Edição
680 de 10 de Dezembro
Na semana
passada, dia 6 de Dezembro, saiu finalmente o Relatório de Política Monetária
do Banco de Cabo Verde de Novembro de 2014. Normalmente publicado nas primeiras
semanas de Novembro, o relatório do BCV tem contribuído ao longo dos anos com
os seus dados e as suas análises para o enriquecimento do debate económico e político
entre o governo, partidos políticos, parceiros sociais e a sociedade em geral
que antecede a discussão do Orçamento do Estado na Assembleia Nacional. Este
ano primou pela ausência. Só apareceu depois do debate parlamentar, no mesmo
dia em que o governador designado pelo governo era ouvido na A. N.
2014 tem sido um
ano atribulado no banco central. Problemas laborais sérios afligiram a
instituição nos meses que antecederam o fim do mandato de Dr. Carlos Burgo. A
gestão, pelo governo, da substituição do governador revelou-se calamitosa. Na
audição parlamentar, o governador designado confidenciou ao parlamento que a
situação financeira do BCV é “algo
difícil” e que o “fundo de pensões do
banco poderá não ser sustentável”. Não parece alheia aos problemas do BCV a
relação tensa com o Governo e particularmente com o ministério das finanças que
se desenvolveu nos últimos anos. Tem sido notória a divergência de posições das
duas instituições quanto à real situação económica do país e as suas
perspectivas. No embate, a Ministra das finanças em 2011, na sequência da
publicação de um relatório de política monetária, não se coibiu de dizer
publicamente, referindo-se ao governador do BCV, que não iria ensinar missa ao vigário.
Facto é que os
dados do crescimento económico do país têm ficado muito aquém das previsões do
ministério das Finanças e mais próximas das do BCV. Os alertas do BCV quanto às
consequências da política orçamental expansionista confirmaram-se na diminuição
das reservas e consequente tomada de medidas restritivas do crédito interno que
afectaram as empresas, a procura interna e a economia nacional em 2012 e 2013. E
o crédito à economia não voltou a ter a dinâmica anterior mesmo quando na sequência
da recuperação das reservas para o nível exigido pelo acordo cambial com o euro
o BCV afrouxou nos seus controlos da banca nacional. Os bancos mesmo com
liquidez mostram-se avessos à concessão do crédito ao sector privado e
justificam-se com o crescimento anémico da economia e a divida pública de mais
de 100% do PIB que pode configurar riscos macroeconómicos e financeiros
futuros.
O desconforto do
governo com as posições do BCV ficaram evidentes no anúncio do ex-ministro
Humberto Brito para governador. A ministra das finanças anunciou que Cabo Verde
precisava melhorar a articulação
política, orçamental e fiscal e que Humberto Brito com um percurso de mergulho na economia real tinha o perfil ideal para
ocupar o cargo no banco central. O pouco cuidado do governo em lidar o com
banco central ficou evidente quase imediatamente. Considerando as exigências de
idoneidade, de independência e de competência técnica que cada vez mais em todo
mundo se exige dos “central bankers”
é evidente que a proposta do governo caiu muito mal. O governo estava a nomear um
político que tinha sido demitido da pasta de Energia em pleno momento de crise
de fornecimento de electricidade e água na capital e noutros pontos do
território nacional. Avançar essa personalidade poucos dias depois para uma
posição central na condução da política monetária e na supervisão do sistema
bancário que deve inspirar confiança no sistema económico e financeiro não é
muito inteligente.
A inépcia na
gestão desse processo continuou com a indicação de uma nova personalidade, o Dr.
João Serra. Primeiro, confessa-se que afinal foi a primeira escolha e depois
finge-se esquecer que muito recentemente o indigitado deixara a presidência da
Sociedade de Desenvolvimento da Boavista e Maio envolvido numa polémica que
opunha membros do conselho da administração e onde não faltavam acusações de má
gestão. Segundo, o governo para se justificar perante os críticos da primeira nomeação
a governador solicita um parecer ao Procurado Geral da República para se
certificar se o BCV rege-se pela lei das autoridades reguladoras ou
simplesmente pela sua lei orgânica. O parecer do PGR favorece a posição do
governo em como deve aplicar-se a lei orgânica do BCV, mas estranhamente o
governo ignora o parecer e aplica a lei de autoridades reguladoras que exige
que os administradores nomeados sejam ouvidos em audição pelas comissões
parlamentares competentes. O parlamento aceita, apesar de não existir qualquer
precedente nesta matéria. Contudo, não é a comissão de finanças que ouve o
governador, mas sim a comissão dos assuntos constitucionais.
Nos próximos dias
deverá sair a nomeação do governado do BCV, quase quatro meses depois do fim o
mandato do último titular. A questão que fica é o quão a instituição banco
central ficou beliscada pela gestão esdrúxula de uma substituição que deveria
ser melhor preparada e executada para não ferir a imagem de confiança que deve
sempre poder projectar. No mundo globalizado de hoje, a solidez institucional
de entidades como o banco central e a sua independência face a interesses
políticos de curto prazo dos governos é sempre um activo valioso do país que
interessa preservar. Pena que o governo na sua ânsia da fazer todos ler pela
sua cartilha não pára mesmo perante a possibilidade de comprometer o percurso
de autonomia a independência que todos esperam ver percorrido com sucesso no
BCV.
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