Expresso das ilhas, edição 643 de 26 de Março de 2014
Editorial
A agência de notação financeira FITCH veio mais uma vez baixar o
“rating” de Cabo Verde. As razões apontadas foram que a dívida pública está a crescer muito acima do previsto, aumentando o
risco de insustentabilidade. A FITCH espera que a dívida se vá situar a
115% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2015 e cresça a 120% em 2017. A agência,
embora reconheça que grande parte da dívida é concessional com o respectivo
serviço situando-se num nível relativamente baixo de 4,3% das receitas em
divisas, considera que o estado das finanças externas é fraca o que torna o
país mais susceptível a choques externos. Perspectivas mais positivas
dependerão de indícios futuros de que os investimentos em infraestruturas estão
a contribuir para o crescimento económico e para um desenvolvimento alargado do
sector privado.
As reacções de sectores próximos do governo como se vêm tornado
hábito foram de desvalorizar a baixa no rating
da FITCH. A justificação é sempre a alta
concessionalidade da dívida e o tempo longo que o país o irá amortizar, factos
que a FITCH não ignora, mas que não alteram a percepção do risco ligado à
existência de uma dívida pública elevada. Se falharem as previsões de crescimento
da economia, mesmo com o actual serviço de dívida, a situação poderá tornar-se
crítica. E os sinais não são animadores.
As centenas de milhões de euros postos nas obras por todas as ilhas
não conseguem fazer a economia ir além de um crescimento anémico. A FITCH põe a
taxa média de crescimento nos últimos 5 anos em 1,5%. O investimento privado
nacional e estrangeiro que deveria substituir o financiamento público da
economia ainda não se mostrou de forma significativa. Manter só o Estado a
dinamizar a economia não parece alternativa viável a prazo. Cabo Verde vai
graduar-se a país de rendimento médio e, em consequência, o acesso a
financiamentos concessionais ficará mais difícil. Por outro lado, mais
endividamento externo aumentará o risco soberano com reflexos na confiança dos
investidores e operadores económicos. O círculo vicioso que tal cenário poderá
representar tem que ser rompido nalgum ponto.
A preocupação com a sustentabilidade deverá ganhar mais peso em
relação à atenção que se põe na procura de novos financiamentos. Estes, na
falta de um conjunto de medidas viradas para potenciar investimentos
realizados, começam a apresentar resultados decrescentes e ainda ajudam a
aumentar a dívida existente. É um facto, por exemplo, que asfaltar mais estradas
não traz grandes benefícios adicionais se entretanto não se melhorou a
produtividade, não se diminuíram custos com factores como a água e a energia,
não se desenvolveram meios de transporte num quadro de um mercado unificado e a
prestação dos serviços públicos não mudou radicalmente a sua postura no sentido
de maior eficiência e eficácia. Importa, por isso, para dar sustentabilidade à
economia, imprimir um outro dinamismo ao sector privado como via já provada
para fazer o país crescer a taxas elevadas e criar emprego de qualidade.
Confiança é essencial no mundo actual. Existe a percepção
generalizada que Cabo Verde tem uma democracia funcional onde vigora o primado
da lei. Há que complementar isso com a certeza de um engajamento genuíno e
consequente da governação do país no sentido da criação de um ambiente de
negócios catalisador de um sector privado dinâmico capaz. Avaliações como a da
FITCH ou de outras organizações de referência não podem ser simplesmente postas
de lado por aparentes rasgos de coragem, voluntarismo ou esforço em passar
imagem de positivo. Não se pode ignorar que são levadas em devida conta por
todos os investidores e operadores económicos que ponderam entrar no mercado
cabo-verdiano.
O país precisa crescer, precisa exportar e precisa criar emprego.
Só com esta base sólida é que os cabo-verdianos poderão sentir que os níveis de
rendimentos já existentes, os ganhos em qualidade de vida já obtidos e as metas
atingidas no quadro dos objectivos do milénio serão sustentados e melhorados.
Ninguém vive indefinidamente de actividades altamente subsidiadas como as da
agricultura, particularmente se for em produtos de fraco valor acrescentado.
Nem tão pouco de exportações como as do pescado se elas dependerem, quanto a
competitividade, do sistema de preferências oferecidos por países amigos. As
políticas no curto, médio e longo prazo devem ser articuladas para assegurar a
sustentabilidade.
Dos governos espera-se que criem as condições para que os cidadãos
com a sua energia, criatividade e espírito empreendedor se assumam como agentes
centrais nesse processo, enquanto legitimamente procuram a realização pessoal e
prosperidade para si próprios e família. Ninguém quer governo que se veja como
agente económico principal e induza dependência nas pessoas e na sociedade
daquilo que consegue angariar da generosidade dos outros.
Sem comentários:
Enviar um comentário