quarta-feira, junho 05, 2013

Corrigir o rumo



A declaração de Yokohama de 3 de Junho adoptada na sequência da 5º Conferência Internacional de Tóquio para o Desenvolvimento da África (TICAD V) constituiu uma promessa do Japão para promover o sector privado como via a seguir para se atingir crescimento sustentado. Para o Primeiro-ministro Shinzo Abe o caminho a seguir deve ser o do winwin. Aquele em que todos ganham. Japão luta para sair de mais de uma década de estagnação económica numa conjuntura em que as grandes locomotivas da economia mundial como a União Europeia e os Estados Unidos se debatem com crescimento rasteiro. Parte da sua estratégia é contribuir para a dinamização de outros potenciais centros de crescimento de forma a aumentar o volume global do comércio entre as nações. Considerando o ponto em que se encontra actualmente e o potencial que oferece, a África perfila-se como o alvo óbvio para isso. A ideia de substituir “Ajuda por Comércio” atravessa toda a referida declaração. Por isso é que põe enfase no sector privado, no crescimento inclusivo, na criação de infraestruturas e na capacitação dos recursos humanos nos domínios da ciência e tecnologia. Pretende-se que se consolidem as instituições e o Estado de Direito para que os indivíduos se sintam confiantes para investirem a sua energia, criatividade e também poupanças na expectativa de um retorno justo. Quer-se incutir a ideia de que é fundamental que todos prosperem e contribuam para o enriquecimento da nação. Os 34 bilhões de dólares prometidos para o quinquénio (2013-2017) são para cumprir tal desiderato como se pode ver pela consignação de 20 bilhões para promoção do sector privado, melhoramento do clima de negócios e de investimento e os restantes 14 bilhões para infraestruturas e desenvolvimento do capital humano. Não deverão juntar-se a outros pacotes que no passado deram obras de prestígio, elefantes brancos e bem-estar às elites controladoras do aparelho do Estado, deixando uma boa parte da população na pobreza, outra marginalizada ou em estado de desemprego “estrutural”. Joseph Stiglitz, Prémio Nobel da Economia, presente nos seminários sobre o desenvolvimento industrial da África organizado no quadro da conferência TICAD 5 insistiu com participantes dos 51 países africanos presentes para que retirassem as devidas lições das políticas de crescimento dos países do sudeste asiático. A opção de fazer das exportações de bens e serviços o motor da economia empurrou-os para os caminhos da industrialização e da diversificação da base económica sempre atentos às suas vantagens comparativas. Não desdenharam a ajuda internacional, mas focalizaram-se no comércio com o exterior. No processo, serviram-se dos donativos não para perpetuar economias de reciclagem de ajudas mas para, em conjugação com impulsos próprios de vária ordem, melhor implementar a estratégia central do país de ganhar competitividade externa, alargar mercado e atrair capital estrangeiro. Cabo Verde é classificado pela revisa Economist como o maior recipiente de ajuda per capita no mundo, muito à frente do Haiti ou de Timor Leste. Vê-se o que fez com tal privilégio. Quase quarenta anos após a independência ainda não abandonou o modelo de reciclagem. O motor da economia ainda é o consumo interno induzido por transferências externas como donativos, empréstimos públicos concessionais e remessas de emigrantes. Se hoje a crise afecta o país não é essencialmente por quebra da procura externa, mas porque os doadores tradicionais vivem “tempos de vacas magras”. O problema é que a grande tentação em prosseguir o mesmo caminho. Perante resultados que põem o país à beira de uma recessão económica e com maior taxa de desemprego dos últimos anos, a atitude do governo é “não assumir nada, culpar os outros e anunciar sucessos futuros”. Promessas de apoio internacional são celebradas e apresentadas à sociedade como prova de que o governo continua a ser capaz de manter a ajuda externa e a economia que dela depende. Reproduz-se a mensagem mesmo quando a linguagem governamental aparentemente não a passa porque está adaptada às exigências dos tempos e à preocupação dos doadores em substituir “ajuda por comércio”. Vê-se na prática no baixo nível de competitividade e no ambiente de negócios pouco propício ao investimento e à atracção de capital externo. Mais de 60 milhões de dólares disponibilizados pelo Japão é o que já se apregoa ser o resultado da participação do Primeiro-ministro na conferência de Tóquio. Pelo tom, pelas já anunciadas aplicações e pela insistência na retórica dos clusters, que dos quatro iniciais já vão em sete, apercebe-se que nada de fundamental vai mudar no curso de governação do país. O facto das previsões de crescimento de Cabo Verde para 2013 situarem-se entre -1,5 e 1 % muito abaixo da média da África situada em 5% não parece ser razão suficientemente para corrigir o rumo da governação. Muito menos para mudar a atitude da sociedade no sentido de um maior engajamento com o mundo e para longe do conformismo que rouba as pessoas a iniciativa, aumenta a frustração colectiva e reforça a dependência do Estado. Que enorme desperdício!

Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 5 de Junho de 2013

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