JORNAL 677 DE 19 DE
NOVEMBRO DE 2014
Nas últimas
semanas sucedem-se por todo o país inaugurações diversas que são cobertas ao pormenor
pelos órgãos de comunicação públicos da rádio e televisão. O PM, sempre
acompanhado de vários membros do governo e de uma grande entourage, já em várias ilhas inaugurou apartamentos do programa de
casa para todos, estradas, barragens. Fez vários lançamentos de primeira pedra,
prometeu estudos, entregou habitações. Ministros também apareceram a entregar animais
e ração, outros a presentearem pessoas idosas e vulneráveis com cartões de
pensão e ainda outros a prometeram crédito ou acesso a crédito. Todas as
actividades parecem boas sejam elas conferências, fóruns, workshops, visitas
para os membros do governo se mostrarem.
O PM prometeu, em Santo Antão trabalhar de “sol
a sol”. Certamente que as pessoas gostariam de ver resultados mais palpáveis do
que as obras, algumas majestosas em dimensão e também em custo, que vêem o
governo a inaugurar. A realidade é que a vida das pessoas é cada vez mais
precária, a economia arrasta-se num ritmo de crescimento demasiado baixo, a
ameaça da deflação paira no ar e do governo só se nota o esforço extraordinário
em envolver as pessoas num abraço apertado de dependência. Tudo o que é
solidariedade do Estado, ou seja da comunidade nacional, para com os mais
vulneráveis é transformado numa relação pessoal quase íntima em que que o
cidadão “recipiente” fica em posição de dívida para com o “benfeitor”. Ninguém
sabe como depois conciliar esse espírito constantemente alimentado de
dependência, conformismo e passividade com o empreendedorismo que se quer
promover nas escolas e está a pedir-se a todos para assumir e ser força motriz
da economia nacional.
O surreal em
muitas destas acções também se viu na estranha escolha de S. Antão como palco
para o PM distinguir com medalha de mérito delegados do ministério de
agricultura de todos os concelhos rurais do país. De facto, a Ilha não é
propriamente um caso de sucesso das políticas agrícolas do governo. O que nela
se pode constatar contraria frontalmente a visão apresentada pelo PM de que a
agricultura é um “sector atractivo que
vem repercutindo fortemente no crescimento do mundo rural”.
Com as parcas
chuvas deste ano, a vulnerabilidade extrema de boa parte da população de S.
Antão voltou a mostrar-se, como acontecia no passado. Sabe-se que perde
população todos os dias, em particular jovens que deixam os campos e rumam em
direcção São Vicente, Praia, Sal ou Boavista à procura de algum emprego ou
ocupação. O embargo na exportação de produtos agrícolas, há mais de trinta
anos, ainda que menos severo por causa do centro de expurgo, continua a ser um
grande travão ao desenvolvimento. Uma saída viável para muitos seria a
exportação do grogue. Por não ser perecível, não sofrer com o embargo e ter um
mercado nacional e estrangeiro potencialmente valioso podia ser o produto
derivado da produção agrícola capaz de compensar algum investimento feito na
agricultura. Mas, nem isso acontece. A quase total falta de regulação no sector
ajuda o “mau” grogue a impor-se em detrimento do “bom” grogue. Ao prejuízo
directo que daí resulta ainda se associam outros custos, designadamente sociais,
de perda de produtividade, fiscais e de saúde.
O que se passa
em S. Antão não é muito diferente do que acontece nas outras ilhas rurais. As
políticas agrícolas deparam-se, na sua execução, com os mesmos os problemas, entre
eles os de transporte, de exiguidade do mercado e de falta de regulação na
produção e na distribuição. Enormes investimentos são feitos em estradas, barragens, sistemas de rega gota a gota, mas os
retornos são diminutos. Quando surge um constrangimento extra, como actualmente
a falta de chuvas, sentem-se imediatamente os efeitos que deixam a claro a
fragilidade da existência. Por aí vê-se que não devia haver razão para muito
regozijo e para actos que mais parecem homenagear quem dá as medalhas do que
quem as recebe.
O surreal parece
ter substituído o real. Défices e dívidas excessivos nos outros são
desvalorizados entre nós. Diz-se com satisfação que o país está a crescer 0,5%
do PIB. O risco de deflação é tomado com leveza. Até se diz que o FMI falhou
nas previsões porque não viu os números das exportações. A proximidade das
eleições poderá dificultar ainda mais o contacto com a realidade. As
consequências virão no day after.
Sem comentários:
Enviar um comentário