JORNAL
670 DE 1 DE OUTUBRO DE 2014
No início do ano
político o Governo deixa claro qual o timbre que quer imprimir à sua actuação no
próximo período eleitoral: 1- não espera mudanças significativas na condução do
país; 2- “vai cortar a direito” em certas matérias, sem muita preocupação com
os protestos e desconfortos que isso possa provocar.
Paradigmáticos dessa postura foram as recentes
alterações no governo. Segundo o PM não se tratou de uma remodelação mas sim de
pequenas mexidas. Uma das mensagens que quis transmitir é que a linha de
governação mantém-se. Não há razões para mudar. Uma outra mensagem passada é
que não se deixa companheiros do partido demitidos de cargos ministeriais em situação
precária. Pelo contrário reconfortam-se todos os militantes com a certeza de
que a rede de segurança constituída por empregos estatais funcionará para os
enquadrar. Mesmo o cargo de governador do banco central pode servir para
isso.
Um exemplo do “cortar a
direito” são as recentes declarações da ministra das Finanças a justificar a
nomeação do ex-ministro do Turismo para Governador do BCV, um cargo cujo
requisito é um “mínimo de 8 anos de
experiência e reconhecida competência em matéria financeira e económica”. Devem
ser vistas à luz da hostilidade da ministra em relação aos dados, conclusões e
recomendações dos relatórios do banco central em 2011 e que ficou expressa na
frase “não se ensina a missa ao vigário”. Há uma vontade de pôr o BCV na linha,
eufemisticamente expressa no desejo de uma maior coordenação da política
orçamental e monetária. Aliás, o facto de o Primeiro-ministro ter dito que
seria a ministra das Finanças a anunciar o novo governador do banco não é
inocente. Mas pretender subordinar o BCV ao Ministério das Finanças irá no
sentido contrário de todo o percurso de autonomia e independência dos bancos
centrais seguido em todo o mundo, incluindo Cabo Verde.
Um outro exemplo é a
decisão do governo em contornar o sistema bancário e fazer acordos directos com
os escolhidos para ocuparem os apartamentos construídos no âmbito do programa
Casa para Todos. O programa resulta de uma linha de crédito no valor de 200
milhões de euros disponibilizados por bancos comerciais portugueses com a
promessa de juros bonificados pelo governo português. No novo modelo, o governo
não explica convincentemente como os 200 milhões serão pagos e como eventualmente
será renovada a linha de crédito para se poder continuar com o programa.
Pode-se vislumbrar claramente o ganho político eleitoral que isso poderá
eventualmente propiciar em 2016. O que poderá acontecer ao país depois disso
não parece ser uma preocupação de momento.
No mesmo limbo está-se
a colocar outras dificuldades do país. Preocupações com o crescimento raso da
economia, com o desemprego elevado e com cada vez maiores problemas sociais,
designadamente a criminalidade, passam para um plano secundário. É como querer
dizer: interessa agora ganhar as
eleições, depois se verá. Raciocina-se que este não é o tempo para inovar
nas políticas. Compensa-se a falta de acção com mais sofisticação no
ilusionismo, com o acarinhar de falsas esperanças e com o reforço das lealdades
via acesso a cargos, recursos e favores públicos. De passagem joga-se a carta
identitária sempre passível de criar paixões e de lançar uns contra os outros
enquanto se discutem a ancoragem do país na África, regionalização, o Alupek e
a bandeira nacional. Entretanto o país fica à espera quando é evidente que já
vai tarde nas reformas necessárias para alimentar a esperança numa prosperidade
futura. E que o crescimento do rendimento per capita não será negativo como
aconteceu em 2013.
O Governou anunciou
vendas da participação do Estado na Enacol e no BCA. Justificou com um conjunto
de argumentos auto-congratulatórios em matéria de privatizações que não parecem
vir de quem mantém a TACV e a Electra na condição de empresas problemáticas e de
um factor de risco na gestão macroeconómica do país. Uma razão mais plausível
para a venda das participações será a necessidade de o Estado recorrer a
receitas extraordinárias para poder equilibrar as suas contas. O Orçamento de
2014 previa uma taxa de crescimento do PIB de 4 a 5 %. Como já se tornou
habitual, as previsões do ministério das finanças são irrealistas,
designadamente em 2013 que era de crescimento a 5% e só se verificou 0,5% do
PIB. Com fraco crescimento económico também diminuem consideravelmente as receitas
e dificilmente se poderá baixar o défice orçamental sem mais contenção nas
despesas. Isso porém não é assumido particularmente em ano pré-eleitoral. Outra
vez está-se a colocar o crescimento do PIB entre os 3 e 4% no próximo ano
quando não é claro de onde virá esse impulso para a economia nacional.
O FMI no seu último relatório
publicado a 25 de Setembro último dá conta que, para além do impacto da crise,
contribui para o anémico crescimento da economia a falta de confiança interna e
quebra na produtividade do país. Reformas não foram feitas, deixou-se a
administração pública manter-se insensível a negócios e ao sector privado,
permitiu-se que se desenvolvessem desadequações no sistema de ensino com
consequências em termos de empregabilidade e não houve gestão adequada das infraestruturas. O fracasso nesses sectores
criou ineficiências diversas e, não fez o país mais competitivo e mais
atractivo para o investimento interno e externo. Com a dívida pública acima dos
100% do PIB e a crescer a um nível raso medidas sérias e comprometidas para o
futuro já deviam estar a serem tomadas. Pena que razões eleitoralistas mais uma
vez contribuem para fazer de Cabo Verde um país adiado.
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