quarta-feira, julho 31, 2013

Nação conformada?



O debate sobre o Estado da Nação acontece este ano quando já não há dúvidas para ninguém que Cabo Verde cresce pouco, que o desemprego grassa e que a dívida ficou pesada. Esperar-se-ia desta vez e por essa razão que no confronto Governo/Oposição no Parlamento fossem tiradas ilações da crise e inventariados caminhos para contenção dos seus efeitos e para retoma de crescimento. Provavelmente não vai acontecer.A postura do governo não se alterou.

O primeiro-ministro considera-se um “homem feliz” com as inaugurações dos últimos meses. O governo em antecipação do debate justifica com a crise internacional os resultados negativos do crescimento e do emprego e promete continuar a prosseguir na mesma linha de actuação com a sua agenda de transformação.Produzem-se discursos que parecem convidar o país a conformar-se com o crescimento rasteiro. A dívida pública de 95 por cento e a baixa no rating internacional são relativizadas e considera-se pessimista quem chama a atenção pelos parcos resultados da governação e a vulnerabilidade visível do país perante choques externos. Nestas condições, dificilmente se poderá debater de forma produtiva. As partes não acordam no princípio básico que todos têm direito à sua opinião, mas ninguém tem direito aos seus próprios factos.

Essencial para se manter a capacidade de aprender com os erros e de encontrar soluções é ter sempre presente os princípios básicos de que acções trazem consequências e que causas produzem efeitos. Quando mentalmente se faz o corte não há como, nem quem responsabilizar por factos, acontecimentos ou situações. Também fica-se impedido de fazer correcções, de controlar estragos ou mesmo de potenciar eventual impacto de medidas tomadas. Perde-se em eficiência e eficácia. E abre-se o caminho para se adoptar uma ética de intenções em vez de uma ética de responsabilidade, quando é esta que se requer dos governantes. Como já foi dito “de boas intenções está o inferno cheio”.

A ofensiva mediática de inaugurações e anúncios de obras futuras levada a cabo nas últimas semanas antes do estado da Nação, a exemplo de outras em momentos eleitorais, teve como objectivo cimentar na mente dos cidadãos a desconexão entre acção e consequência, causa e efeito, custo e benefício. Inaugurações são apresentadas não como início de algo produtivo, congregador de esforços e facilitador de iniciativas, mas essencialmente como o coroar de processos de financiamento num quadro da reciclagem da ajuda externa. Terminado um projecto a atenção é virada para o próximo. A cultura que assim se estabelece é a de que obtêm-se ganhos não na operacionalização dos projectos, mas sim na sua montagem: ganhos à cabeça. Em simultâneo induz-se na população a ideia de que governos devem ser avaliados pela capacidade demonstrada de ir buscar novos financiamentos e não pela utilização eficiência e eficaz dos recursos disponíveis.

Diz-se que governar é escolher, é priorizar e é sequenciar e encadear acções num quadro estratégico claro para obter resultados mensuráveis em quantidade e qualidade e a custos mínimos. Algo vai muito mal quando previsões de crescimento e emprego não se concretizam, a dívida ameaça tornar-se insustentável e o governo que tem um mandato e um programa sufragado não assume a responsabilidade plena por isso. Contenta-se com anúncios de clusters, hubs e centros de transbordo em grande parte frutos de imaginação sem correspondência com actos e decisões de investimentos de agentes privados interessados e muito menos na identificação dos mercados de exportação a que presumivelmente deveriam servir.

A exemplo do que se tem verificado em vários países, a crise internacional afectando os países cada um à sua maneira deveria ser a oportunidade de ouro para um diálogo rico e no contraditório que ajudasse a desvendar os caminhos para a nova etapa nas relações económicas mundiais. Não tem sido. E a incapacidade de o fazer mesmo quando os problemas afectam claramente a população e deixam-na basicamente indefesa e exposta aos rigores do mundo de amanha cada vez globalizado denota ou estreiteza de visão ou tendência hegemónica incompatível com o pluralismo democrático.

Já devia ser claro para todos que o desafio de desenvolvimento em Cabo Verde deveria conduzir a um entendimento entre as partes políticas. O exemplo vem de países como Singapura e Maurícias, sociedades etnolinguísticas diversas que souberam ultrapassar tensões históricas e encontrar caminho comum para as políticas de grande alcance que ao longo de décadas se mostraram necessárias para manter altos níveis de crescimento da economia nacional. Em Cabo Verde a persistência de um certo conformismo político e social, consequência em grande parte do modelo de reciclagem de ajudas, não ajuda ao diálogo. A política que dele se alimenta é o do jogo de soma zero que por definição é avesso a qualquer debate aberto e construtivo. Que a nação cabo-verdiana saia deste debate menos conformada, mais ciosa da importância da diversidadedo país e pouco tolerante da política que não dialoga, foge da responsabilidade e não prioriza o crescimento e o emprego.


