sexta-feira, fevereiro 13, 2015

Melhor democracia, menos violência

Steven Pinker no seu livro “Os anjos bons da nossa natureza” demonstra que são nas democracias consolidadas que se verificam os níveis de violência mais baixos do mundo. Assim é, segundo ele, porque a democracia, mesmo imperfeita, ainda é a via que, entre a violência da anarquia e a violência da tirania, com menos violência se consegue governar. De facto, a democracia, os direitos dos indivíduos, o primado da lei e a independência do poder judicial são os ingredientes essenciais para se manter o contracto social que renova a confiança no sistema e dá garantia de se ter paz e justiça, hoje e amanhã.
Há quem não concorde e pelo contrário culpa a democracia e a liberdade pelas quebras na segurança e ordem pública. Nesse apontar de dedo nota-se alguma nostalgia pelos tempos da ditadura. Supostamente teriam sido mais simples e mais seguros. Não se vê é que a falta de transparência própria desses regimes e a inexistência de estatísticas confiáveis dificilmente permitiam conhecer a realidade vivida então. Por outro lado, não se pode duvidar do potencial de violência arbitrária, indiscriminada e sem controlo que o Estado na época era capaz de exercer a qualquer momento e contra qualquer cidadão. Bem podiam não se registar muitos homicídios e agressões, mas ninguém estava livre de ser sujeito à prisão sem culpa formada, a humilhações, a torturas e até à morte violenta.
Tendo essa experiência em devida consideração, tentar empurrar a polícia para posições mais autoritárias, insistir em diminuir os constrangimentos legais de defesa ditados pela Constituição e esforçar-se por deixar a instituição policial sem a supervisão adequada não garante eficácia no combate ao crime e na manutenção da ordem pública mas certamente que abre o caminho para o potencial aumento da arbitrariedade na acção policial. É o que vem acontecendo e há que arrepiar caminho. A via, como bem mostra Steven Pinker, é o da consolidação das instituições democráticas. 
Significa isso que todos os agentes no sistema devem deixar de lutar contra ele e colocar-se à altura das suas normas e procedimentos. Evolui-se institucionalmente absorvendo, nos comportamentos e na acção, os elementos chaves que definem a entidade, que determinam a sua relação com as outras e permitem-na servir a comunidade com isenção, imparcialidade e proporcionalidade. Se eventualmente se mostrar necessário mudar algo, o sistema tem os seus mecanismos próprios. Para isso tem um governo que com a sua maioria absoluta no Parlamento pode alterar o Código do Processo Penal e a moldura penal de certos crimes e disponibilizar recursos via Orçamento do Estado para tornar as forças de segurança mais eficazes. Caricato é tentar fugir da responsabilidade atirando directa ou indirectamente culpa à Constituição ou a leis que este mesmo governo foi autor e apresentou para aprovação.
Insiste-se muitas vezes na falta de meios para justificar falhas. De facto, meios materiais, humanos e tecnológicos são necessários mas não são suficientes. Fundamental é ter a atitude própria de se colocar à altura das exigências da Constituição e das leis e não justificar a falta de efectividade apontando dificuldades ou relutância de alguns em as cumprir. A preocupação com os resultados, com a realização da missão em todos os seus objectivos e metas deve nortear acção das instituições. Ao governo compete assegurar-se de que assim seja e não se deixar apanhar exclusivamente por interesses político-partidários pondo num plano secundário as exigências de uma gestão adequada e criativa de todos os assuntos do país. 
Reconhecer em toda a sua dimensão a complexidade dos problemas com que o país se depara é um passo fundamental para se encontrar soluções. Também é essencial para que a relação entre governantes e governados siga sempre o caminho da verdade e da honestidade. A preocupação excessiva com a imagem, o uso de propaganda para a comunicação e a predilecção por encontrar bodes expiatórios sempre que surgem problemas deixa o país e as suas instituições num estado de permanente vulnerabilidade perante os desafios que diariamente se colocam. Que confiança, por exemplo, terão as pessoas que o problema de insegurança será resolvido quando ouvem deputados do partido no poder a dizer que afinal a sua insegurança é um sentimento ou sensação não corroborada pelas estatísticas da polícia.

A vulnerabilidade do país ficou patente recentemente com a erupção do vulcão do Fogo, o naufrágio do navio Vicente e os atentados recentes. Teme-se porém que a postura costumeira de centrar na gestão da imagem substitua as medidas certas e profundas que se deviam tomar. Não se pode continuar nem a fazer fugas em frente, nem a esconder os problemas debaixo do tapete. A consolidação das instituições não se compadece com isso. Paz e justiça são conseguidas em ambientes de instituições enraizadas, socialmente valorizadas e que favorecem o intercâmbio livre das pessoas no meio da maior diversidade. Para se diminuir a violência, é necessário um esforço para fazer as pessoas acreditar nas instituições, renovar a confiança como suporte de uma cultura cívica sólida e traçar um percurso que leve à prosperidade, mas exaltando sempre a conquista da liberdade.  

 Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 11 de Fevereiro de 2015  

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