Todo o país pôde ouvir pela rádio e pela televisão um polícia da Calheta de São Miguel a ameaçar “arrebentar” com a câmara da RTC se a equipa prosseguisse com as filmagens. O passo seguinte da polícia foi deter o operador de câmara e conduzi-lo algemado à esquadra. O incidente terminou com o profissional da comunicação social a assinar um pedido de desculpas em troca de liberdade. A Associação dos Jornalistas de Cabo Verde (AJOC) considerou a matéria como grave e um atentado à liberdade de imprensa e solicitou explicações do director da Polícia Nacional. Está por vir a resposta.
Da polícia espera-se que se coloque na primeira linha de defesa dos direitos dos cidadãos. Para isso deve cumprir estritamente a lei na forma como interage com as pessoas tendo sempre presente o princípio de proporcionalidade na utilização da força, seja na manutenção da ordem pública, seja no combate à criminalidade. A polícia num Estado de Direito democrático não “arrebenta” com coisas ou pessoas. Não humilha cidadãos. Não extrai declarações de desculpa de pessoas detidas para as soltar. Acções da polícia que configuram atentados contra a liberdade de imprensa são de gravidade acrescida. Presume-se que queira esconder do público situações de abuso de poder.
Silêncio tem sido a resposta recebida das autoridades policiais às múltiplas denúncias de abusos. Mesmo quando estas têm eco em relatórios internacionais de direitos humanos como o do Departamento do Estado americano. Até recentemente o Governo parecia defender esse silêncio. O entendimento talvez era que não inspeccionar os actos da polícia ajudava a manter o moral e a corporação saía reforçada. A realidade porém vivida é de aumento da criminalidade, de crescente sentimento da insegurança e da falta de confiança das comunidades na polícia. Com a ineficácia, cresce proporcionalmente a arrogância. Esconde-se a incompetência e afirma-se estar acima da Lei.
Nos últimos meses o país tem constatado o avanço em sincronia da arrogância, do autoritarismo e da incompetência. Vê-se todos os dias em matéria de energia, água e segurança. Viu-se nas eleições presidenciais como a má gestão de processos conduz a extremos inibidores de discussões serenas no seio de partidos, retirando-lhes a função principal de dinamizar a procura de soluções para o país. A arrogância não deixa que se aprenda com os erros e se assaquem responsabilidades. O autoritarismo convida a que se enverede por atalhos perigosos em vez de trilhar o caminho aberto e transparente seguindo procedimentos conhecidos e aceites por todos.
O discurso do Sr. Primeiro Ministro na Assembleia Geral das Nações Unidas feito em crioulo é mais um exemplo de voluntarismo político que não olha a meios para atingir os seus fins. O PM falou no maior fórum das Nações numa língua que, por Lei, não é a língua oficial de Cabo Verde. O PM decidiu ultrapassar o Parlamento que, em Fevereiro de 2010, em sede de revisão constitucional, tinha concluído que ainda não estavam reunidas as condições para a oficialização do crioulo. Não mediu as consequências tanto internas como externas do acto. Fica-se por saber em que língua da ONU os outros países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) seguiram o discurso de Cabo Verde.
O autoritarismo crescente do Governo nota-se a cada passo. Inventa sabotadores para explicar problemas na Electra, ameaça de perda de trabalho os não apoiantes do candidato preferido, encolhe os ombros perante acusações de desmandos policiais, encoraja tácticas excessivas e contraproducentes no combate à delinquência juvenil e financia organizações sociais para manter a população arrebanhada e útil em tempos eleitorais. Paralelamente usa meios de marketing político para passar uma espécie de ideologia do Estado que pouco espaço deixa aos princípios e valores constitucionais de dignidade humana, liberdade e justiça. Todas as oportunidades são boas para se banhar em nostalgia e sentimentos de gratidão para com o percurso independentista e, assim, justificar-se na presente deriva autoritária. Mas o desnorte é evidente e urge repor os equilíbrios de poderes que a Nação considerou dever existir na Constituição, já com 19 anos de existência, para que a caminhada rumo à prosperidade na Liberdade prossiga sem sobressaltos.
Editorial do Jornal “Expresso das Ilhas” de 28 de Setembro de 2011
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