quarta-feira, dezembro 04, 2013

Crença na leveza da dívida


O nível do endividamento de Cabo Verde continua a receber reparos de entidades externas. Depois do FMI, da Fitch Ratings e do GAO é a vez da Comissão Europeia, através do seu presidente Durão Barroso, manifestar a sua preocupação com o “nível muito elevado” de uma dívida que deve atingir os 98% do PIB em 2014. Segundo a Inforpress, no encontro de Bruxelas, o presidente da Comissão Europeia relembrou ao Primeiro-ministro de Cabo Verde que “a questão está em saber se é um endividamento virtuoso e que reforça a competitividade ou que depois pode pesar excessivamente no lançamento da economia”. Em resposta o PM cabo-verdiano reiterou que a dívida é sustentável.

O problema nestas matérias é que, apesar das garantias oficiais, são as percepções dos operadores e outras entidades que contam. Lê-se, por exemplo, no relatório de política monetária de Novembro último que os bancos nacionais percebem um risco macroeconómico e não dão crédito a privados. Mesmo quando o banco central facilita na cedência de liquidez preferem emprestar ao Estado. A empresa de notação financeira Fitch também reconhece o risco e na sua última avaliação manteve no negativo o outlook para a economia cabo-verdiana. Só quem não espera realmente que investimentos privados nacionais e estrangeiros se assumam como motores da economia é que pode ignorar a reacção dessas entidades perante a situação actual da dívida.

Talvez aqui resida a razão da diferença de opinião entre o governo e praticamente todos os outros. Continua-se a acreditar no crescimento movido pelo investimento público não obstante a retórica oficial em contrário. Com um discurso mediático intenso e repetitivo o governo passa a ideia que vai continuar a mobilizar os fluxos necessários em termos concessionais. De forma subliminar a sociedade cabo-verdiana vai-se convencendo de que poderá contornar as consequências da graduação a país de rendimento médio ou que provavelmente no futuro as dívidas serão perdoadas porque “afinal Cabo Verde é pequeno e pobre mas procura fazer as coisas bem feitas”.

Para o resto do mundo porém ser bom aluno significa graduar-se, emancipar-se e libertar-se da dependência da ajuda do exterior. E isso consegue-se criando a capacidade nacional de produção de riqueza com indivíduos motivados, empresas dinâmicas, mão-de-obra qualificada e ambiente institucional e legal facilitador da iniciativa e protector dos ganhos conseguidos por vias legítimas. A opção por investimentos públicos muitas vezes sumptuosos mas sem capacidade de imediata e directamente potenciar vantagens comparativas e recursos específicos tem sido sinónimo de crescimento lento, de fraca criação de emprego e de impacto mínimo no resto da economia. Dizer que o serviço da dívida não pesa muito porque os juros são bonificados e fazer esquecer que o capital terá que ser pago na íntegra com riqueza criada no país não ajuda na criação do espírito de emancipação que se requer de uma nação independente.

O dilema com que se depara o programa “Casa para Todos” é típico do que se pode esperar numa situação dessas. O governo vai inaugurando casas feitas. Algumas, muito poucas, já foram habitadas. Fazem-se exercícios de selecção de famílias que depois desistem porque os bancos não lhes dão crédito. Como os investimentos públicos falharam em produzir o crescimento e o emprego prometidos, as pessoas não têm garantia de rendimento suficiente para assegurar crédito junto das instituições financeiras. Crédito esse já tornado escasso porque há demasiados riscos – um círculo vicioso.

Apesar de Durão Barroso ter manifestado a José Maria Neves o seu “querer acreditar” que o endividamento será virtuoso dificilmente se consegue discernir virtude num caso desses. Pelo contrário, o resultado lê-se no BO de 27 de Novembro: o Estado, por resolução do Governo, avaliza o empréstimo de um milhão de contos à IFH para pagar encargos com o programa “Casa para Todos” e com a urbanização do Palmarejo Grande. Um em muitos outros avales que se vão dando a empresas estatizadas que em vez de promoverem a criação de riqueza tornam-se em potenciais riscos orçamentais. Exemplos de outros países relembram todos os dias o quanto custa aos contribuintes pagar pelas opções grandiosas mas duvidosas dos seus governantes.


Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 4 de Dezembro de 2013 Humberto Cardoso

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