sexta-feira, julho 03, 2015

Custos da política de avestruz



Depois de muita pressão do público na comunicação social, das intervenções de deputados pela emigração de todos os partidos políticos e de uma viva discussão na Assembleia Nacional, finalmente o governo resolveu reagir à problemática criada pela decisão da TACV em impor as novas e caras tarifas inter-ilhas e nas rotas para o exterior. Vários dias de protesto do público, de sinais claros do braço de ferro entre a TACV e autoridade reguladora, a AAC, e da realidade de imposição das novas tarifas não tinham conseguido tirar o governo da sua inércia. Ninguém conseguia que se movesse e se colocasse claramente a favor da legalidade na relação entre a entidade reguladora e a empresa regulada e se mostrasse disponível, e pronto, para dar orientação estratégica para uma empresa pública, a única que existe no sector dos transportes aéreos e por conseguinte o principal instrumento das políticas do governo nesse sector chave da economia nacional. Pelo contrário assistia-se a um espectáculo em que às vezes o governo parecia querer desviar as culpas para os outros, outras vezes mostrava-se renitente ou impotente para intervir na empresa tutelada e ainda em certos momentos até fingia que tudo isso não lhe dizia directamente respeito e que o eventual conflito entre as partes deveria ser dirimido nos tribunais.
Infelizmente o que aconteceu na semana passada no sector dos transportes aéreos não é um caso raro. Situações similares vêm acontecendo com preocupante frequência em vários outros sectores da vida nacional. Recentemente o naufrágio do navio Vicente pôs a nu o descomando que afligia o sector marítimo. Durante anos era evidente que o sistema existente de ligação marítima entre as ilhas padecia de vários males. Sem regulação adequada os operadores sentiam-se livres para escolherem as suas rotas, para determinarem a frequência das viagens e cobrar preços exorbitantes na movimentação de cargas entre as ilhas. Com a preocupação de poupar tendiam a comprar barcos velhos, alguns não se mostravam muito rigorosos na manutenção e até havia quem, na procura de lucro fácil, forçasse a tripulação a fechar os olhos a exigências de segurança. Naufrágios consecutivos de navios como Mosteru, Barlavento, Pentalina e Roterdão deviam ter constituído um alerta para as autoridades. O mesmo alerta deveria ter sido o estado em que se encontravam navios como o Praia D’Aguada e o 13 de Janeiro quando deram entrada na CABNAVE para reparações.
Só nos últimos meses é que se nota a azáfama do governo em adoptar estratégias para os transportes marítimos com a definição de rotas e aventando a possibilidade de concessões e subsídios para os transportes marítimos. Mesmo a capacidade em busca e salvamento só agora começou a merecer o devido tratamento. Foi preciso que acontecesse o acidente com o navio Vicente, com perdas de vida, para que o governo saltasse para a acção. Naufrágios anteriores não tiveram esse mesmo efeito catalisador. Mesmo assim, como aliás todo o país pôde presenciar, não há uma clara e imediata responsibilização pelo desastre e pelas perdas de vida. Pelo contrário, procuram-se bodes expiatórios e vai-se ao ponto de acusar governos de décadas passadas pelo acontecido. 
Porque não se assumem frontalmente os problemas, e no tempo certo, as soluções encontradas para os problemas pecam muitas vezes por serem desadequadas, mais caras e de sustentabilidade duvidosa. Nesse sentido é paradigmática a solução encontrada nos catamarans da Cabo Verde Fast Ferry para o transporte marítimo como se viu na análise da empresa feita neste jornal no seu número de 17 de Junho 2014. Na energia, o calvário percorrido com a Electra ao longo de vários anos só ganhou algum alívio à custa das tarifas de electricidade e água das mais caras do mundo. Nos transportes aéreos, a gestão desastrosa dos TACV ao longo de anos obriga a que se pratiquem tarifas excessivamente elevadas. A empresa até pode aliviar o seu sufoco financeiro mas a que custos: a circulação entre as ilhas diminui com grande impacto na economia e o turismo interno que podia beneficiar várias ilhas e diversificar o pacote turístico do país torna-se extremamente difícil. As pesadas tarifas nas rotas étnicas para as nossas comunidades emigradas deixam transparecer uma miopia impressionante. O emigrante, com toda a sua relação afectiva com familiares e amigos, é potencialmente um visitante ou turista dos mais valiosos e com maior impacto na economia local. São Vicente, em vários períodos do ano, é prova eloquente desse facto. Restringir o fluxo potencial de emigrantes com tarifas aéreas excessivas não pode ser boa política.
Em outros sectores como Segurança, Saúde e Educação ou em programas como o denominado “Casa para Todos” notam-se as ineficiências, o desperdício de recursos e a ineficácia. A atitude prevalecente de passar a culpa para outro, ou de negar a existência do problema ou minimiza-lo considerando-o má-fé dos outros não dá bons resultados. Pode conduzir a tragédias, como se viu, ou então paga-se em custos mais elevados, oportunidades perdidas e sonhos frustrados. Enterrar a cabeça na areia como avestruz não é sinal de liderança. Assim como não é liderança responsável proclamar que se está blindado contra a crise, fingir que se pode ficar incólume perante dívida pública muito acima dos 100% do PIB ou não se preparar para os desafios que os tráficos globais ilegais colocam ao país. Para o bem do país é preciso outra atitude tanto na cidadania como na governação.
 Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 1 de Julho de 2015

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