Editorial Nº 549 • 6 de Junho de 2012
Tiro no pé
A semana anterior
foi um desastre para o Governo. Procurou por todas as formas dissuadir os
trabalhadores e os sindicatos de se manifestarem e falhou. A nomeação do marido
da ministra de Juventude para o cargo de administrador executivo do INPS
revelou-se a gota de água que fez transbordar o copo. São insistentes os
pedidos de demissão da ministra vindos da sociedade normalmente quieta e muda.
Algo parece ter mudado definitivamente e todos apercebem-se de que o “rei vai
nu”.
No conflito com trabalhadores e sindicatos veio à tona a questão
central da democracia: representação deve se ser sempre acompanhada da
responsabilização. Ganharam-se eleições com promessas concretas entre as quais
a do 13º mês e do salário mínimo. Não há como fugir ao prometido sem que haja
uma ruptura séria na relação de confiança entre o governante e o cidadão comum.
Certas justificações pela quebra de promessas roçam a desonestidade e só
alimentam um cinismo geral em relação à política e aos políticos. Nestes tempos
críticos de procura de soluções colectivas para a crise nenhuma sociedade pode
dar-se ao luxo de esgotar ainda mais o seu capital social permitindo que o
discurso público seja contaminado por inverdades deliberadas.
Há uma diferença fundamental entre a Constituição de 1980 e a
Constituição da República de 1992. Os direitos dos cidadãos, designadamente, os
de expressão, reunião e manifestação não estão subordinados a “razões de
Estado” como antigamente. Pelo contrário, a sua existência e afirmação
constituem limites inultrapassáveis do poder do Estado. O governo esteve muito
mal em erguer o espectro da instabilidade política para dissuadir os cidadãos
de exercer o seu direito de contestar e de se indignar por promessas eleitorais
reiteradamente feitas e não cumpridas. Também andou por caminhos duvidosos
próximos da demagogia quando invoca o feriado das crianças para, de forma
maliciosa, condenar quem convocou ou aderiu à manifestação geral.
A relação do governo com a sociedade sofreu também, quando se
tornou evidente que os limites aceitáveis tinham sido ultrapassados na nomeação
do cônjuge da ministra de tutela do INPS para administrador executivo dessa
instituição pública. A reacção rápida do governo apanhado em falso em conseguir
a demissão do recém-nomeado não alterou os dados da questão. O problema não era
fundamentalmente seu, mas realmente de quem foi investido de poder político
para o nomear. Por isso a resposta de “não comento” da ministra aos jornalistas
deixou a todos perplexos. Já se demitiu quem não tem a responsabilidade pela
nomeação inapropriada. Espera-se naturalmente que quem de direito assuma a
responsabilidade pelo mal feito.
O campo de manobra do Governo dá sinais de estar a diminuir
consideravelmente. Erros acumulam-se e as questiúnculas internas do partido
que suporta o governo aumentam de intensidade. A população mostra-se cada vez
mais céptica às promessas de que, por exemplo, a situação da energia vai
melhorar, as perspectivas de emprego vão se concretizar e que, de facto,
haverá casa para todos. Há uns sentimentos generalizado que, após as
autárquicas, e passado o actual esforço de ilusionismo eleitoral, as
dificuldades vão mostrar o seu verdadeiro rosto.
A desconfiança que resulta do não cumprimento de promessas
eleitorais e da não assunção da responsabilização pelos resultados da
governação quando se estabelece entre governantes e governados prejudica o país
particularmente nos momentos críticos. Nos tempos actuais, urge ter uma governação
que prima pela verdade e honestidade para se poder construir a vontade
colectiva necessária para vencer os desafios extraordinários que se impõem.
ADirecção
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