quarta-feira, março 19, 2014

Acordo de readmissão: os equívocos




Expresso das ilhas, edição 642 de 19 de Março 2014

Editorial

O “Acordo de Readmissão de Pessoas que Residem sem Autorização” com a União Europeia vai ser ratificado na próxima semana pela Assembleia Nacional. Com o voto dos parlamentares cabo-verdianos terminará o processo iniciado em 2007 com a Parceria para a Mobilidade, uma proposta da UE a dois pequenos países, Moldávia no Leste europeu e a Cabo Verde na costa ocidental africana, visando a resolução dos problemas de imigração ilegal no seu território. Na mesma sessão do Parlamente estará para ratificação também o acordo de facilitação de vistos, negociado em simultâneo com o acordo de readmissão, como incentivo para a sua aprovação e adopção.
Acordos de readmissão constituem de facto acordos de expulsão de imigrantes ilegais com recurso a procedimentos administrativos acelerados. Não são por isso bem aceites pelas populações onde há sempre quem aspire um dia a emigrar ou quem viva de remessas de familiares já emigrados. Compreende-se porque os governos resistem às pressões da UE e a negociações em que se ponderam custos e benefícios e que se arrastam por vários anos. Conforme o interlocutor e a sua força negocial relativa face à EU, assim os países são contemplados por facilidades na circulação dos seus cidadãos na Europa. O ideal é conseguir-se a isenção total de vistos como ficou assente no acordo recente com a Turquia. O mínimo é o que coube a Cabo Verde e que consiste na simples facilitação de vistos para entidades públicas e privadas e personalidades que já de alguma forma conseguiam vistos de curta duração sem muita dificuldade.
Em Cabo Verde o discurso oficial da apresentação da proposta da Parceria para a Mobilidade da EU teve desde do início de forma implícita e as vezes explícita a promessa da livre circulação na Europa. Considerando os milhares de cabo-verdianos já residentes na Europa, e os muitos desejosos de uma oportunidade para emigrar, só se pode imaginar o impacto que tal discurso provocou no país e nas comunidades emigradas. No meio do entusiasmo gerado, fez-se por esquecer o que afinal é fundamental do acordo de readmissão: a luta contra a presença de pessoas sem autorização de residência no espaço comunitário. Com o tempo, o discurso oficial ganhou outras nuances e a isenção de vistos passou para um objectivo a longo prazo mas ainda contemplava-se a emigração legal durante períodos pré-determinados. No arranjo final constata-se que se ficou pelo mínimo, muito aquém do imaginado ou do que a população entendeu que lhe foi dito quando lhe apresentaram a Parceria para a Mobilidade.
Comunidades com milhares de cabo-verdianos existem em vários países da Europa. Como emigrantes sofrem desproporcionalmente os efeitos da crise que assola a Europa desde 2008. Apesar das dificuldades dos últimos tempos, as remessas que enviam para o país, muitas vezes em solidariedade com os familiares, não têm alterado significativamente. Com o desemprego persistente as coisas tendem para o pior e em muitos casos é o próprio estatuto legal enquanto residente que pode ficar em causa. A possibilidade de serem expulsos num processo célere no âmbito de um acordo de readmissão é a surpresa que menos esperariam. Os benefícios de tal acordo dificilmente irão superar os enormes custos que eventualmente os nacionais que já estão no espaço europeu terão que suportar. A relação custo/benefício do acordo deveria ser ponderada publicamente de forma clara e transparente.
Cabo Verde é o primeiro país da África Subsariana que assina um acordo de readmissão com a União Europeia. Negociações com outros países, designadamente com o Senegal, arrastam-se não obstante toda a pressão da União Europeia. Não é de espantar que assim seja. O acordo além de acelerar o processo de expulsão de ilegais nacionais do espaço europeu também obriga a quem o assina a receber cidadãos de países terceiros em situação ilegal quando comprovado que partiram dos seus portos e aeroportos. Claramente que isso cria uma situação extremamente complicada. Se a Europa não consegue convencer os países de origem em os aceitar, quem espera que um país como Cabo Verde o poderá fazer. A Rússia nas negociações do acordo de readmissão com a UE obteve uma moratória de três anos para começar a receber cidadãos estrangeiros. Tempo para se preparar institucionalmente e negociar bilateralmente com os seus países de origem. 
Na próxima semana avança-se para a ratificação do acordo de readmissão sem que estudos e dados concretos sejam conhecidos do público quanto ao impacto que o acordo terá nas comunidades cabo-verdianas na Europa. Não se sabe qual o número de cabo-verdianos que poderão estar ilegais e ser expeditamente reenviados para o país com mulher e filhos menores. Não há previsão do número de estrangeiros em situação ilegal idos de Cabo Verde e que serão recambiados no âmbito do acordo. Ninguém conhece os preparativos, designadamente os institucionais, e os custos necessários já incorridos para se implementar o acordo. É evidente que o governo tem ainda muitas explicações a prestar à nação sobre esta matéria. Ficamos à espera.   

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