sexta-feira, novembro 25, 2016

Exige-se nova atitude dos partidos


Seguindo pela rádio ou vídeo streaming a discussão da proposta de lei do Orçamento do Estado podia-se ficar com a ideia de que o Governo e a Oposição, o PAICV, estariam a discutir a partir de posições absolutamente antagónicas sem qualquer possibilidade de encontrar terreno comum. Estaria um a propor um modelo de desenvolvimento económico com base no mercado e na dinâmica do sector privado e o outro a defender a continuidade da reciclagem da ajuda externa. Indo além da fachada e das posições extremadas manifestadas ao longo do debate constata-se com alguma surpresa que as coisas não são como parecem: os dois partidos, MpD e PAICV, dizem apostar no sector privado como motor da economia nacional. Mostram reiteradamente a preferência por um Estado isento e imparcial, eficiente e eficaz e também despartidarizado. Todos afirmam querer crescimento com criação de emprego. Diferenças aparentes surgem na enfase posta nos discursos em relação a matérias como inclusão, desigualdade social, autonomia dos indivíduos e dependência de pessoas e comunidades em relação ao Estado.
Coloca-se a questão de saber porque o fosso que os separa é tão grande. As razões certamente deverão ser encontradas na história do país. O PAICV durante os quarenta anos de Cabo Verde independente governou trinta anos, quinze anos iniciais no regime de partido único e quinze anos após os primeiros dez anos de democracia e de experimentação com a economia de mercado e de base privada. Durante grande parte desse tempo foi dominante o modelo de reciclagem de ajuda externa. Só em 2015, em período pré-eleitoral e eleitoral, é que os partidos convergiram em considerar que o país se encontrava numa encruzilhada e que se devia deixar definitivamente para trás o modelo. Mas dependendo de quem ganhasse as eleições, a luta política para se ir além da reciclagem de ajuda poderia ser mais acelerada ou mais arrastada. No processo, a postura de quem ficasse na oposição também contaria.
Ganhou o MpD e não tardou muito que o aparente consenso pré eleições quanto à adopção do novo modelo de desenvolvimento se desvanecesse. De facto, o PAICV pelo seu tempo de governação, história e ideologia confundia-se mais com o modelo anterior. Mesmo quando se põe em posição crítica em relação a ele, porque a ajuda ao desenvolvimento praticamente chegou ao fim e os últimos cinco anos de política económica representaram cinco anos de estagnação, dificilmente consegue dissociar-se de pessoas, grupos de interesses, atitudes e instituições que ascenderam durante a vigência do modelo. Na oposição iria existir sempre o perigo da sua actuação auto limitar-se a pôr resistência a mudanças que mexem com certos interesses e privilégios.
 Nota-se isso, por exemplo, na reacção às mudanças na administração pública e no sector empresarial do Estado. Tem menos a ver com uma genuína preocupação com a despartidarização e mais com a protecção de interesses já instalados. Na pressa em demonstrar que o governo não cumpre as promessas de mais crescimento e emprego pode também não estar a ajudar as pessoas e a sociedade em geral a pôr na perspectiva certa as dificuldades do país (dívida pública, falta de competitividade)com origem em opções de política que provadamente só já trazem estagnação e a promessa de manter mais de um terço da população na pobreza. Quando é assim estabelece-se um círculo vicioso de desconfiança, violência verbal e ataques às instituições que a ninguém traz vantagem e faz recuar ainda mais as possibilidades de mudança. Como se viu no debate do Orçamento do Estado, O MpD e o PAICV fixam-se na posição em que há décadas se vêem um ao outro. No jogo parlamentar esquecem que afinal têm matérias convergentes e que há base para trabalhar juntos, salvaguardando sempre o contraditório e a possibilidade de alternância no governo. 
A experiência de desenvolvimento de vários países demonstra que em momentos cruciais foi fundamental alguma convergência de objectivos entre os principais partidos. Políticas do chamado “bloco central” foram extremamente importantes em vários países como a Alemanha, Holanda e também Portugal, quando reformas profundas deviam ser feitas com urgência. Também outros países mais próximos em termos de desafios, como as Maurícias e as Seychelles, souberam beneficiar da convergência de objectivos de várias forças políticas para fazer a opção certa no processo de desenvolvimento. 
Cabo Verde é que até agora não conseguiu realizar esse feito que o exemplo dos outros demonstra ser de grande importância para se dar o salto necessário. Ao governo, que tem a responsabilidade primeira de conduzir os destinos do país, cabe um papel especial em não deixar que a oposição se acantone e que uma dinâmica de posições extremadas desvie a atenção dos reais problemas do país e da urgência em os confrontar e resolver. Também, neste momento em que nas democracias os partidos estão sob particular escrutínio dos cidadãos e as instituições estão sob ataque de movimentos populistas diversos, o MpD e o PAICV devem evitar cair nos papéis já tradicionais que diminuem a sua imagem aos olhos de todos. 
Em 2015 desenhou-se um entendimento de que o país deve procurar outros caminhos para poder desenvolver  e prosperar. Há que trabalhar sobre os aspectos centrais desse consenso de forma a garantir a tranquilidade e a confiança necessárias para que na liberdade e no pluralismo se assuma um novo paradigma e se faça subir o país para um outro patamar.
 Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 782 de 23 de Novembro de 2016.

