quarta-feira, março 26, 2014

Sustentabilidade




Expresso das ilhas, edição 643 de 26 de Março de 2014

Editorial


A agência de notação financeira FITCH veio mais uma vez baixar o “rating” de Cabo Verde. As razões apontadas foram que a dívida pública está a crescer muito acima do previsto, aumentando o risco de insustentabilidade. A FITCH espera que a dívida se vá situar a 115% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2015 e cresça a 120% em 2017. A agência, embora reconheça que grande parte da dívida é concessional com o respectivo serviço situando-se num nível relativamente baixo de 4,3% das receitas em divisas, considera que o estado das finanças externas é fraca o que torna o país mais susceptível a choques externos. Perspectivas mais positivas dependerão de indícios futuros de que os investimentos em infraestruturas estão a contribuir para o crescimento económico e para um desenvolvimento alargado do sector privado.
As reacções de sectores próximos do governo como se vêm tornado hábito foram de desvalorizar a baixa no rating da FITCH. A justificação é sempre a alta concessionalidade da dívida e o tempo longo que o país o irá amortizar, factos que a FITCH não ignora, mas que não alteram a percepção do risco ligado à existência de uma dívida pública elevada. Se falharem as previsões de crescimento da economia, mesmo com o actual serviço de dívida, a situação poderá tornar-se crítica. E os sinais não são animadores.
As centenas de milhões de euros postos nas obras por todas as ilhas não conseguem fazer a economia ir além de um crescimento anémico. A FITCH põe a taxa média de crescimento nos últimos 5 anos em 1,5%. O investimento privado nacional e estrangeiro que deveria substituir o financiamento público da economia ainda não se mostrou de forma significativa. Manter só o Estado a dinamizar a economia não parece alternativa viável a prazo. Cabo Verde vai graduar-se a país de rendimento médio e, em consequência, o acesso a financiamentos concessionais ficará mais difícil. Por outro lado, mais endividamento externo aumentará o risco soberano com reflexos na confiança dos investidores e operadores económicos. O círculo vicioso que tal cenário poderá representar tem que ser rompido nalgum ponto.
A preocupação com a sustentabilidade deverá ganhar mais peso em relação à atenção que se põe na procura de novos financiamentos. Estes, na falta de um conjunto de medidas viradas para potenciar investimentos realizados, começam a apresentar resultados decrescentes e ainda ajudam a aumentar a dívida existente. É um facto, por exemplo, que asfaltar mais estradas não traz grandes benefícios adicionais se entretanto não se melhorou a produtividade, não se diminuíram custos com factores como a água e a energia, não se desenvolveram meios de transporte num quadro de um mercado unificado e a prestação dos serviços públicos não mudou radicalmente a sua postura no sentido de maior eficiência e eficácia. Importa, por isso, para dar sustentabilidade à economia, imprimir um outro dinamismo ao sector privado como via já provada para fazer o país crescer a taxas elevadas e criar emprego de qualidade. 
Confiança é essencial no mundo actual. Existe a percepção generalizada que Cabo Verde tem uma democracia funcional onde vigora o primado da lei. Há que complementar isso com a certeza de um engajamento genuíno e consequente da governação do país no sentido da criação de um ambiente de negócios catalisador de um sector privado dinâmico capaz. Avaliações como a da FITCH ou de outras organizações de referência não podem ser simplesmente postas de lado por aparentes rasgos de coragem, voluntarismo ou esforço em passar imagem de positivo. Não se pode ignorar que são levadas em devida conta por todos os investidores e operadores económicos que ponderam entrar no mercado cabo-verdiano.
O país precisa crescer, precisa exportar e precisa criar emprego. Só com esta base sólida é que os cabo-verdianos poderão sentir que os níveis de rendimentos já existentes, os ganhos em qualidade de vida já obtidos e as metas atingidas no quadro dos objectivos do milénio serão sustentados e melhorados. Ninguém vive indefinidamente de actividades altamente subsidiadas como as da agricultura, particularmente se for em produtos de fraco valor acrescentado. Nem tão pouco de exportações como as do pescado se elas dependerem, quanto a competitividade, do sistema de preferências oferecidos por países amigos. As políticas no curto, médio e longo prazo devem ser articuladas para assegurar a sustentabilidade.
Dos governos espera-se que criem as condições para que os cidadãos com a sua energia, criatividade e espírito empreendedor se assumam como agentes centrais nesse processo, enquanto legitimamente procuram a realização pessoal e prosperidade para si próprios e família. Ninguém quer governo que se veja como agente económico principal e induza dependência nas pessoas e na sociedade daquilo que consegue angariar da generosidade dos outros.


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