Comemorou-se no fim-de-semana passado os 40 anos de independência. Comemorações mais exuberantes do que em outros anos porque se trata de um número redondo (40) mas nem por isso menos partidarizada. Pelo contrário, 2015 é um ano pré-eleitoral e tudo o que pode ser transformado em espectáculo político sujeita-se a ser capturado por agendas partidárias. O arrastar das comemorações por vários meses tende a agravar o fenómeno. É grande a tentação de dar protagonismo central nos actos a sujeitos políticos como o primeiro-ministro, ministros e presidentes de câmara, todos eles altamente motivados em potenciar no máximo as suas aparições. A polarização que daí resulta acaba por prejudicar o espírito de comunhão e de união do povo cabo-verdiano que se pretende recriar e renovar em todos os festejos do 5 de Julho.
A tendência crescente de, no Dia da Independência, focar os holofotes nos dirigentes do PAIGC, que a 5 de Julho de 1975 se apresentaram como libertadores e no momento seguinte pontificaram como construtores do regime ditatorial que iria vigorar por mais quinze anos, cria uma tensão a vários títulos insanável. A realidade é que a democracia é incompatível com exercícios de exaltação de figuras históricas que incorporaram um regime nos antípodas dos seus valores e princípios de liberdade, de pluralismo, do primado da lei e da legitimação popular do Poder. Quando apesar disso se insiste em ir por esse caminho forjam-se compromissos que fragilizam as referências do regime democrático e afectam o jogo democrático, a possibilidade de alternância política e a capacidade de debater o futuro. Perde-se muita energia na procura de conciliação com o passado irreconciliável.
Mesmo quando se pensa que se conseguiu alguma “paz com a História”, logo aparece um protagonista político a reclamar para si todo “o legado da luta libertação nacional, os valores de Cabral e a construção do Estado” como fez a presidente do PAICV num encontro de militantes no dia 2 de Julho. Com o quê é que ficam os excluídos desse legado? Toda a gente percebe que essa reafirmação faz parte de um jogo político no presente que como qualquer manobra política quer agigantar um partido em relação aos outros. Como deverão os outros reagir? A paz com a História esboroa no momento seguinte porque se percebe que afinal certas interpretações favorecem só a alguns e eles não se coíbem de usar a vantagem para fazer política. Em vez de se renovar a união no 5 Julho aprofunda-se o fosso e a paz com a Históriarevela-se inteiramente ilusória.
Sinal claro dessa tensão até agora inultrapassável é a relação com a Bandeira Nacional. Pelo que se vê em todas as festividades do 5 Julho há muita ambiguidade quanto à bandeira nacional. Normalmente não é tão evidente mas no dia da independência revela-se claramente. A bandeira antiga que era essencialmente a bandeira do PAIGC com pequenos ajustes, como, aliás, era a da Guiné-Bissau, é brandida em círculos como a autêntica numa atitude que configura ultraje para com a bandeira nacional consagrada na Constituição da República. Neste 5 Julho o conflito à volta do memorial do Amilcar Cabral serviu de trampolim para em vários círculos e mesmo na Assembleia Nacional surgisse quem, neste caso um deputado do PAICV, pusesse em causa os símbolos nacionais, o hino e bandeira. Preferiria talvez que que se mantivesse a bandeira do PAIGC e o hino da Guiné-Bissau. Ficou claro que para essas pessoas é a sua história que conta. Os outros que persigam a paz ilusória que lhes é oferecida no momento.
No 5 de Julho, os discursos oficiais, à parte raras notas de dissonância, exaltam normalmente os libertadores e a história que protagonizam, louvam a nação e enaltecem o seu caracter. Quando apontam-se falhas tudo é relativizado em relação ao considerado os grandes ganhos conseguidos. Repetem o mote de todos os anos: valeu a pena a independência. Não há uma preocupação de calibrar na avaliação do país. Não se compara com outras experiências insulares similares com praticamente o mesmo tempo como país independente, as Maurícias (47 anos) e as Seychelles (39 anos), mas com rendimento per capita três e quatro vezes superior a Cabo Verde. Nem se assume que se passou 15 anos perdidos em filosofias económicas que favoreciam a substituição de importações, hostilizavam o turismo e não se sentiam inclinados a construir uma base de exportações de bens e serviços. O país ficou relativamente para trás e ainda parece estar num colete-de-forças que não o deixa crescer, não aumenta o emprego e arrisca a cortar-lhe respiração com o peso da dívida.
Neste fim-de-semana todos os olhares estiveram fixos na crise grega. Neste mundo de hoje de globalização ninguém pode pretender que fica imune, ou pode blindar-se contra esses problemas. É fundamental que em Cabo Verde a atitude geral mude e a relação com a economia global que pode potenciar o crescimento económico e aumentar rapidamente os empregos seja aprofundada. A chaga do assistencialismo e da dependência do Estado deve ser combatida e ao mesmo que renovada a consciência e a participação cívica de todos. A história não é coutada dos políticos e deve ser deixada aos historiadores e outros académicos para a investigar e a contextualizar. Lembrar sempre que Marx já dizia quando a história se repete fá-lo na forma de farsa.
Editorial do jornal Expressso das Ilhas de 8 de Julho de 2015
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