sexta-feira, novembro 18, 2016

Nacionalismo responsável

Recentemente passou na comunicação social a notícia da saída da Ecobus da carreira Assomada/Praia. As razões para isso teriam sido medidas tomadas pelas autoridades locais que efectivamente impediram a empresa de cumprir com os horários fixos de saída da Assomada e de chegada à Praia dos autocarros (hiaces) inviabilizando assim o negócio. Voltou-se ao modelo habitual de negócios em que os hiaces andam à procura de passageiros e não têm horário de saída e nem tão pouco de chegada porque paragens ao longo do caminho dependem de conveniências várias. Já se sabe que os grandes perdedores são todos aqueles que querem usar o seu tempo de forma produtiva nas suas deslocações e esperam que transportes públicos regulados dêem as garantias necessárias para isso em termos de tempo, frequência, segurança e conforto. Não se compreende é a atitude das autoridades que em vez de regular a actividade económica em benefício de uma melhor e mais segura circulação de pessoas e bens acabam por deixar o sector dos transportes interurbanos numa informalidade que prejudica toda a gente.
O exemplo da Ecobus vem particularmente a propósito no momento em que se discute o papel crucial do sector privado na economia, a necessidade de combater a informalidade, a urgência em fazer um uso mais eficiente das infra-estruturas e de outros investimentos públicos e a importância de se ter um empresariado nacional apostado na criação de riqueza. Mostra como a tendência geral é para tudo funcionar à revelia do que é propalado em discursos e posições oficiais. Hoje, décadas passadas, vê-se o Estado ainda preponderante na economia nacional, a actividade informal sempre a crescer, o desperdício e a gestão inadequada de meios e serviços públicos e o empresariado nacional em retirada em quase todos os sectores designadamente, construção civil, comércio, indústria e serviços.
Neste sentido, paradigmático é o que se passa nas ilhas do Sal e da Boavista em que, a par do investimento turístico, cresce a actividade informal e assiste-se ao espectáculo de empresários nacionais a ficar para trás porque não há regulação e não há estratégia dirigida para fazer a procura turística engajar com a economia nacional. Aparentemente o Estado dá-se por contente com as receitas em impostos e taxas que cobra aos turistas, aos operadores e às importações. E a cultura rentista continua a prevalecer sobre o que devia ser uma cultura de criação de riqueza, de criação de emprego e de exportações, não obstante todo o discurso de valorização do empreendedorismo, da competitividade e da inovação.
O novo governo do MpD prometeu fazer diferente. As propostas na lei do Orçamento do Estado de 2017 visam criar uma nova relação das empresas com o fisco que, por um lado, as deixe respirar e, por outro, incentive o investimento ao mesmo tempo que alarga a base tributária, promovendo a formalização de micro e pequenas empresas. Uma outra ajuda para a actividade empresarial será o pretendido estímulo à procura interna através do redireccionamento de partes do Fundo de Ambiente e do Fundo do Turismo para os municípios, as novas politicas de aprovisionamento de bens e serviços do Estado dirigidas às empresas locais, a activação de fundos de garantia e a diminuição de custos de segurança social.
O ressurgir de questões essenciais como os custos de energia e água, que recentemente tiveram aumentos significativos, e também de putativos aumentos de tarifas de transportes marítimos, que já se projectavam para cima de 50%, vieram relembrar que os problemas das empresas e do empresariado caboverdiano não são apenas de natureza fiscal e de financiamento. Até porque nesses domínios o que o governo consegue oferecer não é o que se esperaria no âmbito de um choque fiscal de estímulo ao investimento e às empresas. A pesada dívida pública, de mais 126% do PIB, e o risco orçamental representado pelas empresas públicas como a TACV, IFH e Electra não lhe dão qualquer folga para reduções significativas de carga fiscal. De qualquer forma a reacção tépida dos empresários às propostas do governo deixa transparecer que precisam de algo mais compreensivo. Algo que, por exemplo, faça diminuir os custos dos factores, os custos de contexto, os custos de transporte e de comunicação. Uma estratégia que inverta o processo de retirada do empresariado nacional de vários sectores da economia e activamente promova a sua dinamização através da satisfação de parte significativa da procura gerada pelo turismo e também via a identificação de oportunidades externas de fornecimento de bens e serviços.
Lawrence Summers, da Universidade de Harvard, num artigo de Julho deste ano no Financial Times aconselha aos governos que assumam um nacionalismo responsável no sentido que o bem-estar económico dos seus cidadãos deve ser o principal objectivo e que os acordos internacionais devem ser avaliados não por quantas barreiras deitam a baixo mas sim se com eles os cidadãos nacionais ficam melhor posicionados. O contrário, que ele chama de internacionalismo reflexivo, acaba por marginalizar os que se vêem espoliados da sua actividade e do seu emprego por causa de facilidades dadas a outros e que depois vão engrossar o número de apoiantes de eventuais demagogos como se viu no Brexit e na eleição presidencial americana de 8 de Novembro. Com a adopção de uma estratégia nacional dirigida para a afirmação de um empresariado nacional mesmo no quadro de uma economia aberta evitam-se situações em que a falta de regulação mate a iniciativa empresarial, como parece ter sido o caso da Ecobus e outras situações em que a omissão em matéria de políticas para os sectores deixa em sistemática desvantagem os empresários nacionais. Quando não se tem uma estratégia própria fica-se sujeito à estratégia dos outros.  

