Editorial Nº 574 • 28 de Novembro de 2012
De professor de
vigário
a ajudante de missa?
O artigo do Dr. Carlos Burgo, no jornal a nação de 22
de Novembro, surpreendeu. Dias antes, o Banco Central tinha divulgado o
relatório sobre a política monetária com projecções, para o ano 2013,
diferentes das encontradas no relatório da proposta de Orçamento do Estado.
Dias depois teria início na Assembleia Nacional a discussão do OE para o Ano
2013 precedida de amplos debates nos órgãos de comunicação social, nos quais o
desagrado pelas medidas e propostas ficou patente. Em tal ambiente, o
pronunciamento público do governador do BCV, pelo momento escolhido, pelo tema
versado e pela forma de abordagem podia induzir as pessoas a pensar que a
motivação foi política.
Discutir questões de eficiência do IVA quando
operadores económicos e sindicatos lutam com o governo sobre as pretensões do
mesmo em manipular o imposto para assacar mais receitas das pessoas e das empresas
faz qualquer um estranhar e interrogar-se. A escolha infeliz de tratar o
assunto do IVA conjuntamente com a questão da aplicação do IUP pela câmara
municipal da Praia relembrou o padrão seguido no confronto político em Cabo
Verde, em que a posições do governo são contrapostas as das câmaras dirigidas
pelos partidos da oposição como se órgãos municipais e governo fossem entidades
em pé de igualdade, tanto em responsabilidade, competência e escopo de
actuação. O facto do Sr. Primeiro-ministro o citar em sede de discussão do
orçamento, para suportar a posição do governo, não ajudou a desvanecer as
dúvidas.
No ano passado, do governo para Carlos Burgo e para o
Banco Central só vieram reprimendas aquando da apresentação do relatório da política
monetária. A Ministra de Finanças foi peremptória em dizer que o BCV não devia
pretender “ensinar a dar missa ao vigário”. Isso porque no relatório o BCV
disputou as projecções de crescimento para o ano 2012, colocando a taxa no
intervalo 4-5%, como aliás se veio a confirmar, em vez de 6-7% prometidos pelo
governo. E também porque declarações posteriores do governador deram a entender
que o orçamento era despesista e impunha-se uma certa contenção do Estado no
endividamento interno para se evitar que o sector privado ficasse desprovido do
crédito necessário para dinamizar a economia. Na sequência, o PM fez questão de
rejeitar a austeridade que supostamente estaria a ser proposta pelo banco e
pela oposição. Neste ano depois da apresentação do novo relatório do BCV,
igualmente crítico das projecções do governo, tem-se o acto inédito do artigo
prestimoso do governador. É caso para pensar se de “professor do vigário não
se está a passar para ajudante de vigário”.
A relação do governo com quem dele discorda é sempre
tumultuosa. O Banco de Cabo Verde não é excepção. O Governo cita bancos estrangeiros
para validar as suas posições e faz por ignorar o diagnóstico, os dados e as
projecções do Banco Central. Mas é o BCV que por lei executa de forma autónoma
a política monetária e cambial e é o conselheiro financeiro do Governo. Em
todo o mundo cidadãos e operadores económicos, nacionais e estrangeiros, vêem
as análises e projecções do Banco Central como tecnicamente superiores e
fiáveis porque não são enviesados por ditames políticos e partidários. Em Cabo
Verde, o governo mantém as distâncias, hostiliza como se viu atrás e não se
coíbe de se omitir na renovação de mandatos do governador e de membros de conselho
de administração, num acto que pode configurar pressão ilegítima sobre a
instituição.
A democracia pressupõe a existência de um ambiente
institucional que garante funcionalidade e complexidade ao sistema para que o
Poder e o seu exercício não estejam completamente nas mãos de maiorias conjunturais.
A existência de uma sociedade civil suficientemente autónoma, para se fazer
ouvir, e ousada, para agir a favor de valores como o primado da lei, é
essencial para que as virtualidades da democracia se manifestem e enriqueçam a
todos. Não é o que se tem actualmente em Cabo Verde.
Na sequência da reunião de concertação social viu-se
primeiro o governo a dominar nos media, com a mensagem de que se chegou a um
acordo de concertação, ao mesmo tempo que pretendia ignorar que os sindicatos e
o patronato tinham chumbado o orçamento. Chegado ao parlamento com a lei de OE
não mostrou qualquer disponibilidade em mudar uma vírgula para acomodar as
preocupações de empresários e trabalhadores. A tendência autocrática de não
negociar com ninguém e forçar todos a cederem na sua posição manifestou-se
claramente. É a mesma atitude que se nota em relação às instituições públicas
estatutariamente autónomas designadamente o BCV e as agências reguladoras.
Neste sentido o país vai mal. Como disse Obama na sua visita recente ao Myanmar
“democracia significa limites postos ao Poder”.
A Direcção
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