quarta-feira, março 28, 2012

Acabar com destinos marcados



Nº 539 • 28 de Março de 2012
Editorial:
Março é o mês das mulheres. Celebra-se a luta para libertar metade da humanidade da opressão masculina e de um destino de pobreza, de ignorância e de humilhação. Passos extraordinários neste domínio foram dados a partir de meados do século passado. Mulheres passaram a ter direito de voto, direito à educação e direito ao trabalho fora do espaço doméstico. Ao longo do processo constatou-se que modernidade e respeito pela dignidade da pessoa humana como prometida pela democracia liberal só são possíveis com o fim dos entraves à plena realização da mulher em todos os aspectos da vida política, social, económica e cultural. Também ficou claro que vitórias conseguidas deixavam no seu rasto resistências múltiplas. De facto, o progresso da mulher nos últimos cem anos encontrou objecções diversas que procuraram justificar-se na tradição, na religião e nas exigências da procriação. Em nome da luta contra uma modernidade considerada alienante, houve quem quisesse confinar as mulheres tolhendo-lhes os passos e limitando-lhes as formas de expressão a começar pelo vestuário. Em nome da tradição há quem ainda incite à mutilação genital roubando a mulher da capacidade da realização plena da sua sexualidade. E também há quem queira inverter as conquistas das mulheres quanto ao controlo do seu corpo e da sua capacidade reprodutiva e arremeta contra as leis do aborto e procure limitar o acesso aos métodos anticoncepcionais. Em todas as sociedades, sejam elas desenvolvidas ou pobres, existem tais forças e constituem um factor importante de atraso. Em Cabo Verde, os ganhos na emancipação da mulher são significativos. O crescente e abrangente acesso à educação básica, liceal e universitária verificado nos últimos vinte anos catapultou toda uma geração de jovens mulheres para posições importantes e mesmo cimeiras no mundo da política, da administração pública e dos negócios. O impacto disso sente-se na atitude da generalidade das pessoas. Não há percepção de que cargos, posições ou profissões devem ser vedados às mulheres. Nota-se porém uma discrepância no que toca à percentagem de mulheres nos cargos políticos eleitos e não eleitos. No governo, órgão não eleito, já se atingiu 50% dos membros, enquanto no parlamento só se conseguiu chegar a 20% e ainda menos nas câmaras municipais. Outros factores parecem afectar a decisão das mulheres em se candidatarem. Poderá faltar alguma motivação pessoal para enfrentar o ambiente de stress típico das campanhas. Se assim for não, será por simples legislar quotas para as mulheres nas listas de candidatos que se vai ultrapassar a questão. A pobreza continua a ser o maior obstáculo à emancipação das mulheres, em particular no meio rural. A pobreza obriga a longas horas à cata de água e lenha retirando disponibilidade e energia para tarefas mais produtivas. A pobreza propícia o abandono escolar privando de oportunidades futuras muitas meninas. A pobreza ajuda a manter círculos viciosos de abuso doméstico não deixando saída que não signifique mais dificuldades. A pobreza não favorece a aplicação da lei sobre a Violência com Base no Género lançando em situação muitas vezes mais complicada aqueles a quem a lei procura proteger. O progresso na luta pela igualdade da mulher deve caminhar em paralelo com avanços na luta contra a pobreza. Dignidade na vida, na sociedade e no trabalho é inseparável de se ter uma existência em que o emprego produtivo ocupe uma posição central. Deve ser tarefa fundamental de qualquer governo tirar as pessoas e em particular as mulheres caboverdianas da situação da dependência, do assistencialismo e libertá-las da armadilha da pobreza extrema. É na retoma da esperança num futuro melhor, longe da opressão diária e de destinos marcados, é que se pode trilhar o caminho da dignidade, da autonomia e da afirmação pessoal.

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