quarta-feira, maio 14, 2014

Para uma cultura de resultados




Expresso das ilhas, edição 650 de 14 de Maio de 2014

Editorial

Em Setembro de 2012 o conselho da administração do Banco Mundial aprovou uma nova metodologia na política de financiamento do desenvolvimento: o investimento nos projectos deixa de se concentrar no processo de aquisição dos meios (inputs) para se focalizar nos resultados (outputs). A expectativa de muitos críticos das políticas de desenvolvimento das instituições da Bretton Woods é que com a reorientação pretendida diminuam as gritantes ineficiências na utilização da ajuda ao desenvolvimento. Em vários países constata-se que muitos projectos não conseguem sobreviver para além do período do financiamento, a vida das populações não é sustentadamente alterada para melhor e quando os fundos terminam só ficam alguns dos meios adquiridos, edifícios, veículos e maquinarias. E esses em muitos casos são marginalmente utilizados e não pelas razões iniciais. É como se na esteira dos milhões em ajuda externa ficasse simplesmente um cemitério de projectos onde os sonhos de muitos numa vida melhor se perderam.
As consequências de tal abordagem fixada no fornecimento dos meios sem a devida avaliação de resultados não ficam pelos objectivos de desenvolvimento não atingidos. Também o funcionamento das instituições é afectado. Nos casos, como o de Cabo Verde, em que a ajuda externa durante décadas é, de facto, a grande locomotiva que arrasta a economia irremediavelmente, verifica-se uma deriva para uma cultura burocrática-administrativa que privilegia meios e procedimentos em detrimentos de resultados. O desvio é maior quando há opções ideológicas que querem o Estado a dominar a sociedade e a economia e objectivos eleitoralistas que põem o governo em campanha permanente. O problema é que, a prazo, nada disso é sustentável. Retornos sobre investimentos ficam aquém do esperado quando a procura de resultados é posto em segundo lugar e a solução de mobilizar outros investimentos para os compensar tem limites. Como nos esquemas de Ponzi e nos jogos de pirâmide, há um momento em que as novas entradas de capital já não conseguem remunerar as anteriores e a bolha é furada.
Sinais de que o país não está bem vêem-se todos os dias. Apesar das muitas centenas de milhões de dólares investidos em obras todas inauguradas com pompa e circunstância, o crescimento ficou por 0,5% do PIB de acordo com o BCV, o desemprego anda pelos 16,4% e a dívida pública situa-se em 98% segundo o GAO. A base produtiva do país não se diversificou e a dinâmica económica continua dependente perigosamente de um único sector, o turismo. O sector privado mostra grandes fragilidades e num ambiente de crowding out do crédito pelas necessidades financeiras do sector público dificilmente consegue aceder a crédito a custos aceitáveis. E as dificuldades que diariamente jovens com o liceu completo e com licenciatura encontram no mercado de trabalho indiciam claramente a falta de resultados nos investimentos feitos na educação e na formação. Tudo isso, porém, era previsível. Fazer obras e não dedicar esforço e capital político em reformas fundamentais para soltar a energia criativa e produtiva do país só podia levar a uma travagem progressiva da dinâmica económica à medida que o impacto dos grandes investimentos fosse desvanecendo.
 A obstinação em seguir o mesmo caminho ficou evidente após a crise financeira de 2008 seguida da crise da dívida soberana e do euro a partir de  2010. Não houve preocupação em identificar os constrangimentos no país que impediram que mesmo no período pré-crise de grande expansão da economia mundial Cabo Verde não ganhou dinâmica suficiente para fazer o desemprego baixar para níveis de um dígito. Em vez de se retirarem lições disso e levar o país a libertar-se das suas fragilidades com reformas profundas nos vários domínios e uma orientação virada para resultados na atracção do investimento externo, na promoção da iniciativa privada e no desenvolvimento de competências particularmente entre os jovens, optou-se pela continuidade das políticas das grandes obras, mas agora alimentada pela dívida externa. À partida sabia-se qual seria o desfecho, mas o espírito eleitoralista prevaleceu sobre qualquer outro argumento. 
Um dos temas no II Forum de Transformação de 14 a16 de Maio promovida pelo governo é “Mudança de Mentalidades”. Vem a propósito. Faria jeito ao país que as suas instituições adoptassem uma mentalidade suportada por uma cultura de resultados. O problema é que para isso o Estado teria que soltar os indivíduos e sociedade dos laços da dependência, teria que libertar-se da sua sobranceria em relação ao sector privado, do espírito centralista quanto aos vários pontos do território nacional e também do eleitoralismo permanente que o limita a uma perspectiva de curto prazo. Teme-se é que fique tal qual como está. Se surgir um balão de oxigénio, seja, por exemplo, investimentos dos BRICS ou ajuda de outros países, a postura do Governo e da sua administração pública poderá continuar o mesmo de sempre. A tentação do poder é demasiado forte. Também forte devia ser o sentido de serviço público prestado com competência e tendo em mira a prosperidade geral e a criação de condições para o exercício do direito de cada pessoa em procurar a sua felicidade.


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