Nº 573 • 21 de Novembro de 2012
Editorial:
Governo em contra corrente
A proposta do Orçamento do Estado para 2013
está a merecer uma atenção inusitada de todos. É discutida na rua, em casa, com
os amigos e na comunicação social. A preocupação central é o aumento da carga
de impostos. Os sindicatos, os empresários e os partidos da oposição já
revelaram a sua discordância total quanto às medidas propostas. Apontam o
impacto negativo que terão no rendimento das famílias, na viabilidade e
sustentabilidade das empresas e na competitividade do país. O Banco de Cabo
Verde no seu relatório de política monetária de 15 de Novembro mostra o seu
desconforto com as projecções do OE quanto ao comportamento da economia no ano
do 2013. No mar de críticas que tem acompanhado a apresentação do OE só o
governo se mantém em contra corrente insistindo na falácia dos subsídios
cruzados e banhando-se nas declarações de conveniência de entidades
estrangeiras. A dificuldade segundo o BCV centra-se na tentativa de
consolidação das contas públicas pelo lado das receitas ao mesmo tempo que se
deixa crescer as despesas a mais de 16%. Tentativa à partida gorada porque
muito dificilmente a projecção feita de arrecadação das receitas de 18,5% será
atingida. O BCV situa o aumento nas receitas em 7 - 9%. Provavelmente é o que
irá acontecer: a base tributária é pequena e as medidas fiscais irão provocar o
arrefecimento de muitas actividades económica e forçar a migração de outras
para o sector informal. Em tal cenário o défice orçamental será superior ao
projectado, 8,1% em vez de 7,4%, aumentando o risco do país e tornando o
crédito ainda mais difícil e caro. Chegou-se a este ponto não por culpa da
crise internacional como pretende passar o governo. A crise simplesmente revela
e acentua as falhas já existentes na estrutura económica e social e deixa pouca
margem para se continuar a iludir as populações. Mesmo assim há quem tente
manter-se no poder lançando-se num jogo de antecipação em que por um lado
repassa a outrem a responsabilidade pelas deficiências e por outro gere
expectativas fazendo crer às pessoas que poderiam estar piores se não fosse
pela sua “competência” ou “credibilidade”. No caso de Cabo Verde pretendeu-se
primeiro ignorar os sinais da crise, depois sonhou-se com a blindagem e
posteriormente viu-se no endividamento externo a forma de a contornar. Dessa
odisseia pelo ilusório só podia resultar desequilíbrios macroeconómicos graves,
fragilidade da base económica e impreparação do país para os novos desafios.
Quando questionada sobre os clusters que deviam ser os pilares da economia
caboverdiana, a ministra de finanças em entrevista recente classifica o do mar
como o mais dinâmico porque exporta pescado, considera que o das TIC tem
“dinamismo interessante” e constata que os outros dois, aero-negócios e praça
financeira encontram-se num patamar mais atrasado. A ministra conclui que até
que eles venham a ter o efeito de arrastamento da economia, o país terá que se
suportar no turismo. Dez anos de uma “agenda de transformação”deram nisto: uma
economia afunilada e dependente do turismo. E mesmo assim o governo continua a
não ver a economia como prioridade. Parece não lhe custar muito pôr em perigo
todo o sector turístico para conseguir recursos e minorar problemas de
tesouraria. Com tais atitudes não espanta que as dificuldades do país venham da
quebra de donativos e de outras transferências externas e não dos efeitos da
contracção da procura mundial sobre a actividade económica local e as
exportações, como acontece noutras paragens. A impreparação para os novos
tempos é visível na gestão calamitosa do sector de energia e água. Também se
nota na insegurança que grassa e coloca a ilha turística do Sal no segundo
lugar de crescimento da criminalidade. E é cada vez mais evidente na educação
de qualidade duvidosa e na estrutura de saúde pouca adequada às novas necessidades
da população e às exigências de um país que quer receber centenas de milhares
de turistas por ano. Mesmo no que respeita às novas infraestruturas construídas
com endividamento externo é a própria ministra de finanças a reconhecer que o
modelo de governação dos últimos dez anos e quinze anos não se adequa.
Interessante será ver quando poderão gerar crescimento económico para, segundo
a ministra, se poder dizer “se tomamos (ou não) uma má decisão”. Os
caboverdianos esperam ver crescimento económico robusto, mais emprego de
qualidade e oportunidades para o futuro. O governo entra em contra corrente com
as necessidades da população quando a sua atenção está na atracção de donativos
e outros fluxos externos que controla e não na construção da economia nacional.
Pior ainda quando se mostra disposto a correr riscos com certos sectores
simplesmente para arrecadar mais receitas.
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