quarta-feira, dezembro 18, 2013
Dissonâncias
Muito discurso político é feito em Cabo Verde à volta da necessidade de unificação do mercado nacional. Recentemente, face à constatação de algum desequilíbrio no desenvolvimento das ilhas e a manifestações de centralismo por parte do governo, um sentimento a favor da criação de regiões vem ganhando considerável apoio e audiência nas ilhas e em várias camadas da população. É interessante notar que situações concretas que deviam chamar para um debate sobre esses temas são confrontadas com o silêncio, com indiferença e às vezes com uma retórica política deslocada. Um caso em apreço é o que se passa com a ligação S.Vicente – S.Antão. As dificuldades já existentes tornaram-se críticas nas últimas semanas com a ida do navio Armas para reparação nos estaleiros da Cabnave. O acidente com o navio Sal-Rei piorou a situação, diminuindo a oferta de possíveis substituições no transporte de passageiros, carga e veículos entre as duas ilhas. Outros navios que podiam estar disponíveis, sofrem de outros problemas, uns com as autoridades marítimas e outros com o operador dos portos. Em consequência, uma região das mais importantes do país, seja em termos populacionais, seja em termos económicos, vê-se privada de uma via vital de comércio e de intercâmbio a todos os níveis. Pergunta-se onde é que ficam os discursos políticos de unificação do mercado interno. Aparentemente, com os arranjos actualmente existentes, ninguém assume a responsabilidade de manter a linha funcional ou dá muita importância aos prejuízos e inconveniências causados aos milhares de pessoas que fazem o trajecto ou vivem dessa ligação. A ideia de que a linha S.Vicente – S. Antão constitui um serviço público a manter em todas as situações não é totalmente assumida pelas autoridades. Obstáculos para uma circulação sem atrito, mais leve e menos custoso abundam, vindos designadamente de instituições como: a ENAPOR, alfândegas, polícia fiscal e outras autoridades marítimas. Não há uma vontade conjunta dos vários intervenientes na gestão dos transportes marítimos focalizada na facilitação do tráfego marítimo de carga e passageiros entre as ilhas. O discurso político não é traduzido em acção coerente nem consistente mesmo perante o facto de que, tratando-se de um país arquipélago, isso obriga a manutenção de um mercado fragmentado, a marginalização de várias ilhas e a custos económicos e sociais gravosos para todos. Não deixa, por isso, de ser desconcertante ver que o esforço de desencravar povoações e áreas de cultivo é em boa parte desperdiçado porque os produtos ficam retidos na ilha. Fazem-se estradas e constroem-se portos, mas esquecem-se as “auto-estradas” que deviam levar os produtos para o mercado global do país e mesmo para a exportação. A dissonância vai ainda longe. O Governo parece que levou treze anos a descobrir que, considerando as condições do país, dificilmente o mercado, por si mesmo, resolveria as necessidades no domínio dos transportes marítimos. E que em matéria de rotas marítimas iria deparar-se com situações de falhas ou de imperfeições do mercado e que teria que intervir de preferência em parceria com privados, mas num ambiente de transparência total. Soluções para os problemas passariam por ter rotas reguladas, outras concessionadas e outras ainda parcial ou totalmente subsidiadas. A introdução do conceito de serviço público na ligação entre as ilhas abriria o caminho para a regulamentação do tráfego marítimo com a definição das condições de entrada para os operadores, com as garantias de segurança, com o estabelecimento de frequências e com tarifas fixas. Os ganhos no movimento de cargas e passageiros que adviriam com a segurança e a previsibilidade dos serviços a prazo compensariam os investimentos realizados e os benefícios concedidos. Do exemplo do Fast Ferry, em que tanto se investiu mas acabou-se por decidir por uma posição maioritária do Estado para salvar a empresa, deve o Governo retirar as devidas elações. Deve ainda saber como agir para ao mesmo tempo que assegura os instrumentos de uma maior dinâmica económica com a unificação do mercado nacional, cria oportunidades para amadores nacionais e abre o caminho para que o país tenha embarcações seguras e ajustadas ao transporte confortável de passageiros. Será também uma forma de potenciar o turismo interno e alargar a oferta turística do país com a diversidade de produtos oferecidos pelas ilhas. Dissonâncias na estratégia têm custos avultadíssimos. Sente-se que algo corre mal quando se constata que após pesados investimentos, alguns elos na cadeia - estradas novas, novos portos e barcos velhos e inadequados - não deixam criar o círculo virtuoso necessário para garantir o retorno dos investimentos e os justificar. Em tais circunstâncias somam-se elefantes brancos no país, o crescimento económico fraqueja, o desemprego não diminui e, cada dia que passa, fica mais difícil servir a dívida contraída para financiar os investimentos, mesmo que o crédito tenha sido conseguido nas melhores condições.
Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 18 de Dezembro de 2013 Humberto Cardoso
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