A forma como foi demitida a direcção do ISECMAR mostrou a verdadeira face do espírito centralizador que domina a Universidade Pública de Cabo Verde. Aliás, já nem se trata do ISECMAR. O Instituto Superior de Engenharia e Ciências do Mar já há algum tempo que desapareceu para dar lugar a um departamento de Engenharia e Ciências do Mar da UNI-CV, criada por decreto legislativo em 2006. É uma história de mais de vinte anos de uma instituição de ensino superior, nascida como Centro de Formação Naútica, com cursos certificados pela International Maritime Organization (IMO) e formadora de centenas de profissionais distintos e reconhecidos em vários sectores da marinha mercante, das pescas, da gestão portuária, das telecomunicações e da engenharia mecânica, que foi praticamente anulada. Em contrapartida, dá-se-lhe o estatuto de “departamento” na universidade recém-nascida. E determina-se que tudo passa a ser ditado da Reitoria sediada na Capital, incluindo o recrutamento dos professores. Universidades em todo o mundo são bastiões do conhecimento, de ensino superior e de investigação. Para realizarem a sua missão nesses domínios têm que gozar da mais ampla liberdade intelectual e liberdade de expressão. Autonomia administrativa e financeira e independência do poder político são condições indispensáveis para isso. A eleição dos seus vários órgãos a começar pelo reitor e directores das faculdades, dos institutos e das escolas, mas também dos órgãos colegiais de direcção pedagógica, científica e de investigação garante que a instituição não se deixa esclerosar pelo espírito de centralização e gestão autoritária de quem no momento dirige. Muito menos se deixe apanhar pelos interesses partidários de quem governa o País. A forma como foi criada a universidade pública de Cabo Verde determinou que muito do se esperava de uma instituição de ensino superior fosse sacrificado. As opções do Governo sobrepuseram-se a tudo e a instituição ficou marcada por isso. Em vez de se ter uma universidade organizada em Faculdades, Institutos e Escolas, todas dotadas de personalidade jurídica pública e de autonomia administrativa e financeira optou-se por departamentos subordinados à reitoria. O resultado é o que aconteceu com o ISECMAR e outros institutos de ensino superior. Foram engolidas pela nova entidade num processo em que provavelmente perderam muita da experiência, da cultura institucional e dos laços com a comunidade que as marcaram como instituição. Estranho é que depois se venha pedir que o resta delas faça parte de “clusters” do Mar e outros “clusters”que as fantasias dos governantes vão criando. Esquece-se que o papel de criação, investigação e de inovação que é esperado de estruturas de ensino superior nos clusters não é compatível com negação de liberdade intelectual, ausência de autonomia e percepção de humilhação derivada de insensibilidade para com a história, as realizações e o papel da instituição na ilha ou na região. Mas não só as instituições públicas que sentem a pressão centralizadora e monopolista da universidade pública. Também as instituições privadas de ensino superior queixam-se da arrogância e da cultura de unicidade de que normalmente são imbuídas as instituições públicas em Cabo Verde. E os danos não ficam por aí. A própria diversidade do País é frontalmente posta em causa, quando se impede que nas diferentes ilhas, escolas públicas de ensino superior tenham autonomia. Nega-se também a diversidade quando se inibe o desenvolvimento de uma elite intelectual e científica com obstáculos à assunção plena da instituição por pessoas representativas do seu envolvimento com a comunidade seja no ensino, na investigação, na consultadoria e no suporte de actividades económicas da região. A luta por uma universidade pública realmente nacional passa pelo exercício da liberdade intelectual, pela autonomia da universidade e das suas unidades orgânicas, pelo respeito da diversidade e pela afirmação do princípio de excelência.
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