JORNAL 672 DE 15 DE
OUTUBRO DE 2014
Nos últimos dias Cabo Verde tem
vivido um ambiente de emergência. São sinais disso as tropas na rua armados de
espingardas automáticas, as declarações do primeiro-ministro a reiterar “que
não vamos ajoelharmo-nos ou resignamo-nos perante actos criminosos” e os
encontros do primeiro-ministro com o presidente da república, os ex-presidentes
da república e o líder do MpD. Não se precisou qual é a ameaça nova ou se foi
identificado um perigo “claro e presente”. O PM falou sem especificar da
necessidade de enfrentar o crime organizado e a pequena criminalidade. O facto
novo que chegou ao conhecimento do público foi o assassinato da mãe da
inspectora da polícia judiciária encarregue das investigações do caso “Lancha
Voadora”. Tal acto bárbaro foi visto por muitos como pré-anúncio de retaliação
futura contra os agentes judiciários que intervieram nesse processo. Houve quem
o considerasse um acto de terrorismo contra o próprio Estado. Rumores que
outras entidades foram alvo de atentados não foram confirmados pelas
autoridades. Mas das declarações do ministro da Justiça sobre o tiroteio da
segunda-feira à noite que tirou a vida a um suspeito pode-se deduzir que pelo
menos a inspectora continua sob mira dos malfeitores. Não se elucida quem mais
estaria. Sem informações compreensivas e esclarecedoras sobre a problemática da
segurança no país as movimentações políticas feitas e as medidas tomadas dão a
impressão de um déjà vu. É como se se tratasse de um teatro que se repete de
temos em tempos ao qual não falte quem lucre politicamente cada vez que é posto
em cena. Não é novidade que se mandem tropas para a rua, supostamente para
colmatar falhas da polícia nacional. Aconteceu outras vezes, designadamente em
2010. Como o acto é recorrente, ou não se corrigem as falhas, ou se trata
simplesmente de um acto simbólico para, entre outras coisas, mostrar determinação
e “ser musculado” sem que, globalmente, a segurança melhore. Os problemas
existentes são atirados para debaixo do tapete, fazem-se declarações mil que a
criminalidade está a diminuir e que a insegurança sentida não é real. Que se
trata de uma percepção ou provavelmente de uma simples criação da comunicação
social. Insiste-se nisso até o próximo acontecimento que não se pode esconder e
aí outra vez põe-se a tropa na rua armada de kalashnikovs. O relatório de
Segurança interna recentemente publicada no Boletim Oficial deixou clara muitas
das insuficiências da estrutura de segurança: a eficácia da actuação policial é
posta em causa quando são manifestas as dificuldade de coordenação das
diferentes forças policiais dentro da própria polícia nacional. A relação é
pior com as forças exteriores à polícia designadamente a PJ e as Forças
Armadas. Sete anos depois de se ter fundado o actual sistema de segurança com a
junção das polícias na polícia nacional, com a reconfiguração das FA em Guarda
Nacional e a Guarda Costeira e com a criação do Sistema de Informações da
República (SIR) a situação descrita no relatório é de deficiente capacidade
operacional, de falhas na articulação e de fragilidade na investigação
criminal. Devia ser evidente que colocar pontualmente tropas nas ruas não
resolve qualquer problema de fundo da criminalidade. Combate-se o crime com a
polícia e com medidas de prevenção do crime designadamente nos domínios
económico-social e com o reforço do civismo. A tropa cuja missão primeira é a
defesa da pátria e por isso treinada para combater inimigos externos não estará
certamente preparada para confrontar cidadãos em violação da lei. Muito menos
saberá proceder seguindo os requisitos necessários para posterior apresentação
dos prevaricadores ao tribunal. Por aí se vê que a insistência na utilização
das forças armadas terá outros propósitos que não os de eficácia na luta contra
a criminalidade. Propósitos eventualmente políticos como facilmente se
depreende da actual situação. Reduzindo o problema actual à utilização ou não
dos militares, a Oposição parece estar a dificultar a luta contra a
criminalidade porque questiona a utilização do exército nos moldes actuais. Já
o governo que gere a polícia e deveria ser responsável pelas suas
insuficiências e ineficácias, ao contrário, passa uma ideia de determinação e
de disposição para acções musculadas. O PM vai até ao ponto de pedir ponderação
aos agentes da PJ que se dispuseram a fazer greve porque o Estado se recusa a
cumprir sentença dos tribunais que obriga a que lhes pague retroactivos devidos
desde 2011. Por aí se vê que nada dessas movimentações e posicionamentos são
inocentes. Uma outra iniciativa que no actual contexto chama a atenção pelo seu
carácter insólito é o encontro do PM com dois ex-presidentes da república para
lhes expor a situação crítica em termos de segurança do país. O PM tem o dever
de informação é com o Presidente da República. Em relação aos ex-PRs, a
Constituição prevê um Conselho da República presidido pelo presidente da
república onde podem ser consultados em vários assuntos designadamente
“questões graves da vida nacional” e no qual tem assento o PM, o presidente da
Assembleia Nacional, o presidente do Tribunal Constitucional e várias outras
figuras cimeiras do Estado. Consensos não se concretizam seguindo outras vias
que não as instituídas. Voluntarismo na política gera desconfianças e provoca
exclusões. A questão de segurança é fundamental em qualquer país e é vital para
um país como Cabo Verde. Não se devia nunca cair na tentação de a utilizar
politicamente deixando entrelinhas a ideia que a oposição democrática de alguma
forma estaria a proteger criminosos.
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