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 781 de 16 de Novembro de 2016.

sexta-feira, novembro 11, 2016

Narrativa e foco

Seis meses após o início do mandato, o governo parece estar “sitiado”, pressionado por exigências de cumprimento de promessas, por especulações sobre possíveis remodelações ministeriais e por acusações de favoritismo e clientelismo. Também alvo de críticas é a aparente omissão em questões importantes como alterações de tarifas de água e energia e eventualmente dos transportes marítimos e outras cruciais como o futuro da TACV e do Programa Casa para Todos. Por outro lado, a persistente sensação de insegurança não ajuda. No global sente-se um desconforto que a se generalizar pode minar a confiança e o entusiamo logo no início do mandato.
Para o governo, contrariar isso tudo não é fácil especialmente quando a situação do país coloca particulares desafios. Com a dívida pública nos 121% do PIB e o crescimento económico só agora, neste ano, a ganhar alguma dinâmica depois de cinco anos de uma economia praticamente estagnada, não se vê com muito espaço orçamental para acomodar certas situações e contornar outras. Muito menos para investir de forma inovadora para abrir caminho e libertar-se da armadilha do fraco desempenho da economia acompanhado do alto desemprego em que o país tinha caído. Apesar desses constrangimentos de partida, o facto é que o governo ainda está no início. Seis meses correspondem simplesmente a um décimo do tempo do mandato de cinco anos. Muita coisa vai acontecer, muita obra poderá ser realizada e muitos dos objectivos prometidos serão certamente atingidos. Para isso porém é preciso uma comunicação permanente com o país e com a sociedade cabo-verdiana, que mantenha a confiança, que permita às pessoas gerirem as suas expectativas e que incentive à mudança de atitude sem a qual dificilmente se poderá garantir a sustentabilidade do desenvolvimento do país.
É um facto já constatado por muitos outros que as eleições não são só sobre o candidato, mas fundamentalmente sobre a visão que se tem do presente e futuro do país, a diferente perspectiva de como abordar a realidade complexa que foi legada e as escolhas dos caminhos a serem trilhados para atingir os objectivos prometidos. O sucesso de quem recebeu o mandato para governar certamente que irá depender bastante da capacidade em ter sempre presente na comunicação com a sociedade a narrativa que inspirou o eleitorado e que lhe permite compreender a cada passo a actuação do governo.  Mas não só: terá que agir com coerência e foco de forma a confirmar a narrativa que mobiliza as vontades e permite a gestão sem grandes sobressaltos das expectativas da população no curto, médio e longo prazo, tanto ao nível pessoal como dos grupos sociais. A opção por uma postura tecnocrática ou que minimiza a abordagem política não deixaria de causar dificuldades acrescidas com quebras de eficácia na governação, perda de capital político necessário para as grandes reformas e impotência progressiva no combate aos interesses que se opõem a mudanças de políticas.
Os últimos quinze anos de governo do PAICV ilustram bem a importância das narrativas. Foram marcados pela grande narrativa da Agenda de Transformação que incluía entre os seus elementos a criação dos Clusters, o programa das infraestruturas, o ressurgimento do mundo rural com as barragens e o programa Casa para Todos. Hoje todos sabem no que isso resultou: os clusters ainda estão por emergir, o programa de infraestruturas não resolveu os problemas de comunicação nem melhorou a competitividade do país, o mundo rural não diminuiu a sua vulnerabilidade e o programa Casa para Todos deixou dívida pesada e pôs de rastos o sector nacional de construção civil e de imobiliária.
Durante todos esses os anos, a narrativa da Agenda de Transformação deu coerência à governação, permitiu fixar e mobilizar apoio político e combater os adversários políticos. Querendo ou não reconhecer acabou por moldar o país designadamente no que respeita à atitude das pessoas, à postura das instituições e à natureza das expectativas. Eventualmente, o insucesso acabou por forçar uma mudança, não significando isso, porém, que simplesmente se desintegrou. Se não for efectivamente contrariada e substituída por uma nova narrativa, a sua persistência na sociedade e nas instituições pode constituir um entrave sério à implementação de novas políticas e à criação de condições para se colocar o país num outro patamar de desenvolvimento.
Um dos obstáculos à afirmação da nova narrativa é a timidez que se nota em fazê-la passar. Contrasta fortemente com a forma sistemática e até com truques de ilusionismo com que anteriormente se sustentou a chamada Agenda de Transformação. À timidez existente veio aliar-se, nos tempos actuais, uma certa relutância em assumir uma ideologia e defender princípios, valores e opções com coerência, decência política e respeito pelas regras. Como se vê no caso de Trump na América e de outros populistas na Europa isso deve-se em boa parte à pressão anti-política e anti-partido que nos dias de hoje o activismo nas redes sociais, e vários movimentos populistas nas democracias, vem colocando sobre os partidos políticos deixando-os á mercê do carisma do chefe “que tudo pode e tudo resolve”.
Há que ultrapassar este mau momento, que ameaça despir os partidos de uma identidade própria, do seu legado e os impede de manter narrativas coerentes, mas diferenciadas, tão fundamentais ao pluralismo e à democracia. Sem falar na fragilidade existencial que em caso de derrota e perda de poder pode revelar-se repentinamente, como está a acontecer actualmente no PAICV, e que enfraquece ainda mais a democracia.
Texto originalmente publicado na edição impressa do  nº 780 de 09 de Novembro de 2016.

