Expresso das ilhas, edição 642 de 19 de Março 2014
Editorial
O “Acordo de
Readmissão de Pessoas que Residem sem Autorização” com a União Europeia vai ser
ratificado na próxima semana pela Assembleia Nacional. Com o voto dos
parlamentares cabo-verdianos terminará o processo iniciado em 2007 com a
Parceria para a Mobilidade, uma proposta da UE a dois pequenos países, Moldávia
no Leste europeu e a Cabo Verde na costa ocidental africana, visando a
resolução dos problemas de imigração ilegal no seu território. Na mesma sessão
do Parlamente estará para ratificação também o acordo de facilitação de vistos,
negociado em simultâneo com o acordo de readmissão, como incentivo para a sua
aprovação e adopção.
Acordos de
readmissão constituem de facto acordos de expulsão de imigrantes ilegais com
recurso a procedimentos administrativos acelerados. Não são por isso bem
aceites pelas populações onde há sempre quem aspire um dia a emigrar ou quem
viva de remessas de familiares já emigrados. Compreende-se porque os governos
resistem às pressões da UE e a negociações em que se ponderam custos e
benefícios e que se arrastam por vários anos. Conforme o interlocutor e a sua
força negocial relativa face à EU, assim os países são contemplados por
facilidades na circulação dos seus cidadãos na Europa. O ideal é conseguir-se a
isenção total de vistos como ficou assente no acordo recente com a Turquia. O
mínimo é o que coube a Cabo Verde e que consiste na simples facilitação de
vistos para entidades públicas e privadas e personalidades que já de alguma
forma conseguiam vistos de curta duração sem muita dificuldade.
Em Cabo Verde o discurso
oficial da apresentação da proposta da Parceria para a Mobilidade da EU teve
desde do início de forma implícita e as vezes explícita a promessa da livre
circulação na Europa. Considerando os milhares de cabo-verdianos já residentes
na Europa, e os muitos desejosos de uma oportunidade para emigrar, só se pode
imaginar o impacto que tal discurso provocou no país e nas comunidades
emigradas. No meio do entusiasmo gerado, fez-se por esquecer o que afinal é
fundamental do acordo de readmissão: a luta contra a presença de pessoas sem
autorização de residência no espaço comunitário. Com o tempo, o discurso
oficial ganhou outras nuances e a isenção de vistos passou para um objectivo a
longo prazo mas ainda contemplava-se a emigração legal durante períodos
pré-determinados. No arranjo final constata-se que se ficou pelo mínimo, muito
aquém do imaginado ou do que a população entendeu que lhe foi dito quando lhe
apresentaram a Parceria para a Mobilidade.
Comunidades com
milhares de cabo-verdianos existem em vários países da Europa. Como emigrantes
sofrem desproporcionalmente os efeitos da crise que assola a Europa desde 2008.
Apesar das dificuldades dos últimos tempos, as remessas que enviam para o país,
muitas vezes em solidariedade com os familiares, não têm alterado
significativamente. Com o desemprego persistente as coisas tendem para o pior e
em muitos casos é o próprio estatuto legal enquanto residente que pode ficar em
causa. A possibilidade de serem expulsos num processo célere no âmbito de um
acordo de readmissão é a surpresa que menos esperariam. Os benefícios de tal
acordo dificilmente irão superar os enormes custos que eventualmente os
nacionais que já estão no espaço europeu terão que suportar. A relação custo/benefício
do acordo deveria ser ponderada publicamente de forma clara e transparente.
Cabo Verde é o
primeiro país da África Subsariana que assina um acordo de readmissão com a
União Europeia. Negociações com outros países, designadamente com o Senegal,
arrastam-se não obstante toda a pressão da União Europeia. Não é de espantar
que assim seja. O acordo além de acelerar o processo de expulsão de ilegais
nacionais do espaço europeu também obriga a quem o assina a receber cidadãos de
países terceiros em situação ilegal quando comprovado que partiram dos seus
portos e aeroportos. Claramente que isso cria uma situação extremamente
complicada. Se a Europa não consegue convencer os países de origem em os
aceitar, quem espera que um país como Cabo Verde o poderá fazer. A Rússia nas
negociações do acordo de readmissão com a UE obteve uma moratória de três anos
para começar a receber cidadãos estrangeiros. Tempo para se preparar
institucionalmente e negociar bilateralmente com os seus países de origem.
Na próxima semana avança-se
para a ratificação do acordo de readmissão sem que estudos e dados concretos
sejam conhecidos do público quanto ao impacto que o acordo terá nas comunidades
cabo-verdianas na Europa. Não se sabe qual o número de cabo-verdianos que
poderão estar ilegais e ser expeditamente reenviados para o país com mulher e
filhos menores. Não há previsão do número de estrangeiros em situação ilegal
idos de Cabo Verde e que serão recambiados no âmbito do acordo. Ninguém conhece
os preparativos, designadamente os institucionais, e os custos necessários já
incorridos para se implementar o acordo. É evidente que o governo tem ainda
muitas explicações a prestar à nação sobre esta matéria. Ficamos à espera.
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