Edição
679 de 3 de Dezembro de 2014
Nestes dias, que
se arrastam desde 23 de Novembro, a erupção do vulcão do Fogo tem sido seguida
com atenção por todos os cabo-verdianos, uma atenção não poucas vezes marcada
pela ansiedade e mesmo angústia perante a destruição das casas e dos meios de
vida de mais um milhar de habitantes na Chã das Caldeiras. Felizmente não houve
perdas de vida e uma parte significativa dos bens, pertences e gado da
população foi efectivamente resgatada. Para isso contribuiu extraordinariamente
o esforço abnegado de militares e polícias aí destacados e de populares que se
ofereceram para ajudar. Depois de alguns episódios iniciais de vandalismo e de
reacções epidérmicas das autoridades perante a resistência das pessoas em ser
evacuadas, o processo de realojamento das pessoas tem prosseguido com o apoio
da Cruz Vermelha de Cabo Verde e com gestos de solidariedade que vêm de todas
as ilhas e da diáspora.
A situação de
catástrofe vivida na ilha do Fogo deve ser motivo de uma reflexão mais profunda
sobre os riscos que podem colocar-se a um país arquipélago, montanhoso e
vulcânico e sobre a capacidade institucional e operacional de resposta em caso
de concretização dos mesmos. Na manhã de domingo do dia 23 de Novembro o
governo declarou situação de contingência.
Estava-se perante o que na Resolução nº 10/2010 se considerou: “O risco mais perigoso em Cabo Verde é o
risco vulcânico/sísmico”. Na sequência devia-se implementar o Plano de
Contingência para o Fogo, que a lei prevê existir, sob a coordenação do Serviço
Nacional de Protecção Civil. O problema é que de acordo com o diagnóstico feito
no Relatório de Segurança Interna publicado no BO de 26 de Agosto de 2014: “o Serviço de Protecção Civil está
desadequado para o cumprimento das suas missões, não existem indícios de
articulação funcional e operacional com os comandos regionais, com excepção da
Boavista, e não foram apresentados planos de emergência e de contingência para
as Ilhas”. Talvez por ter-se dado conta dessas falhas que o governo, a
toque de caixa, criou o gabinete de crise para “coordenar a acção governativa”.
E para dirigir esse gabinete teve que se socorrer do brigadeiro Antero Matos,
ex-conselheiro de segurança nacional, que se encontra há alguns meses na reforma.
Significativamente o Primeiro-ministro não passou essa responsabilidade
constitucional, que lhe cabe nestas circunstâncias, para o ministro que tem a
tutela da Protecção Civil como prevê a resolução acima citada.
Várias fraquezas
institucionais e operacionais do país tornaram-se visíveis ao longo desta
emergência na ilha do fogo. Através do pedido de ajuda a Portugal procurou-se
colmatar algumas delas designadamente no domínio das comunicações com os
telefones via satélites, de apoio aéreo de proximidade com helicópteros e mesmo
de uma base de apoio naval em caso de evacuação a uma escala maior. A fragata
portuguesa foi a resposta portuguesa. Pode-se dizer que dificilmente Cabo Verde
poderá ter meios a essa escala para responder a situações de catástrofe
futuras. É verdade que sempre deverá contar com a cooperação com outros países.
Facto é, porém, que alguns meios próprios terão que existir para dar respostas
a situações que não podem esperar pela vinda de fora de um barco, de um
helicóptero ou de um telefone via satélite.
Recentemente o
país viveu situações de emergência no mar, designadamente o afundamento do
navio Mosteru e o encalhe de Pentalina que só não se tornaram catastróficas
porque se verificaram junto à costa e na vizinhança de aldeias piscatórias. Os
pescadores com os seus botes puderam resgatar as pessoas do mar. Na sequência
da erupção do vulcão os primeiros meios de socorro foram levados para o fogo no
rebocador Damão, como se esperaria que acontecesse há quarenta ou cinquenta anos
atrás. A pergunta que fica é: onde está a Guarda Costeira que devia estar
equipada com barcos e helicópteros a altura de fazer busca e salvamento e
fornecer a base logística para se socorrer qualquer ilha em situação de
emergência? O governo reconhece as insuficiências existentes, faz promessas,
mas a capacidade de resposta do país mantem-se basicamente a mesma de décadas
passadas. Urge alterar este estado de coisas. Não se deve esperar que aconteça
algo terrível para se tomarem as medidas que se impõem. Mesmo o desaparecimento
recente do navio Rotterdam com todos os seus tripulantes não conseguiu forçar
uma mudança de atitude.
Cabo Verde tem
que assegurar uma capacidade mínima mas efectiva de resposta a qualquer
situação de crise ou catástrofe. Num país arquipélago devia ser óbvio que, para
isso, é fundamental ter uma guarda costeira capaz de fiscalizar o espaço aéreo
e marítimo, controlar a exploração económicas dos mares, fazer busca e
salvamento e evitar que as ilhas sejam uma base para o tráfico e contrabando.
Aparentemente os governantes têm outras prioridades.
De qualquer
forma o Estado continua com responsabilidades de garantir, a todo o momento, a
segurança das ilhas e mares e de assegurar que os recursos do país e a
solidariedade de todos poderá chegar a qualquer ponto do território nacional. E
com a gestão da Fir Oceânica e outras responsabilidades internacionais nesta
região deverá habilitar-se para o cumprimento pleno das suas obrigações. É
fundamental pôr a Protecção Civil e a Guarda Costeira à altura dessas
responsabilidades.
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