sexta-feira, novembro 04, 2016

Votem Hillary Clinton

As eleições presidenciais americanas vão ser já na próxima terça-feira, dia 8 de Novembro. O mundo inteiro aguarda com ansiedade o que poderá ser o resultado do embate entre Hillary Clinton e Donald Trump. É evidente que para a generalidade das pessoas fora dos Estados Unidos uma vitória de Trump teria consequências imprevisíveis e globalmente negativas. Entre os americanos as opiniões dividem-se a tal ponto que a eventual vitória de Hillary pode estar por um fio, não obstante o apoio editorial dos principais jornais, o engajamento na campanha de celebridades das artes e do mundo empresarial e as declarações de suporte de académicos, colunistas e de personalidades tradicionalmente ligadas ao partido republicano. Pelo que está em causa nesta eleição, e considerando os tempos de particular tensão militar em certas regiões do globo, de ameaça do terrorismo e dos desafios que a fragilidade do crescimento económico está a colocar às democracias, parece justificar-se, o que a miúde se diz, meio a brincar, que todos no mundo deveriam poder votar na eleição do presidente americano.
A vitória provável de Hillary Clinton não será porém suficiente para aquietar muito do desassossego entre os defensores da democracia provocado pela emergência e afirmação do fenómeno Trump na política americana. Outras democracias já têm movimentos políticos que, como o de Donald Trump, apostam no medo, na xenofobia e no ressentimento. Podem não ter o mesmo peso, mas servem-se dos mesmos meios. Usam a mentira, a violência verbal e a manipulação de paixões primárias para hostilizar partidos políticos tradicionais, questionar instituições democráticas e esvaziar os princípios e valores de tolerância religiosa, da livre expressão, do pluralismo e do Estado de Direito. Nos Estados Unidos os estragos para a democracia já são evidentes: fala-se no colapso ou implosão do partido republicano; Trump já deixou entender que pode não aceitar os resultados eleitorais em caso de derrota; e tem-se como certo que o nível de obstrução dos trabalhos do Congresso irá atingir novos limiares se os republicanos conservarem a maioria na Casa dos Representantes e no Senado. Com os últimos desenvolvimentos despropositados sobre os emails de Hillary apercebe-se que nem o FBI consegue estar acima da pressão raivosa dos partidários de Trump.
 Diz-se que actualmente a democracia está em crise, que os partidos políticos não são mais representativos e que a política como arte do possível ou “arte de tomar decisões em contextos condicionados” nas palavras do académico Daniel Innerarity, já não consegue enfrentar os desafios do mundo moderno. Para alguns a alternativa para a crise surge então em se encontrar figuras como Trump e outros tantos que se assumem acima da política, acima dos partidos e que vão deixando avisos que poderão não se deixar emaranhar pelas leis e valores existentes para “erguer muros contra estrangeiros, registar pessoas com certas religiões, normalizar o uso da tortura e até prender adversários políticos”.