EditoriaL do Jornal Expresso das Ilhas de 31 de Julho de 2013

quarta-feira, julho 24, 2013

País viável? Quando?



Muitos estudiosos pensam que as ilhas normalmente são economicamente inviáveis. Apontam o facto de serem remotas, com excesso de população e dependentes da monocultura. Também estão mais sujeitas a choques externos, a deterioração dos termos de troca e dificuldades de acesso aos mercados. Isso sem falar da falta dos problemas de escala devido ao mercado exíguo e fragmentado e dos custos da insularidade quando se trata de arquipélagos.


Para James Meade, prémio Nobel da Economia, a inviabilidade das Maurícias era a conclusão obvia a tirar dos estudos feitos antes da independência das ilhas. Mesmo para Lee Kuan Yew, uma ilha como Singapura separada da Malásia era causa para muita apreensão em relação ao futuro. De facto, a generalidade das ilhas e arquipélagos normalmente integram grandes espaços e são generosamente subsidiados pelas metrópoles. Sucessos como os obtidos por estados independentes como Singapura e as Maurícias conseguem-se porque se opta por diversificar a economia, por apostar no capital humano e por fazer da exportação de bens e serviços o motor do crescimento.


Sempre que se comemora a independência de Cabo Verde relembram-se nos discursos oficiais o pessimismo de muitos quanto à viabilidade destas ilhas para na frase seguinte todos se congratularem com os ganhos alcançados. Considerando que há duas semanas atrás o partido que suporta o governo ainda debatia como “fazer a transição do modelo de reciclagem da ajuda para o de criação de riqueza”, é de se perguntar que ganhos são esses e se são realmente sólidos e sustentáveis. E é de se questionar também se políticas pouco sábias na perspectiva do desenvolvimento e mais motivadas para conservação do poder não contribuíram para que a ameaça de inviabilidade persistisse até hoje.


A crise que se vive no país deixa a nu a sua vulnerabilidade. Enquanto resultado da quebra nos donativos e empréstimos concessionais, a crise mostra a extrema dependência da ajuda externa. Como manifestação da incapacidade de compensar a menor procura interna com acréscimos significativos de procura externa de bens e serviços revela como as políticas de infraestruturação, de criação de ambiente de negócios e de promoção do sector privado foram inadequadas. Constata-se, entretanto, que, apesar dos enormes investimentos públicos, o país não cresceu, não reduziu o desemprego e não aumentou significativamente as exportações. A economia nacional afunila-se cada vez mais num único sector, o turismo, e são progressivamente mais evidentes as enormes deficiências no capital humano seja em qualidade, seja na sua adequação às necessidades do mercado.


O longo caminho de 38 anos de reciclagem de ajudas seguido por Cabo Verde destoa completamente do escolhido pelos casos de sucesso citados de Singapura e das Maurícias. Enquanto neles se cultivava a meritocracia, a abertura ao mundo e a excelência, em Cabo Verde hostilizava-se o investimento directo estrangeiro, alimentavam-se preconceitos contra a iniciativa privada e reforçava-se a dependência das populações em relação ao Estado. A diferença num e noutro caso nota-se claramente em tempos de crise. As economias abertas distinguiram-se na atitude proactiva e inovadora como os seus agentes se ajustaram às novas exigências da globalização. Pelo contrário, nas sociedades viradas para dentro, o conformismo tende a dominar, ilusões geradas pelo governo são alimentadas e os entraves a uma mudança de rumo persistem. Duvida-se realmente da viabilidade do país e a atitude adoptada não é criativa e mobilizadora de energia, mas sim de expectativa na retoma da generosidade dos outros, eufemísticamente chamada de cooperação.


Na quarta-feira da próxima semana estará em debate no Parlamento o estado da Nação. Pelo aumento da presença do Governo e do Estado na televisão nacional nas últimas semanas e pelo número de inaugurações previstas e realizadas nota-se que os velhos métodos de “ter a população na mão” não mudaram. Nem a ameaça da crise trouxe mudanças na relação governo, cidadãos e sociedade. E isso tem consequências. Assim como em 1988 o então presidente da república, Aristides Pereira, reconheceu que “a consciência laboriosa do povo se tinha destruído nas frentes de alta intensidade de mão-de-obra (FAIMO)” também a persistência de políticas de dependência e controlo eleitoral nunca irão libertar os cidadãos e a energia social para fazer o país dar um salto para um outro patamar onde o limiar da viabilidade e da sustentabilidade será ultrapassado definitivamente.

Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 24 de Julho de 2013

quarta-feira, julho 10, 2013

Editorial 150º, Convenção do MpD, Morreu Bana



Editorial 150º





O Expresso das Ilhas atingiu o marco de publicação ininterrupta de um editorial em 150 números do jornal. Provavelmente um caso inédito nos anos de liberdade de imprensa em Cabo Verde. Os editoriais, perfeitamente destacados numa página específica (pag. 2), exprimem a opinião do jornal e não deixam dúvidas quanto à sua posição sobre matérias de relevância pública.


Com os seus editoriais, o Expresso cumpre uma das suas funções que é a de contribuir para o pluralismo de opiniões. A opção pela transparência torna mais fácil a outra função de participar na formação da opinião pública através de notícias, reportagens e entrevistas apresentadas com equilíbrio e objectividade. A experiência dos jornais de referência em todo o mundo demonstra que quando se definem claramente os espaços de opinião diminui-se a tentação de salpicar e contaminar as peças jornalísticas com opinião, especulação e meias verdades.


O Expresso das Ilhas continuará a seguir por essa via porque está convicto de que por aí todos – leitores, jornalistas e imprensa – ganham.


Convenção do MpD


O Movimento para a Democracia renova a sua direcção com a mira nas eleições de 2016. Para a nova equipa a caminhada de cerca de 2 anos e meio não será tarefa fácil. Mas é ao longo dela que eventualmente ganhará a têmpera, a combatividade e o foco necessários para confrontar o Paicv entrincheirado quinze anos no poder.


As dificuldades em fazer o partido ir além da “gestão carismática” do dr. Carlos Veiga e ser organizativamente mais autónomo, mais dinâmico e mais efectivo não serão poucas. Em simultâneo terá que afirmar-se como alternativa a uma governação que cada dia mais cria a impressão de estar num estado de negação da realidade dos factos.Uma grande luta deverá ser conduzida para levantar a cortina de fumo que paira sobre o país e esconde o crescimento raso (média dos últimos três anos 1,4% do PIB), o desemprego crescente e a dívida pública pesada posta em 83 por cento pela ministra das Finanças, e estimada pelo BCV, pelo FMI e pelas agências de rating em 95% do PIB.


Cabo Verde, à beira de mais uma recessão, vive uma crise em grande medida provocada pela miopia das políticas do governo. Os governantes só agora parecem ter acordado para a necessidade de deixar a economia de reciclagem da ajuda externa. Apontam-se clusters como soluções e transmitem-se sinais de promoção de uma espécie de “regresso ao campo”. Ao mesmo tempo dão conforto à administração pública de que não será afectada pela crise, nem que para isso se sacrifique sectores da economia nacional com mais impostos e taxas.


Caminhos de crescimento e desenvolvimento terão que ser encontrados para o país. Fundamental para o processo será a participação activa, crítica e firme da oposição. Em tempos de crise precisa-se de mais pluralismo e mais contraditório e menos conformismo e falsos consensos. Da nova liderança do maior partido da oposição com o dr. Ulisses Correia e Silva espera-se que traga dinâmica que ajude o país e a sociedade a mudar os métodos e as atitudes para melhor se adaptar aos desafios de hoje e atingir o desenvolvimento desejado.


Morreu Bana


Bana morreu aos 81 em Lisboa. Pelos seus mais de sessenta anos de carreira artística pode-se supor que a maioria da população actual de Cabo Verde cresceu ouvindo a sua voz cantando mornas de B.Leza, Eugénio Tavares, Lela de Maninha, Luluzinho, Jorge Monteiro e de muitos outros compositores de todas as ilhas. Como provavelmente ninguém mais, Bana soube sempre transmitir a essência da morna vivendo como ele viveu com quem as compôs. Da mesma forma, a coladeira de Frank Cavaquim, Ti Goi, Manuel de Novas encontrou nele o grande intérprete. Bana, o m´nin de S.Cente sabia transmitir o tom de troça, de “crítica” e de intriga, mas sem maldade da coladeira.


O Expresso das Ilhas apresenta as suas sentidas condolências à família e aos amigos do Adriano Gonçalves, Bana.





Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 10 de Julho de 2013

quarta-feira, julho 03, 2013

Qualidade precisa-se



A qualidade como referência-chave de um sistema de ensino fica quase sempre secundarizada nos discursos dos governantes. A interpelação parlamentar feita ao Governo na semana passada não foi excepção. O próprio ministro do Ensino Superior preferiu realçar a democratização do ensino superior e os propósitos do governo em dar seguimento a um programa de recomposição social e à sua agenda de transformação. A questão da qualidade, deixada para a parte final do discurso, é alvo, segundo o ministro, de noções imprecisas, impressionistas e subjectivas, presumivelmente veiculadas por críticos. Talvez os mesmos que ficam preocupados vendo os sonhos e aspirações dos jovens e respectivas famílias adiados, porque não saem do sistema com o nível de formação e de adequação às necessidades do mercado que seria de esperar. Cabo Verde não tem recursos naturais apreciáveis. Só pode contar realmente com o seu potencial humano em termos qualitativos porque com diminuta população não tem expressão nem como mercado nem como fonte de mão-de-obra barata. Por isso, a luta pela qualidade, o culto da excelência e a procura de eficiência deviam ser as balizas de orientação em todos os sectores de actividade. Na Educação, em particular, com muito em jogo, designadamente escassos recursos financeiros do Estado e uma fatia razoável do rendimento das famílias, a procura da qualidade devia ser feroz. A realidade porém é que esse objectivo central sempre perdeu em competição com os propósitos políticos de massificação do ensino: primeiro do ensino básico, posteriormente do ensino secundário e agora do ensino superior. A troca de prioridades ou insuficiente foco na qualidade não podia deixar de ter consequências graves para as pessoas e para o país. Há muito que se dá como assente que ter uma população alfabetizada e com conhecimentos básicos de matemática e ciências e compreensão sufi- ciente da língua nacional constitui pré-requisito essencial para o crescimento económico e desenvolvimento social. O sucesso estrondoso dos chamados Tigres da Ásia, Taiwan, Hong Kong, Singapura e Coreia do Sul foi sempre associado aos resultados extraordinários que obtinham nas ciências e matemáticas que os colocava no topo do ranking mundial. A preocupação central com a qualidade garantia-lhes que o investimento no ensino básico e no secundário resultava na criação de uma mão-de-obra nacional com um núcleo de competências essenciais para apropriação e uso de tecnologias diversas. A existência de tal capital humano altamente qualificado constituía um factor essencial de atracção de investimento externo, de criação rápida de empregos e de crescimento sustentado e a taxas elevadas. As consequências da falta de foco na qualidade do ensino em Cabo Verde fizeram-se sentir em força na segunda metade da década passada quando milhares de jovens terminaram os liceus e não havia trabalho para eles. Numa pequena economia aberta como Cabo Verde, empregos em número suficiente só podiam resultar do esforço de satisfazer significativa procura externa de bens e serviços. Mas a atenção do governo não estava virada para atrair investimento directo estrangeiro, para melhorar a competitividade do país e para procurar mercados externos, assim como não estava para aprimorar o capital humano. Em consequência, o objectivo proclamado de desemprego a um dígito não se realizou. Para os jovens sem perspectiva de emprego imediato a alternativa que apareceu foi prosseguir os estudos. Nisso tiveram o apoio do governo não só em licenciar universidades e autorizar cursos sem muitas das exigências académicas desejáveis como também no financiamento de bolsas de estudos com base em critérios outros que não o mérito. Decisões, prenhes de consequência, muitas delas tomadas a quente e em período pré-eleitoral mas que contribuíram para aliviar a tensão social que já se fazia sentir devido ao desemprego persistente. Uma moratória, no dizer de alguns, que está a chegar ao fim com o término dos estudos superiores desses mesmos jovens. E outra vez vêem-se sem emprego porque a economia não se expandiu nem se diversificou suficientemente para os absorver. O tempo e dinheiro gasto nas formações superiores não trouxeram o retorno esperado de maior adequação das pessoas ao mercado e de uma maior competitividade do país. Com os olhos de muitos dirigidos, ainda expectantes, para os empregos do Estado, a procura de formações mais técnicas e exigentes não é significativa. Concentram-se nos estudos em áreas humanísticas e pouca pressão se faz para que o ensino seja de qualidade. Estabelece-se assim um círculo vicioso: por se colocar em segundo lugar a qualidade não se consegue dinamizar a economia e criar novos empregos. Na falta de trabalho, muitos endividando-se, avançam para a universidade para depois se depararem com a mesma situação que viveram ao terminarem o 12º ano. O governo entretanto continua, por um lado, a acenar-lhes com a possibilidade de emprego no Estado e, por outro, exorta-os a se tornarem empreendedores ou a promoverem o auto emprego. Soluções irrealistas considerando que o Estado cada vez absorve menos quadros, que os critérios de entrada e promoção na função pública nem sempre são os mais objectivos e que o espírito empreendedor não é de geração espontânea. Valorização do capital humano deveria ser o objectivo nº 1 de um país com as características de Cabo Verde. Porque razão não o é, constitui um misté- rio. Entretanto, porque não se deixa reger pela excelência, pela meritocracia e pela utilização eficiente e eficaz dos recursos, expectativas são frustradas, investimentos pessoais e familiares ficam sem retorno, a riqueza não é produzida e a mediocridade ameaça submergir tudo: as instituições, as escolas e toda a sociedade. Há que quebrar o círculo vicioso.

Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 3 de Julho de 2013