma ponderação difícil, particularmente quanto se procura conciliar as razões do governo português, em criar as linhas de crédito, que são as de subsidiar as exportações e apostar na internacionalização das suas empresas, e as razões caboverdianas, que, em tese, deviam ser de criar emprego, densificar o tecido empresarial nacional e provocar o maior efeito de arrastamento no resto da economia. E não está a resultar. O crescimento continua fraco, o desemprego aumenta, as empresas nacionais lutam por sobreviver e a dívida agiganta-se. Interpretando a intenção dos 41% no Afrosondagem que dão nota positiva ao programa de infra-estruturas, parece que só o Governo está a ganhar.
A Crise Financeira de 2008/9 não serviu para Cabo Verde sair do seu torpor habitual e questionar porque aproveitou tão pouco do tempo das vacas gordas. A Crise da Dívida Soberana de 2010 é mais um aviso do que pode acontecer quando um País não tome a sério os seus desequilíbrios externos. Mostra como podem falir, caso da Argentina em 2000 ou ver-se à beira da falência como acontece agora com a Grécia.
A oportunidade nos dois momentos de se discutir as opções do País é desperdiçada por razões de apego ao Poder, a todo o custo. Com tal propósito, usa-se e abusa-se de recursos do Estado para impedir discussão e propagandear posições que só enaltecem o governo e mantêm a sociedade e o País presos na miragem da ajuda e da cooperação. Deixa-se por renovar, durante meses e anos, mandatos de administradores e do próprio governador do Banco Central (BO II Série de 12/5/2010). O que pode indiciar tentativas de condicionamento de instituições fundamentais para manutenção de confiança no País. Recrudesce-se a campanha contra as câmaras, recorrendo a ministros, deputados e serviços desconcentrados do Estado, para passar às populações que a responsabilidade pela estagnação económica e pelo desemprego não é do Governo da República, mas sim dos autarcas.
Uma segunda crise ameaça a Europa e o mundo. Será desta que os caboverdianos irão equacionar seriamente o futuro?
1 comentário:
Estou, quase, em absoluto acordo com a sua leitura da situação, caro Humberto. Porém, não alinho no catastrofismo do cenário de falência greco-argentino.
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