O pluralismo é sem qualquer
dúvida um dos grandes ganhos da civilização que qualquer sociedade pode
almejar. Suporta-se no direito à liberdade, nutre virtudes como a tolerância e vivifica
o processo político com a profusão de ideias, soluções e alternativas de
governação. O exercício enérgico do pluralismo na sociedade cria a pressão
necessária para que o Estado não extrapole a sua missão de servir a comunidade
e evite transformar-se em predador de recursos comuns e numa ameaça aos
direitos e liberdades dos cidadãos.
O debate do dia 25 de
Fevereiro na Assembleia Nacional sobre o sector agrícola e os desafios do
desenvolvimento futuro do país revelou-se um “não debate”, como já se tornou habitual. Em vez
da avaliação dos problemas actuais do sector como acesso à água, ao crédito, a
apoios tecnocientíficos, a transportes intra e inter-ilhas e a mercados e
circuitos comerciais valorizadores dos produtos agro-pecuários ficou-se em grande
parte pela comparação estéril de governos e acções governativas separadas por
décadas.
Independentemente de como
cada um dos sujeitos parlamentares contribuiu para isso, sucumbindo-se a
tácticas de desvio do debate, uma coisa é certa: a Nação não viu esclarecida a
situação actual, ficaram por compreender os desafios do momento e não foram
avaliadas alternativas de solução. Naturalmente que é do governo que, pelas
suas responsabilidades, se devia esperar maior engajamento para que o debate se
fixasse sobre a actualidade e o tempo que lhe resta de mandato. Estranha-se por
isso a paixão com que os membros do governo se entregam a discutir décadas e
governos passados. Enveredando-se por esse caminho, o Parlamento falha em
fiscalizar o governo e em fornecer no contraditório o sentimento da nação
quanto aos problemas do presente e as suas expectativas para o futuro.
O bloqueio do processo
político plural em sede parlamentar tem consequências graves na sociedade e no
Estado. Produz intolerância e instiga o medo. Liberdades são coarctadas,
iniciativas inibidas e frustrações alimentadas. As pessoas muito
relutantemente querem parecer diferentes e ser tomadas como críticos ao poder
instituído. Também sofre a confrontação de ideias e de projectos políticos necessária
à criação de alternativas de governação. Literalmente a comunidade é roubada da
sua dinâmica e condenada a ficar-se pelos métodos conhecidos na resolução dos
seus problemas. Se isso em abstracto é grave, na situação actual de crise
internacional e de renovação das formas de comércio, manufactura e de prestação
de serviço sob impulso de mudanças tecnológicas rápidas é de uma
irresponsabilidade sem paralelo.
Dos partidos políticos em
democracia espera-se que, enquanto espaços privilegiados de participação,
sejam viveiros de ideais, saibam canalizar energia e ambições de indivíduos no
sentido de excelência e fomentar uma cultura de serviço nos seus dirigentes,
indispensável à consecução dos papéis alternados de governo e oposição que são
chamados a cumprir. O país deve poder beneficiar de toda essa actividade com
visões múltiplas do que pode ser o futuro e com gente com competência
política, executiva e engajamento à vida pública.
As mudanças de lideranças são
momentos importantes para os partidos inventariarem o que de melhor têm para
oferecer ao país. A preocupação dos partidos do arco do poder em se mostrarem
coesos antes de partirem para a renovação pode não ser a atitude mais própria e
útil. Quer-se ver coesão do partido à volta de uma liderança, mas depois dela e
da sua plataforma política ter sido, no confronto intra-partidário, sufragada
pela maioria dos militantes. Uma liderança dessas no governo dá mais garantia
de sintonia e unidade de acção do que aquela derivada de compromissos pouco transparentes.
Fechar-se para o diálogo interno não traz vantagens nem aos partidos nem ao
país particularmente se se precisa de novas ideias para melhor enfrentar a
actual conjuntura nacional e internacional em mutação rápida.
Prejudica particularmente o processo
político actual o ataque sistemático à governação dos anos noventa. Primeiro,
porque sendo descabido e estéril só leva à polarização partidária bloqueadora
do sistema político. Segundo, porque partindo do ano 2013 e de actores
políticos dificilmente fará justiça aos factos, ao contexto e à informação
então disponível aos governantes. Terceiro, porque em questionando o legado de
um governo eleito por duas vezes com maioria qualificada superior a dois terços
e que fez as reformas políticas e económicas em que se suporta o Cabo Verde
moderno impede-se a consolidação do consenso básico sobre os fundamentos da
república e a possibilidade das forças políticas trabalharem juntas para
garantir ao país um futuro de liberdade e desenvolvimento. Há que empurrar o
Cabo Verde para além deste impasse.
Humberto Cardoso
Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 27 de Fevereiro
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