A ministra Sara Lopes demitiu-se. O Primeiro-ministro alegou questões pessoais, mas o mais provável é que questões políticas sérias estejam por detrás dessa decisão. Vêm logo à mente a crise por que passa a TACV ou a tragédia que foi a morte dos 15 passageiros e tripulantes do navio Vicente.
Na véspera, dia 23 de Novembro, discutiu-se na Assembleia Nacional o relatório da Comissão de Inquérito sobre o desaparecimento do navio Rotterdam e o afundamento do navio Vicente. Os partidos da oposição nas suas intervenções desfilaram uma sucessão de erros ou falhas cometidas por várias instituições do Estado que deviam cuidar da regulação e da segurança marítima e exigiram que o governo e particularmente a titular da pasta assumisse a responsabilidade pelo acontecido. O governo apoiado pela sua maioria insistiu no erro humano como se a constatação de falha humana em alguma manobra específica ilibasse as autoridades do facto de não terem sido atentas e rigorosas em momentos anteriores. No dia seguinte houve aparentemente um volte face. O PM comunicou a demissão da ministra. Sabia como esse facto seria interpretado politicamente. As explicações posteriores de que as razões foram pessoais não colhem.
Pode-se é pensar que os motivos por trás da resignação da ministra não ficam por aí. Ocorre imediatamente o que se passa na TACV. Sara Lopes tinha sob a sua tutela sectores importantes como as infra-estruturas, a economia do mar e os transportes aéreos assim como os chamados cluster do mar e de aeronogócios e a TACV. Todos sectores sensíveis e susceptíveis de neles se desenvolverem situações politicamente complicadas considerando o impacto que têm na vida das pessoas e na economia nacional e o facto de terem na sua direcção pessoas politicamente bem posicionadas. O caso da TACV é paradigmático. O facto de nos últimos tempos de muito escrutínio público e crítica à TACV a ministra da tutela ter-se primado pela ausência foi sintomático. Algum braço de ferro estaria a acontecer em que parece ter saído vencida a ministra.
A disputa pela liderança no PAICV deixou sequelas no governo. Dificilmente poderia ter sido diferente. Eram candidatas duas ministras. Cristina Fontes Lima tinha o apoio da maioria dos membros do governo, mas quem ganhou foi a ministra Janira Hopffer Almada. Na sequência da eleição, José Maria Neves deixou de ser líder do partido, mas continuou Primeiro-ministro e manteve os ministros nas mesmas pastas entre as quais a nova líder do partido. Todos pretenderam que nada tinha acontecido, mas, na realidade, algo mudou radicalmente. O PM deixou de ser quem legitimamente dá direcção política ao partido que suporta o governo. E essa separação do PM e do líder do partido não podia deixar de causar tensões no governo com consequências para a sua coesão e eficácia.
Uma moção de confiança poderia ter sido uma via para se contornar a insólita situação de substituir o líder do partido a mais de um ano do fim da legislatura. Segundo os especialistas, uma moção de confiança “é um instrumento de reforço político da posição do governo e da coesão e solidariedade da maioria parlamentar-governamental”. Optou-se porém por deixar a mesma equipa mas já sem a solidariedade de outrora e sem os instrumentos de coesão. Naturalmente que nessas circunstâncias as tensões tendem a aumentar, a eficácia governativa diminui consideravelmente e mais cedo ou mais tarde alguns ficam pelo caminho. Os ministros têm provavelmente evitado esse desfecho pelo menos até agora com espírito de militância e engajando-se a maioria num frenesim de viagens pelas ilhas e aparições na comunicação social que mais parece configurar uma campanha eleitoral antes de tempo. Entretanto, os problemas vão-se acumulando e tensões internas acabam por vir à superfície. Talvez terá sido o que se passou com Sara Lopes.
Com a saída de Sara Lopes, o PM assumiu a pasta e chamou Maria de Jesus Mascarenhas para o coadjuvar. Não nomeou um outro ministro como seria de esperar, tratando-se de sectores tão importantes para o país. Com isso mostra que realmente todo o governo já está em modo de gestão. E não deve ser de hoje. De facto, sem uma direcção política focalizada no PM pode-se gerir, mas não se pode realmente governar de forma plena. Ou seja, provavelmente esteve-se todo este ano de 2015 com o governo a meio gás. Não é aceitável que um país com os problemas tem se veja com um governo com problemas de coesão interna, com solidariedades divididas, com eficácia reduzida e com a direcção política algures entre o primeiro-ministro e a líder do partido.
Editorial do jornal expresso das Ilhas de 24 de Novembro de 2015
Editorial do jornal expresso das Ilhas de 24 de Novembro de 2015
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