Nº 550 • 13 de Junho de 2012
Editorial:
Negligência criminosa?
É costumeiro dizer-se que “quem se habitua
a viver de esmolas dos outros não dá valor ao que porventura tenha ”. Acontece
com pessoas, mas também com países. A insistência na reciclagem da ajuda
externa como modelo de desenvolvimento dificilmente deixaria de ter
consequências graves no comportamento dos governantes e da administração
pública e na psique colectiva do povo. Uma delas é precisamente a dificuldade
em potencializar os parcos recursos existentes, sejam eles naturais ou humanos,
de forma a resultar em crescimento e emprego significativo para a generalidade
da população. Os recursos marinhos e particularmente os ligados à pesca são das
poucas riquezas naturais de Cabo Verde. O aproveitamento que se faz deles é
mínimo não obstante os enormes investimentos feitos ao longo de décadas.
Consumiu-se a ajuda externa ligada aos múltiplos projectos do sector, mas os
resultados foram sempre pouco significativos e quase nunca sustentáveis. Hoje,
o sector das pescas continua sem o peso e projecção que poderia ter no âmbito
da economia nacional se tivesse sido objecto de uma intervenção estratégica do
governo virada para exportação. Uma intervenção que conduzisse ao aumento da
capacidade de captura nacional e a um maior envolvimento da população laboral
na transformação do pescado. O Governo, há dias, veio regozijar-se com mais
três anos de derrogação dada pela União Europeia à cláusula que exige que as
conservas da Frescomar que chegam ao mercado europeu tenham pescado
caboverdeano. Pergunta-se como se desperdiçaram os quatro anos anteriores e não
se construiu capacidade pesqueira nacional para abastecer uma fábrica
conserveira com mercado garantido. O foco principal do Governo, neste como
noutros sectores da actividade económica, parece não estar no desenvolvimento
empresarial, na criação de riqueza nem no aumento de postos de trabalho. O
outro lado de não se prestar a devida atenção aos recursos do país, como
potenciadores da economia nacional, é disponibilizá-los a outros por acção ou
omissão, sem a devida avaliação e ponderação das consequências actuais e
futuras do acto. Caso paradigmático é o Acordo de Pescas com a União Europeia
que mereceu a desaprovação de vários sectores da sociedade cabo-verdiana e que
finalmente o governo veio timidamente dizer disposto a renegociar algumas
cláusulas. O governo agiu nesse caso dando acesso a recursos do país em troca
de valores discutíveis. E omitiuse favorecendo os predadores dos recursos
quando não organizou a Guarda Costeira de forma a fazer o controlo dos mares e
da zona económica e não priorizou a criação de um sistema efectivo de
fiscalização dos acordos assinados. As denúncias vindas a público da pesca
ilegal do tubarão para extrair as barbatanas exemplifica como acções avulsas e
omissões podem levar a abusos com consequências graves para o país. Ao se
aceitar uma percentagem de pesca acidental de tubarão (sem ter os meios de a
fiscalizar) abriu-se uma fresta para uma actividade de longe mais lucrativa que
a simples pesca do atum. Não é à toa que a porta depois foi escancarada. O
resultado vê-se nas descargas de várias toneladas de tubarão no Porto Grande de
São Vicente e que aparentemente as autoridades ignoraram ou se esquivaram a
confirmar até que associações de defesa do ambiente trouxeram os factos para a
opinião pública. No imbróglio que se seguiu mais uma vez foi visível a
tentativa do governo em fugir à responsabilidade, relativizando a gravidade da
situação com frases como “a pesca ilegal faz-se em todo o mundo”. Também, como
de costume, as tentativas de desresponsabilização são acompanhadas de fugas em
frente e anúncios de iniciativas, designadamente o cluster do mar, criação de
núcleos operacionais e observatórios que, pelas experiências passadas, pouco
têm contribuído para aquilo que as pessoas realmente precisam: prosperidade com
mais negócios, mais empresas e mais empregos.
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