Na semana passada o primeiro-ministro Ulisses Correia e Silva anunciou alguns instrumentos de financiamento de start ups e projectos de Pequenas e Médias Empresas (PME). Falou na criação para breve de um fundo de capital de risco e do fundo de garantia soberana. Numa intervenção na Assembleia Nacional no dia 28 de Março, o ministro das Finanças acrescentou a recapitalização do Cabo Verde Garante como mais um desses instrumentos que o governo pretende disponibilizar para assegurar a partilha de riscos entre o empresário, a banca e o Estado. A promessa implícita nestes anúncios é que, resolvido o problema do capital para as empresas, a economia do país ganhará outra dinâmica.
A questão do financiamento das empresas sejam elas micro, pequenas ou médias é tida como um dos constrangimentos de maior peso que deverão ser ultrapassados para que haja mais crescimento e mais emprego. Tanto nos governos anteriores como no novo governo constituiu uma preocupação central e uma promessa. O facto porém é que até agora não se conseguiu sucesso significativo e sustentável com os vários instrumentos criados, designadamente os fundos de pesca, crédito agrícola, microfinanças e tragicamente o Novo Banco. Raros são os casos em que não se passa do empreendedorismo de sobrevivência e da actividade informal que não obstante os benefícios pontuais que propiciam aos operadores individualmente muito pouco contribuem para resolver o problema geral do emprego, da produtividade e da competitividade do país. O caso do Novo Banco e os avultados prejuízos na ordem de um milhão e oitocentos mil contos que vai legar para o Tesouro e para os contribuintes do INPS devia ser motivo para alguma pausa antes de se avançar com mais um esquema de financiar as pequenas empresas nacionais.
O aparente paradoxo de se ter dinheiro ou liquidez nos bancos nacionais enquanto a economia está carente de financiamento fez o governo anterior aprimorar-se nas suas artes de ilusionismo para justificar por que o financiamento não chegava às empresas. Tinha prometido que as infraestruturas em construção por todo o país iriam abrir caminho para o investimento privado, mas isso não aconteceu. Pelo contrário, com as dificuldades crescentes das empresas, com os riscos macroeconómicos a aumentar à medida que a dívida pública ultrapassava os 100% do PIB até chegar aos 124% e com a economia a crescer anemicamente à volta de 1,2% do PIB os bancos mostravam-se relutantes em autorizar créditos. O governo optou então por ofuscar a realidade com iniciativas vindas do Banco Central de facilitação de liquidez que, como se veio a verificar, não resultaram porque os bancos tinham os cofres cheios. Falhada a transmissão monetária, a situação para os privados no que respeita ao acesso ao crédito ficou praticamente na mesma. A reacção política foi de justificar o fracasso com suposta má vontade dos bancos e com outras iniciativas agora na prestação de garantias que acabaram mal como se pode constatar de certos créditos duvidosos do Novo Banco que vieram a público.
Nas discussões sobre o ambiente de negócios em Cabo Verde tende-se a realçar constrangimentos ao nível fiscal e de acesso ao crédito a exemplo aliás do que se passa nos países avançados. Mas, se nestes os efeitos das medidas políticas têm eficácia directa, aqui em Cabo Verde diluem-se no meio de outros factores que dificultam a actividade empresarial e inibem a iniciativa individual a começar pelo mercado que não só é exíguo como é fragmentado e carece muitas vezes de regulação adequada. O resultado é que a concorrência não é justa, a informalidade reina e os custos de factores, de transporte e de contexto contribuem extraordinariamente para inibir qualquer actividade ou iniciativa. Centrar na resolução do problema do financiamento ou do acesso ao crédito sem uma acção estratégica para contornar ou eliminar os muitos outros constrangimentos que se colocam no caminho dos operadores económicos poderá significar simplesmente mais um regresso a um caminho já trilhado de fundos e financiamentos que poucos resultados tiveram e muitas dívidas deixaram para depois serem assumidas por todos os contribuintes.
A verdade é que o país precisa crescer a taxas elevadas e baixar dramaticamente o desemprego e a experiência das últimas décadas demonstra que crescimento rápido e grande número de postos de trabalho só se consegue com investimento externo e exportações. As fábricas do Lazareto em S.Vicente, a Frescomar e os resorts e hotéis da Ilha do Sal e da Boa Vista são prova disso. Criaram rapidamente milhares de postos de trabalho directos e indirectos e introduziram uma outra dinâmica económica porque investimento externo não é só capital, é também tecnologia, know-how e mercados. E sem mercados e sem competitividade não serve de muito facilitar acesso a financiamento de empresas.
A nossa experiência recente, mesmo limitada, e a experiência de outros países demonstram sem equívocos que conseguem-se melhores resultados na política de desenvolvimento quando se articula a política de atracção de investimentos externos como uma estratégia compreensiva de dinamização do empresariado nacional. De outro modo, com desencontros de políticas e acções desarticuladas só se chega ao estado que o país se encontra hoje: a crescer muito pouco com uma dívida pesada, uma economia pouco diversificada e demasiado dependente de uns poucos operadores externos.
Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 29 de Março de 2017
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