Nas últimas semanas a problemática da crise na comunicação social reapareceu de repente na consciência das pessoas, da sociedade e do próprio Estado. Perante casos notáveis de desaparecimento de órgãos de imprensa, surgiram vozes de vários sectores de opinião a expressar preocupação com a sustentabilidade dos jornais privados e das rádios comerciais. Face ao problema, a sugestão da parte do governo de um eventual posicionamento no sentido de reforço dos órgãos públicos de comunicação social não se mostrou encorajador. Provavelmente só iria diminuir mais a base de sustentação da imprensa privada. E a verdade é que a crise na comunicação social privada não é ultrapassável com maior protagonismo do sector público. Também sabe-se que a democracia fica necessariamente diminuída e em situação de risco num ambiente em que jornais, rádios e televisões privadas não encontram autonomamente meios suficientes para se viabilizarem.
O problema de fundo com os jornais privados começa com o mercado publicitário. Depois de anos de estagnação da economia esse mercado continua exíguo e sente-se cada vez mais o peso da concorrência da rádio e televisão públicas. Os jornais aqui em Cabo Verde assim em como em toda a parte do mundo ressentiram-se bastante da quase omnipresença da televisão 24 horas/sete dias na transmissão de notícias. A isso veio juntar-se em tempos mais recentes a tendência das pessoas em se servirem de informações disponibilizadas gratuitamente na internet para se manterem a par dos acontecimentos no país e no estrangeiro. Ultimamente com a expansão rápida das redes sociais mudaram-se completamente as regras do jogo. Foi criada a possibilidade dos utilizadores de reagiram directamente e de forma imediata a acontecimentos e posicionamentos de outras pessoas sem necessidade de intermediação.
Esvaziada em boa medida da sua capacidade de mediação, a comunicação social tradicional viu-se limitada e preterida no papel de facultar aos cidadãos os meios para exercerem o seu direito de se informar, de informar e de acesso às fontes de informação. Não espanta que a crise actual seja profunda e abrangente. Encontrar soluções para a ultrapassar é de importância crucial para as democracias. A urgência nesta matéria é tanto mais quando crescentemente se perfilam no mundo forças políticas e outras que apostam na descredibilização da imprensa tradicional.
Paradigmático neste aspecto foi a acusação de “inimigo do povo” feita pelo presidente Donald Trump aos media americanos. Para mostrar que não é uma acusação para esquecer ou ser tomada como algo sem consequência é que nos dias de hoje o Washington Post mantem no cimo da primeira página a expressão Democracy Dies in Darkness, a democracia morre na escuridão. Com essa inscrição quer alertar para os perigos da ofensiva violenta que está a se verificar sob várias formas contra factos, contra a verdade e contra o pluralismo. A História mostra que tiranias de toda espécie começam por apagar a luz que a imprensa livre e plural tende a projectar sobre os actos de poder.
Com diferentes variantes e intensidade o fenómeno está a passar-se em várias democracias espalhadas pelo mundo. À medida que muitos vão ficando dependentes das redes sociais para se informarem e se posicionarem, mais vulneráveis se mostram as manipulações demagógicas, teorias de conspiração e a notícias falsas. É evidente hoje que todas as derivas populistas apontam invariavelmente o alvo para as instituições fundamentais do pluralismo: o parlamento e a imprensa privada de referência. Neste sentido, lutar contra tentações populistas também significa apoiar a imprensa privada, resistir a tentativas de governamentalização da comunicação social e tudo fazer para manter uma sociedade livre e plural onde ninguém tenha a presunção de ser detentor da verdade, possuir em exclusivo as soluções possíveis e falar pela Nação como se ela tivesse uma única voz.
Na condição actual de Cabo Verde não é fácil manter uma imprensa livre e plural em particular na imprensa escrita. Mas sendo essencial para o funcionamento do sistema democrático é da maior importância que se encontre o devido equilíbrio entre o sector público e o sector privado da comunicação social. A Constituição da República (CR) é clara por um lado a declarar livre a criação de jornais e por outro a estabelecer um serviço público da rádio e televisão. Rádio e televisão privadas podem conseguir licenças de emissão depois de se submeterem a concursos públicos. Reconhecendo o carácter excepcional do serviço público da rádio e televisão, a própria CR impõe um pluralismo interno no funcionamento dos órgãos públicos e submete-os a um escrutínio externo estrito de uma entidade reguladora com competência para emitir perecer vinculativo no processo de nomeação dos respectivos directores.
Para se garantir porém o pluralismo externo dos vários órgãos privados há que assegurar a sustentabilidade autónoma para os mesmos sem dispensar eventuais incentivos do Estado. Devia ser evidente que nestas circunstâncias o Estado procurasse evitar que os órgãos públicos que já recebem taxas e transferências públicas também beneficiassem do mercado publicitário que todos reconhecem ser diminuto. Muito menos que acções de verdadeiro dumping se verificasse na corrida pelos escassos recursos da publicidade quando se sabe que quem está a ser subsidiado por fundos públicos melhor preço poderá fazer para aumentar quota de mercado e até eliminar o concorrente. Já o Estado ajudaria e muito com o investimento numa agência noticiosa que fornecesse a partir de todas as ilhas despachos nos diferentes formatos para uso de todos os órgãos. Fica a sugestão. Há que ultrapassar a crise de sustentabilidade da imprensa em Cabo Verde para se evitar uma crise ainda maior no regime democrático.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 796 de 28 de Fevereiro de 2017.
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