O governo fez aprovar na Assembleia Nacional algumas alterações à lei dos benefícios fiscais que tinha entrado em vigor em 2013. A ministra de Finanças justificou a proposta de lei com o argumento, entre outros, que irá beneficiar mais de 80% das pequenas e microempresas. A reacção das câmaras de comércio foi rápida e contundente. A de Sotavento foi categórica em afirmar que “os resultados da aplicação da lei foram nulos”. A de Barlavento assegurou que as alterações agora apresentadas “não estimulam o investimento”.
A racionalização do sistema de benefícios fiscais serve fundamentalmente dois propósitos: permite, por um lado, que o Estado tenha imediatamente mais receitas com a eliminação dos benefícios fiscais já demostrados desnecessários e também daqueles outros cuja lógica para a sua criação perdeu-se há muito no tempo. Por outro lado, permite criar estímulo a actividades em sectores chaves da economia na perspectiva de atrair investimento externo, ganhar mercados, conseguir economia de escala e abrir-se para a inovação de produtos e processos. A ideia é o Estado perder inicialmente em receitas com os benefícios que estender à actividade económica e ganhar a prazo com mais vencimentos a serem tributados, mais lucros das empresas a serem declarados e mais IVA recebidos das múltiplas transacções em ambiente de crescimento acelerado e de baixo desemprego.
Naturalmente que para se obter melhor efeito dos benefícios fiscais a proposta de lei devia dirigir-se aos sectores com maior potencial de crescimento e de empregabilidade. Exportações e turismo saltam logo à vista. A realidade porém é muito diferente. Nota-se por exemplo que, quando instada a exemplificar aplicações da lei, a ministra das Finanças escolhe o caso da senhora do Paul que queria adquirir um fogão e um frigorífico para as suas produções caseiras de doces, frutas cristalizadas e licores. Ora, não é concentrando os benefícios fiscais nos sectores não transaccionáveis que se vai conseguir que os seus efeitos multiplicadores tenham o maior impacto na economia nacional.
Aliás, uma das supostas vantagens que a nova lei tem em relação às leis anteriores é de não distinguir entre investidor nacional e investidor estrangeiro. Mas é um falso problema até porque o quadro das leis de investimento criado nos anos noventa da estruturação da economia do mercado serviu bem até ser substituído pela actual lei de 2013. Grandes investimentos na indústria e no turismo foram feitos nesse quadro. A questão central é se o governo deve de forma privilegiada incentivar o sector de bens e serviços transaccionável ou não. Sabe-se das experiências de outros países que é dinamizando esse sector que o país tem possibilidade de crescer rápido e criar um número de postos de trabalho que efectivamente baixe o desemprego para níveis aceitáveis. Portanto, é uma questão de opção política do governo determinar qual dos sectores quer efectivamente incentivar: o transaccionável ou não transaccionável. De onde vem o capital, se do nacional ou do estrangeiro não interessa realmente.
Um outro factor que contribuiu também para a falta de resultados é a alta rotatividade dos ministros da Economia – sete ministros numa década e meia, nos governos do PAICV. Dificilmente se conseguiu a articulação necessária com outras medidas de política para ter resultados palpáveis. Os sucessivos ministros não eram pesos pesados da política no seio do governo e face à rigidez das posições vindas da ministra das Finanças dificilmente podiam fazer prevalecer as suas posições. A postura considerada pouco dialogante da ministra das Finanças por diversos representantes do sector privado certamente que não ajudou.
Porém, a maior dificuldade poderá ser de natureza ideológica. Para os grandes investimentos em geral de capital estrangeiro foram criadas “barreiras” que inicialmente eram de 20 milhões de contos e sucessivamente passaram a 10 milhões e agora a 5 milhões de contos para ter acesso a benefícios fiscais. Para as pequenas e microempresas não há preocupação real em saber de onde vem o investimento e disponibilizam-se benefícios fiscais sem verificar a dimensão dos eventuais ganhos na economia nacional. A preocupação com o crescimento rápido da economia não parece ser real. Até agora as autoridades têm-se mostrado confortáveis com o crescimento anémico que desde 2011 o país tem registado. Quando confrontados com a quase estagnação, culpam a crise mas mantêm o mesmo rumo que até agora lhes permitiu tirar dividendos eleitorais.
Editorial do jornal Expresso das Ilhas do dia 2 de Dezembro de 2015
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