Nº 541 • 11 de Abril de 2012
Editorial:
O Governador do Banco de Cabo Verde foi
finalmente ouvido em sede da Comissão Especializada da Assembleia Nacional.
Foram precisos quatro meses para os deputados ultrapassarem as suas diferenças
e acertarem nos procedimentos a seguir. Enquanto isso, a Nação ficava à espera
de ser esclarecida sobre questões importantes da vida do país. Já em Novembro
fez falta uma audição parlamentar na sequência da apresentação do relatório da
Política Monetária pelo BCV. Muitas interrogações surgiram, quando o Primeiro Ministro
e a ministra das Finanças reagiram com palavras azedas aos conselhos do BCV
para se adoptar políticas de contenção orçamental e fazer reformas para
competitividade a fim de se garantir reservas externas indispensáveis ao Acordo
Cambial. Conselhos, aliás, repetidos logo de seguida pelo FMI. Nos fins de
Dezembro, com o desenrolar da operação Lancha Voadora e a prisão preventiva do
presidente da Bolsa de Valores, o ambiente de muita inquietação e de ansiedade
geral clamava por esclarecimentos sobre o estado do sistema financeiro. O mais
normal é que o BCV, pelo seu estatuto e competências em matéria de supervisão
bancária e dos valores mobiliários, fosse ouvido de imediato. Vários meses
passaram entre o pedido de audição do governador e a realização do mesmo. Ao
longo desses meses de tricas e futricas parlamentares até o encontro na
Comissão Especializada ouvia-se sempre ao alto a voz do Primeiro-ministro a
dizer que não havia problemas em fazer a audição. Mas, paradoxalmente, nada
acontecia. Quando finalmente se concretizou, a surpresa de todos foi que o
Governador do BCV e os deputados da maioria se mostraram relutantes em
esclarecer a nação sobre as razões próximas que tinham desencadeado o processo
da audição. Da parte da situação, provavelmente a vontade era de repetir o que
o PM em entrevista conveniente na TCV no dia anterior já tinha antecipado: “O
nosso sistema financeiro é sólido e digno de confiança”. O apelo à ponderação
que o PM faz à casa parlamentar configura quase um pedido para uma autocensura
dos deputados. Na lógica do que disse à TCV até parece que o exercício do
pluralismo, um dos princípios basilares da Constituição da República, pode
prejudicar os interesses superiores da nação e há que coibi-lo. Se esse é o
pensamento da maioria, compreende-se porque muitas vezes o parlamento falha em
fiscalizar tempestivamente as acções do governo e em criar condições para o
esclarecimento cabal do público no decurso do debate contraditório. A bancada
da situação estaria a proteger o interesse público na perspectiva do governo do
que vê como sanha da oposição. Não reconhece na expressão de quaisquer outros
pontos de vista a vontade de realização do bem público e nacional. Mas facto é
que a Nação precisa de um parlamento vivo, interventivo e fiscalizador da
actividade governativa. Exemplo disso é a taxa ecológica que vai outra vez ao
parlamento porque em primeiro lugar se legislou mal sem a devida ponderação das
suas consequências, designadamente na competitividade das empresas nacionais. O
mesmo já acontecera com o imposto do selo. O governo apressa legislação no
parlamento muitas vezes sem razão aparente e a maioria facilita. O resultado:
não se ouvem instituições, entidades diversas e personalidades que podiam
contribuir para se ter a legislação que mais se adeqúe à realidade do país e às
necessidades de regulação dos diferentes sectores. O nosso sistema político é
construído para se ter uma maioria no parlamento a suportar o governo e uma
oposição actuante e efectiva. A maioria não se deve confundir com o governo sob
pena de prejudicar o parlamento, enquanto órgão de soberania no quadro da
separação e interdependência de poderes e desequilibrar o sistema. Por isso,
não é próprio nem curial que se procure submeter o parlamento aos ditames do
governo. A Nação precisa do funcionamento pleno do parlamento. Aí é que ela
está representada “no seu pluralismo, na diversidade de interesses, no
antagonismo, compromisso e consenso de ideias”.
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