O ano de 2015 arrancou com manifestações de alguma perturbação no sector público em Cabo Verde. Já houve uma greve dos agentes da polícia judiciária. Meses atrás foram os guardas prisionais que partiram para a greve por razões de carreira e salários, e já se fala de alguma agitação pelas mesmas razões nas hostes da Polícia Nacional. Esta semana começou a greve dos professores. Está marcada para Março a greve dos funcionários das Alfândegas. Trabalhadores do ministério do Desenvolvimento Rural ameaçam greve por motivo de demora na implementação do PCCS.
O Estado dá sinais de ter dificuldade em cumprir com promessas feitas ou expectativas criadas em vários sectores da administração pública. Dias atrás a ministra da Educação referiu-se a essas dificuldades como falta de “liquidez financeira”. Certamente algum constrangimento financeiro já poderá estar a manifestar-se. São vários anos de crescimento anémico e é natural que a quebra na procura interna e a diminuição de importações comecem a ter impacto nas receitas do Estado. Se assim for, a procissão poderá estar ainda só no adro e várias outras manifestações de insatisfação poderão vir a verificar-se. Neste ano as pessoas nem poderão contar com os produtos de um bom ano agrícola para amortecer os efeitos da erosão do poder de compra de salários que não são actualizados.
A antecipar o impacto político do descontentamento no sector público neste ano pré-eleitoral, o governo já se apressa em encontrar motivação política nas reivindicações feitas. É uma forma ilegítima de exercer pressão sobre os trabalhadores. Transforma a luta sindical em alguma forma de oposição política e com esse expediente procura, por um lado, dissuadir aqueles que não têm partido ou não se identificam com os partidos de oposição. Por outro lado, procura esvaziar a priori a eventual simpatia que a luta por melhores condições de vida e de trabalho poderia suscitar em outros sectores da sociedade ao confundi-la maliciosamente com os embates do pleito eleitoral que se avizinham.
Aliás, viu-se essa táctica no debate sobre a Segurança do dia 23, segunda-feira, na Assembleia Nacional. A própria oposição foi acusada de eleitoralismo por trazer a debate a segurança do país quando todos se mostram apreensivos com o nível de criminalidade existente e com os ousados atentados contra o Estado que se verificaram nos últimos meses. Em situações recentes, designadamente na resposta do Estado à erupção do vulcão e ao afundamento do navio Vicente com perda de muitas vidas, a tentação é de acusar quem critica de querer tirar dividendos políticos da desgraça alheia. Teme-se que tais métodos passem a ser o expediente do momento para calar qualquer crítica.
Expediente particularmente oportuno num ano em que problemas em vários sectores, até agora encobertos, de repente estão a emergir e a tornar-se visíveis para todos. Aos conhecidos problemas do desemprego, da pobreza e da segurança vem-se juntar problemas em sectores como educação, saúde e transportes marítimos. Neste momento todos olham com atenção e com muita preocupação para a TACV e as suas sérias dificuldades em se manter como empresa viável e em garantir linhas aéreas internas. E a inquietação não fica por aí. Pergunta-se que mais outra empresa ou serviço público não estará a passar por situações que poderão deixar desprotegidos os utentes em momentos preciosos de necessidade e urgência.
Também pode-se perguntar se a pouca eficiência na utilização dos meios e a falta eficácia na acção, visível no desperdício de recursos e nos fracos resultados, não seria parte de uma “crónica já anunciada”. De facto, não se pode partidarizar profundamente todo o sector público incluindo a administração central e as empresas públicas e depois ter os melhores resultados de gestão e o melhor serviço prestado aos utentes independentemente da sua cor partidária, suas opiniões e sua proximidade familiar ou clientelar. Também é claro que não se pode manter um sistema semelhante sem que custos enormes de ineficiência, de quebra de produtividade e de perda de oportunidades se acumulem e todo o país sofra por causa disso. O problema é reconhecer o erro e mudar. Mas aprende-se tanto em fingir “em mudar para se poder manter as coisas como estão” que quando a mudança se torna imperativo já não há forças interiores para a concretizar.
Que sinais se quer passar quando, por exemplo, se deixa uma instituição como o INPS sem uma direcção durante mais de cinco meses porque aparentemente se está à espera que uma contenda partidária termine e prémios sejam oferecidos aos apoiantes do vencedor? Certamente não é com estes métodos de selecção de gestores públicos e altos funcionários que se vai garantir um Estado efectivo isento e facilitador da iniciativa e do empreendedorismo de todos e de cada um dos cidadãos.
É evidente que com os erros e custos acumulados vai-se chegar a um ponto em já não poderá ser possível escondê-los. Quando chegar esse momento não se pode calar as críticas com acusações de eleitoralismo. Na democracia fazem-se eleições precisamente para forçar mudanças particularmente quando quem governa não se mostra capaz de fazer as reformas que se impõem com vista a alcançar resultados que se traduzem em prosperidade para todos. Que os ventos do descontentamento sacudam a inércia e o conformismo e tragam a dinâmica necessária para o país se reformar e mudar e não se deixar prender na estagnação que o ameaça.
Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 25 de Fevereiro de 2015
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