Tais figuras encontram normalmente respaldo entre aqueles que não acreditam na retoma da economia e na diminuição das desigualdades e entre os que se deixaram frustrar pelas dificuldades em mudar a agenda política apesar da ilusão de empoderamento criada pelas redes sociais. Curioso que, não obstante a retórica anti-partido, é só com a conquista da liderança dos partidos que conseguem dar o salto para o plano nacional e daí para o governo. Mesmo chegados lá não abdicam de se apresentar acima do partido, de expor os seus defeitos de falta de representatividade, de elitismo e de clientelismo e de insistir na imagem do líder como outsider e como puro e autêntico até se chegar ao ponto de culto de personalidade sem precedentes na democracia.
Os partidos põem-se a jeito para serem praticamente assaltados quando, na ânsia de responder às críticas de falta de abertura à sociedade, adoptam processos de escolha da liderança através designadamente de primárias e outras formas descentralizadas de selecção de dirigentes, consideradas mais democráticas. A propósito desta opção o cientista político Ian Shapiro diz que “é uma ideia muita errada de democracia, segundo a qual as escolhas por participação directa a fazem mais democrática quando na realidade o que consegue é dar o poder a minorias mais radicais que dentro dos partidos políticos conseguem fazer vencer os seus candidatos”. Quem assim procede até pode ter no início vantagem com a mobilização de paixões e ressentimentos mas a prazo, conquistando ou não o poder, as consequências para o partido podem vir a revelar-se terríveis. Com a candidatura de Donald Trump o partido republicano já está imerso numa crise profunda e há quem preveja que não irá sobreviver mesmo se ganhar a presidência. E não seria nada de novo. A América no século dezanove já assistiu ao fim de um partido, o partido Whig, após a eleição de um seu candidato Zachary Taylor que era tido como um “outsider” e posicionava-se como anti-partido.
Os partidos tradicionais que durante décadas na Europa e em outros países têm sido  baluartes da estabilidade democrática estão hoje sob a pressão para darem sinais de maior abertura à participação das pessoas e de mais transparência e honestidade na condução dos assuntos públicos. No esforço de adaptação aos novos tempos o pior que lhes pode acontecer é deixarem-se levar por derivas demagógicas e populistas. A crise actual de muitos deles tem a ver com a forma como lidam com as pressões populistas à esquerda e à direita e dentro da sua própria organização. Subordinar-se ao líder sacrificando o partido, a sua identidade, o seu pluralismo interno e a sua organização no processo pode revelar-se fatal.
Nas democracias a responsabilidade política última é sempre partidária e não do líder. Esta é a realidade que também os partidos caboverdianos, PAICV e MpD, deverão ter em devida conta enquanto preparam os respectivos congresso e convenção nacional. Todos já mostraram terem sido influenciados por movimentações populistas. A fragilidade evidente do parlamento nesta legislatura é uma das consequências. Espera-se que a derrota de Donald Trump no dia 8 de Novembro tenha o efeito de travão em toda esta deriva populista e demagógica que ameaça velhas e novas democracias. O Expresso das Ilhas não vota mas recomenda que todos os caboverdianos eleitores nos Estados Unidos votem Hillary Clinton.  

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 779 de 02 de Novembro de 2016.